"Cuida de você,João"

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A manhã estava nublada, um reflexo perfeito do estado de espírito de João. Era o dia da última reunião para a turnê de *Anti-Herói*, e ele deveria estar animado, ou pelo menos, aliviado. Mas, em vez disso, sentia uma angústia crescente. A turnê representava muito para ele, mas cada passo dado em direção a ela parecia puxá-lo de volta para as sombras do passado, especialmente quando se tratava de Pedro.

Ele chegou à empresa tentando manter a compostura, o coração pesado com a lembrança do álbum que, há apenas alguns dias, havia sido lançado ao mundo. As músicas que compusera ainda ecoavam em sua mente, especialmente aquelas que tinham Pedro como destino. A dor de reviver tudo aquilo estava estampada em seus olhos cansados.

Entrando na sala de reunião, João encontrou-se com os olhares dos executivos e da equipe. Eles o cumprimentaram calorosamente, mas tudo parecia distante, como se ele estivesse presente apenas fisicamente. As palavras sobre logística, marketing e produção passavam como um borrão, enquanto sua mente vagava entre as lembranças do passado e o presente sombrio.

Depois de um tempo, a necessidade de um café foi mais forte do que sua vontade de permanecer ali. Com um suspiro discreto, João se levantou, tentando não chamar atenção enquanto se dirigia à cafeteira no canto da sala.

Foi nesse momento que a porta da sala se abriu. João parou abruptamente, o coração disparando ao reconhecer a silhueta que entrou.

Pedro.

Por um instante, o mundo pareceu parar. Pedro estava ali, na mesma sala que ele, o mesmo homem que ainda assombrava seus sonhos e suas músicas. João sentiu o ar se esvair de seus pulmões, e antes que pudesse processar o que estava acontecendo, a aliança de Pedro, que ele havia guardado no bolso, caiu ao chão, emitindo um som metálico que ecoou na sala silenciosa.

Os olhos de Pedro caíram sobre o anel antes de encontrar os de João. Havia uma intensidade naquela troca de olhares, um peso de todas as palavras não ditas, de todas as emoções reprimidas. Pedro abaixou-se lentamente, pegando a aliança com cuidado. Quando ele se levantou, estendeu-a para João, as mãos tremendo levemente.

- Pega - disse Pedro, a voz baixa, quase rouca, mas carregada de uma emoção que João reconheceria em qualquer lugar.

João engoliu seco, as mãos trêmulas ao estender a palma para pegar a aliança. Seu coração batia descompassado, e por um momento, ele sentiu que não conseguiria dizer nada. Mas, forçando-se a falar, murmurou:

- O... obrigado...

O silêncio que se seguiu foi quase palpável. João fechou os dedos em torno da aliança, sentindo o metal frio contra sua pele quente. Ele sabia que deveria dizer algo mais, que deveria quebrar aquela tensão, mas as palavras simplesmente não vinham.

Pedro desviou o olhar, mas o peso do momento permanecia. João sabia que a reunião tinha que continuar, que eles tinham um trabalho a fazer, mas nada parecia mais importante do que o que havia acabado de acontecer. Os dois sentaram-se em seus respectivos lugares, mas a troca de olhares entre eles era inevitável. Cada vez que seus olhos se encontravam, era como se o tempo recuasse, trazendo à tona memórias que nenhum dos dois estava preparado para revisitar.

A reunião prosseguiu, mas João mal conseguia se concentrar nas palavras. Seu coração estava apertado, a mente voltando repetidamente à aliança que agora estava segura em seu bolso novamente. Ele se perguntava o que Pedro estava pensando, se ainda sentia algo, se alguma vez superou o que eles tiveram. Ele se perguntava se Pedro sabia que todas as músicas do álbum eram para ele, cada verso, cada acorde. E então, uma voz interrompeu seus pensamentos.

- João - chamou Pedro de repente, rompendo o silêncio enquanto todos olhavam para ele. - Acho que precisamos discutir a última música do setlist. Aquela... "Nota de Voz 8."

