· Haibara Ai

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Satoru Gojo

Eu me esgueiro pela biblioteca sem chamar a atenção do homem de meia-idade que cuida dos livros. Falta cerca de dez minutos até o toque de recolher, então preciso me apressar antes que acabe ficando preso aqui. Corro em silêncio até a seção dos livros de botânica e apanho o livro no qual deixei o bilhete para “S”. Abro-o. Folhei-o.

Dito e feito, encontro um papel novo entre suas páginas.

Devolvo o livro à prateleira e, ansioso, abro o bilhete.

“Você já devia ter entendido que nada aqui é concreto, pobre
Andrew. As paredes são concretas? A cama onde você dorme é
concreta? Não, não são. São construídas sobre séculos de
mentiras, sangue e traições. Seus sentimentos são concretos? Me
responda, o que foi mais prazeroso: o beijo do cavaleiro que se
apaixonou à primeira vista ou o toque do anti-herói que não
consegue parar de te destruir? Pode até mentir para si mesmo,
garotinho. Mas não para mim.
Acha que as pessoas ao seu redor são concretas? Pense
novamente. Talvez ache que suas amizades têm algum tipo de
valor. Está enganado. Uma mentira bem contada dói menos do que
uma verdade cruel e, por isso, nosso cérebro pode distorcer a
realidade para a gente acreditar em coisas que não estão realmente
ali, mas são mais fáceis de digerir. Mas o preço da ignorância
está caro demais, não acha?
Está na hora de mergulhar no fundo das entranhas dos
segredos da Academia Masters e submergir apenas quando
conseguir enxergar a realidade do jeito que ela é..

— S”

Enquanto leio as palavras escritas à mão, fico mais e mais desnorteado. O que quer dizer com “mergulhar nas entranhas da
Masters”? “Enxergar a realidade do jeito que ela é”? Acho que já consigo ver as coisas muito mais claramente do que a maioria dos desgraçados neste lugar. Ele quer que eu veja mais?

Dobro o papel novamente. Não tenho muito tempo restante.

Pego o livro de botânica outra vez, para me explicar caso seja flagrado por alguém na saída, e então percebo que há um tomo
estranho ao lado dele, um livro que sem dúvida alguma não pertence à seção de botânica.

— O que é isso?

Esqueço o livro do sr. Zenin. Preciso das duas mãos para apanhar esse monstro. Deve ter, facilmente, mil e quinhentas
páginas. A capa é feita de um couro muito, muito envelhecido e pouco polido; é ríspido e austero ao toque dos dedos. De
imediato, tenho a impressão de ser um livro que eu não deveria ter em mãos. Mas o tenho. E, lendo seu título, o bilhete de “S”
começa a fazer algum sentido.

Apoio o Honorário histórico da Academia Masters no braço direito e, com o esquerdo, o folheio rapidamente. De cara, vejo
informações sobre o castelo, a ilha e o que parecem ser descrições sobre todas as turmas que passaram por aqui ao longo
de seus séculos de funcionamento. Navego mais um pouco pelas páginas empoeiradas e pesadas. Meu antebraço começa a
reclamar.

Chego numa seção de personalidades notáveis, com ilustrações realistas como aquelas presentes nos quadros que
encontrei nos túneis do subsolo, acompanhadas de nome, data de
nascimento, turma e alguns feitos notáveis.

O primeiro representado é, claro, Yaga Masamichi, que fundou a escola no final do século XIX. É a primeira vez que vejo
uma ilustração sua, no entanto, e parece estranhamente familiar. Forço um pouco a vista, tentando identificar de onde o
conheço, mas parece haver um vácuo de memórias em minha mente.

Me dirijo um pouco mais abaixo na página, até um certo aluno de fios claros, longos, e rosto fino; em seu olhar, há tristeza
e pesar; em sua face, um marasmo quase contagiante. Leio seu nome, e o livro despenca de minhas mãos, causando um
estrondo alto e horroroso ao se chocar contra o chão. As estantes ao redor tremem. Fico paralisado. Preciso me segurar nas
prateleiras mais próximas para não cair.
Me atiro de joelhos no chão e puxo o livro para perto mais uma vez, voltando a ler o nome do aluno. Não. Não estou
enganado. Essas palavras estão escritas e realmente estou lendo cada uma delas. Minha mente não tá me pregando uma peça.

Haibara Ai. Bisneto de Masamichi Yaga.
Nascido em 1892. Morto em 1909.”

-» Entre neblina e desejo / SatosuguOnde histórias criam vida. Descubra agora