Reflexos de um Adeus

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As noites de João e Pedro seguiam frias e solitárias, como se o tempo tivesse parado no momento em que se despediram. Eles viviam em mundos separados, mas cada batida do coração de João ainda ecoava com o nome de Pedro. A turnê "Anti-Herói" estava prestes a começar, e, embora João tivesse encontrado algum alívio temporário na criação do álbum, a dor que o inspirava era evidente em cada acorde, cada palavra. As músicas que havia escrito eram mais que canções; eram cartas de amor e despedida para Pedro, que ele sabia que nunca leria.

Naquela noite, João se preparava para uma coletiva de imprensa sobre o lançamento do álbum. Vestia-se lentamente, o cigarro pendurado entre os lábios, enquanto seus olhos fixavam o espelho com uma tristeza quase palpável. A maquiagem escondia os sinais visíveis de noites mal dormidas, mas não havia como disfarçar a alma ferida por trás de seus olhos.

Enquanto se olhava no espelho, João começou a reparar nos detalhes do próprio rosto. As olheiras profundas, o cansaço que marcava sua pele, e as cicatrizes emocionais que pareciam transparecer. Por mais que se esforçasse, não conseguia se enxergar como antes, como alguém que merecia ser amado. Ele se sentia feio, desgastado, como se a vida tivesse sugado o melhor dele, deixando apenas uma sombra do que um dia foi.

As lágrimas começaram a brotar nos olhos de João, e ele tentou segurá-las, mas era impossível. A imagem que via no espelho só trazia lembranças dolorosas. Lembrou-se de como Pedro costumava ajudá-lo nesses momentos, quando se sentia inseguro. Pedro tinha o dom de fazer João se sentir bonito, de mostrar que suas imperfeições eram o que o tornavam especial.

Mas agora, sozinho, sem Pedro ao seu lado, essa segurança havia desaparecido. As palavras de Pedro, que antes tinham o poder de afastar esses pensamentos sombrios, agora ecoavam vazias na memória de João. Ele chorou baixinho, o som quase abafado pelo zumbido constante na cabeça, enquanto olhava para si mesmo e via alguém que não conseguia mais reconhecer.

O desespero de João crescia a cada lágrima que caía, e ele sentiu o peito apertar, uma dor sufocante que parecia esmagá-lo por dentro. Ele queria acreditar que Pedro estava errado, que ainda havia algo de bonito nele, mas a ausência do outro fazia com que essa esperança fosse difícil de encontrar. Por fim, virou o rosto para longe do espelho, incapaz de suportar o que via, e deixou-se cair de joelhos no chão do quarto. Ali, com as mãos cobrindo o rosto, ele chorou como há muito tempo não chorava, sentindo-se completamente desamparado, como se todo o amor que um dia conheceu tivesse desaparecido junto com Pedro.

Após alguns minutos, João tentou se recompor. Levantou-se, limpando as lágrimas com a manga da camisa e respirou fundo. Ainda havia a coletiva de imprensa pela frente, e ele sabia que não poderia mostrar fraqueza. Mas o coração estava pesado, e o desejo de fugir de tudo era quase incontrolável. Acendeu mais um cigarro, tentando se acalmar, enquanto se dirigia para a coletiva.

Do outro lado da cidade, Pedro passava por uma situação semelhante. A vida não parecia se mover desde o fim do relacionamento. Cada noite era um ciclo repetitivo de bebida e cigarros, tentando preencher o vazio deixado por João. Ele sabia do lançamento do álbum, embora evitasse pensar demais sobre isso. Tinha lido as notícias, visto as capas das revistas, mas tudo o que sentia era um aperto no peito. O "Anti-Herói" era a última conexão entre eles, e, ao mesmo tempo, o testemunho de como tudo havia se perdido.

Na coletiva, João sentiu o peso das perguntas dos repórteres, mas não conseguiu fugir do que todos sabiam: o álbum era sobre Pedro. Um repórter perguntou, com um tom quase cruel, sobre a inspiração por trás das letras tão profundamente tristes.

“Cada música é um pedaço de uma história que nunca consegui terminar”, respondeu João, a voz baixa e carregada de melancolia. Era a verdade. Cada palavra do álbum era uma tentativa de compreender a dor, de reescrever o final que nunca veio.

Pedro, em seu apartamento, ouvia a coletiva pela TV, uma garrafa de uísque ao lado. Cada palavra de João parecia cortar ainda mais fundo, reavivando feridas que nunca cicatrizaram. Quando João falou sobre a história inacabada, Pedro deixou a garrafa cair no chão. As lágrimas escorriam, e ele sabia que, assim como João, também não tinha superado nada.

Ao término da coletiva, João saiu pela porta dos fundos, fugindo das câmeras e dos flashes que o seguiam. Ele parou por um momento, olhando para o céu nublado, sentindo-se tão sozinho quanto as estrelas que não conseguia ver. Pegou o telefone e, sem pensar, discou o número que conhecia tão bem. Queria ouvir a voz de Pedro, nem que fosse só mais uma vez.

Mas antes que o telefone completasse a chamada, ele desligou. Sabia que ouvir Pedro só traria mais dor, mais arrependimento. Então, em vez disso, foi para o estúdio, onde as luzes baixas e a acústica perfeita o aguardavam. Sentou-se ao piano e começou a tocar a melodia de uma música que não estava no álbum. Uma canção inédita, tão crua e dolorida quanto seu coração naquele momento.

“Eu ainda te sinto aqui, mesmo quando não está mais...” começou a cantar, sua voz quebrando no final. Era uma despedida, uma que ele sabia que nunca poderia dar pessoalmente. Pedro, do outro lado da cidade, apagou o cigarro e olhou para a janela, como se pudesse sentir a presença de João ao longe.

Ambos estavam presos em um ciclo de dor e vícios, incapazes de seguir em frente, mas também incapazes de voltar. O "Anti-Herói" era mais do que um álbum; era a última tentativa de João de gritar sua dor ao mundo, esperando que Pedro ouvisse e entendesse, mesmo que fosse tarde demais.

E enquanto as primeiras notas da turnê começavam a soar pelo mundo, ambos sabiam que não importava quantos shows João fizesse, quantas músicas Pedro ouvisse, a dor nunca iria embora completamente.

Era como se o amor deles estivesse destinado a viver para sempre nas notas tristes e nas noites solitárias, mas nunca mais em seus corações.

Um amor "Proibido"-PejãoOnde histórias criam vida. Descubra agora