O coração de João deu um salto. Ele sabia exatamente por que Pedro havia escolhido aquela música. Era a música que, mais do que qualquer outra, carregava a essência do que eles tinham sido, e o que ainda significavam um para o outro, mesmo depois de tudo.

- Claro - respondeu João, tentando manter a voz firme. - Podemos discutir isso depois da reunião?

Pedro assentiu, mas os olhos de João não podiam ignorar a sombra de dor que passou pelo rosto dele. O resto da reunião passou em uma névoa, e quando terminou, os outros membros da equipe foram saindo um a um, até que João e Pedro ficaram sozinhos na sala.

- Você escreveu aquilo pra mim, não é? - Pedro perguntou finalmente, a voz baixa, mas carregada de uma dor contida.

João olhou para ele, os olhos se enchendo de lágrimas que ele se esforçou para segurar. Ele sabia que não havia sentido em mentir, não mais.

- Escrevi - confessou João, a voz falhando. - Cada palavra... cada nota... foi pra você.

Pedro respirou fundo, lutando para manter a compostura. Ele sabia, desde o início, que aquelas músicas carregavam o peso de algo que eles perderam, mas ouvi-lo da boca de João fazia a dor parecer ainda mais real.

- E o que você quer que eu faça com isso, João? - Pedro perguntou, a voz se quebrando no final. - Quer que eu finja que não sinto nada? Que eu finja que ouvir aquelas músicas não me destruiu?

João não sabia o que responder. Ele nunca quis ferir Pedro, mas ao mesmo tempo, aquelas músicas eram a única maneira que encontrou para lidar com sua própria dor.

- Eu não sei, Pedro... Eu não sei... - João finalmente disse, as lágrimas finalmente escapando de seus olhos. - Eu só... eu só queria que você soubesse o quanto eu ainda amo você.

A confissão pairou no ar entre eles, uma verdade inescapável que ambos evitaram por tanto tempo. Pedro fechou os olhos, tentando conter as lágrimas que ameaçavam cair, mas era inútil. Ele sentia o mesmo, sempre sentiu, mas saber que eles se amavam não tornava as coisas mais fáceis. Só tornava tudo mais doloroso.

- João... - Pedro começou, mas a voz falhou, e ele teve que respirar fundo para continuar. - Isso não muda nada. Não podemos voltar. Eu sei que você ainda me ama... e eu também ainda amo você. Mas isso não é o suficiente. Não mais.

João sentiu como se o mundo desmoronasse ao redor dele. As palavras de Pedro eram um golpe final, uma confirmação de que, por mais que quisesse, não havia volta. Não havia mais "nós". O amor que ainda existia entre eles era um amor condenado, destinado a viver apenas nas músicas, nas lembranças, nos silêncios.

Pedro levantou-se, caminhando até a porta, mas antes de sair, virou-se uma última vez para João.

- Cuida de você, João - disse Pedro, a voz carregada de emoção. - Porque eu não posso mais.

E com essas palavras, Pedro saiu, deixando João sozinho na sala vazia. A aliança ainda estava em seu bolso, o peso do metal parecia insuportável. Ele sabia que nunca mais a usaria, mas não podia se desfazer dela. Era tudo o que restava de Pedro, de tudo o que eles tinham sido.

João afundou-se na cadeira, as lágrimas caindo livremente agora. O vazio em seu peito parecia impossível de preencher, e ele sabia que esse era o preço de amar alguém tão profundamente. Ele poderia cantar sobre a dor, escrever sobre ela, mas nada a faria desaparecer.

Naquele momento, João percebeu que sua turnê não seria apenas sobre cantar para uma plateia. Seria sobre sobreviver. Sobre continuar, mesmo que cada nota, cada letra o lembrasse do que ele perdeu. Ele sabia que a música nunca mais seria a mesma, assim como ele nunca mais seria o mesmo.

E assim, enquanto a tarde se tornava noite, João ficou sozinho na sala, a aliança fria em sua mão, com apenas suas memórias e suas músicas para lhe fazer companhia.

Um amor "Proibido"-PejãoOnde histórias criam vida. Descubra agora