(Shade)
Olho ao redor da mesa e pelo o que vejo posso muito bem levar essa rodada. Não é difícil para mim ler as pessoas, em geral consigo rapidamente entender os trejeitos e saber as verdadeiras intenções do meu oponente. Durante anos fui o melhor sniper do exército americano, e meu talento vem muito da minha frieza em estudar o meu entorno.
Sei que os meus irmãos às vezes ficam enervados com o meu jeito apático e distante, mas não sei ser de outro jeito. Sempre tive isso em mim, essa apatia e dificuldade em me ligar às pessoas. Quando criança, em uma das casas que fui acolhido depois da morte dos meus pais, chegaram a me levar em uma psicóloga infantil. Diziam que a minha falta de empatia era preocupante e sinal de uma possível sociopatia. Claro que esse prognóstico não é algo que você queira ouvir sobre o menino que você quer adotar, então ninguém me quis. Fui passando de casa em casa até finalmente ser chutado para a rua com dezoito anos.
O que me fez indesejado quando criança é o que me tornou bem sucedido como adulto.
- Aposto tudo. - Priest arrasta os seus malotes de dinheiro para o centro da mesa e olha ao redor para Cold, Spike e Green antes de pousar o seu olhar em mim - Quem compra?
Todos os outros desistem dizendo que não têm mãos boas, mas eu me mantenho impassível. O segredo do poker não é saber ler bem as cartas, e sim as pessoas. E eu leio perfeitamente bem o Priest. Sei que ele está blefando porque toda vez que ele mente a sua boca contrai um milímetro quase imperceptível. Imperceptível para qualquer um, mas para mim que sempre estou observando os detalhes, é óbvio.
- Eu compro. - minha voz sai plana e sem vida, como sempre.
- Porra, Shade! - Priest se exalta - Eu apostei tudo, vai realmente pagar para ver?
Se eu fosse uma pessoa que sorri, teria aberto um sorriso enorme agora. É tão óbvio o desespero dele em saber que o peguei.
- Vou pagar.
Arrasto os meus próprios malotes de cem para o centro da mesa e o encaro entediado. Ele segura o meu olhar por alguns segundos até jogar as cartas na mesa com ódio.
- Que caralho! Não sei por que ainda tento jogar com você! - ele tira um cigarro do bolso enquanto eu mostro o meu par de ases e começo a contar os meus ganhos - Toda vez eu perco uma pequena fortuna.
- Você continua tentando porque o seu ego não te deixa desistir. - acabo de contar e vejo que ganhei trinta mil dólares em poucos minutos e ainda assim não consigo sentir nada - Em algum momento você acha que vai me superar, mas não vai. Não quero te desmotivar, até porque é muito rentável para mim que você continue jogando. - dou um dos meus meios sorrisos sombrios - Só estou declarando fatos.
Os meus irmãos começam a rir e debochar das reclamações do Priest, e eu apenas os observo. O mais perto que já cheguei de ter uma real conexão com outro ser humano foi aqui, no clube. Ainda que eu não entenda o que é me conectar com uma pessoa em um nível mais profundo, com os meus irmãos eu tenho uma certa estima. E lealdade. Posso não ter empatia ou amor por eles, mas sou leal pra caralho. Morreria por eles como sei que eles morreriam por mim.
- Sorria, homem. - Cold coloca uma mão no meu ombro, apertando - Você fez trinta mil brincando, não é possível que isso não te anime!
Dou de ombros acendendo um cigarro e dando uma longa tragada.
- Estou animado. - digo desinteressado.
Meus irmãos riem e eu apenas entro na minha zona de conforto. Quando é entediante demais ficar alerta perto das pessoas, eu só desassocio. Ignoro os ruídos ao redor e fico em modo de descanso.
- Shade, ouviu o que eu disse? - Green joga um amendoim em mim, trazendo a minha atenção de volta à mesa - Perguntei se existe alguma coisa no mundo que te deixaria animado.
Considero a sua pergunta por um momento. Franzo a testa ao pensar se há alguma coisa que pudesse me fazer sentir algo mais forte do que a pura indiferença que estou acostumado. Olho ao redor e vejo Zero com a Lili e o pres com a Lucky Thirteen. Destino. Isso me animaria, saber que também tenho um destino. Que a porra de alguma coisa está para acontecer na minha vida. Que não estou vivendo apenas esperando pela minha morte, mas sim porque tenho alguma coisa esperando por mim.
Claro que não vou dizer essas merdas em voz alta. Daria trabalho demais explicar.
Debochando, dou a resposta que sei que mais vai chocá-los.
- Acho que uma esposa me deixaria animado.
Todos começam a rir até que param de olhos arregalados. Isso é novo.
- Que porra?! - Priest fala olhando para alguma coisa atrás de mim.
- Que brincadeira é essa? - Green sorri afetado, olhando para o mesmo ponto atrás de mim.
- Acho que você deveria se virar, Shade - Spike diz, com a mesma expressão chocada dos outros.
Cerro o meu olhar tentando entender o que está acontecendo, até que me viro e tudo para.
- E um milhão de dólares me animaria! - Priest exclama - Vai que também cai do céu.
O ignoro enquanto tenho o choque da minha vida. Ali, bem na porta do bar, está uma noiva. Não há outra forma de descrever uma mulher vestida com um vestido de noiva branco e enorme. Mas não é só isso. Ela é a mulher mais linda que eu já vi em toda a minha vida. Sua pele é impecável, o seu longo cabelo vermelho está solto e cai como um véu ao redor do seu rosto. Seus olhos verdes brilham enquanto ela escaneia ao redor do bar, como se estivesse procurando alguma coisa, e pela primeira vez na vida eu tenho um sentimento genuíno.
Eu a desejo.
Eu a quero.
Eu preciso dela.
Sinto o meu coração acelerado dentro do meu peito, e por um momento acho que estou tendo um ataque cardíaco. Nunca em todos os meus trinta e sete anos eu tive uma anomalia no ritmo dos meus batimentos cardíacos, e no entanto, aqui estou eu. Completamente perdido e sentindo coisas que nem imaginei ser capaz de sentir.
Essa mulher é como uma sereia, que canta para atrair os marinheiros para o fundo do mar até afogá-los. Ela está me chamando como nada nunca o fez, e aceitaria ser afogado se fosse para ter um momento que seja da sua atenção.
Que porra está acontecendo?
Ela de repente vira o seu olhar até pousar em mim. Sua expressão ansiosa se torna uma careta fofa de completo choque. Ela dá um passo para trás, como se tivesse sentido a intensidade do meu olhar queimando a sua pele e eu me levanto rapidamente. E tenho mais um sentimento genuíno.
Medo.
Puro e escaldante medo dela sair e desaparecer sem que eu a tenha.
E eu entendo.
Ela é o meu destino.
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TREZE
RomanceAos quinze anos a vida de Izabella mudou completamente após sua mãe casar com um advogado americano. Mudando de país, cidade e amigos, Iza teve que se adaptar a uma nova realidade vivendo em Michigan e apesar de sentir falta do Brasil, ela conseguiu...