Capítulo 26 - A margem do delírio(3)

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Pouco tempo se passou até eu conseguir encontrar Olga deitada sozinha no chão, o impacto do choque do golpe de Magnus havia passado muito próximo a ela e finalizou Silvia.
Vendo o seu rosto inchado e marcas vermelhas nos olhos, além de não sentir mais a presença de Viktor ou Pavel, eu rapidamente entendi o que havia acontecido.
Todos eles eram bons soldados, perder Pavel que deu suporte incondicional durante toda a vida para Olga com certeza deve ter sido um baque.
Nunca fui muito bom em animar a equipe, era principalmente o trabalho do idiota do Rufus, ou da empática Ayla. Mas como eles não estavam aqui eu precisava fazer alguma coisa então apenas sorri e estendi a minha mão para Olga tentando falar de uma forma mais gentil o possível.
—Tudo o que podemos fazer por eles agora, é nos esforçarmos para criar um mundo onde isso não se repita.
Olga segurou a minha mão de volta.
—Precisamos carregar o fardo daqueles que morrem por nós com o dobro do afinco do que quando estavam vivos, só assim podemos realmente demonstrar que eles conseguiram mudar algo.
Com a minha ajuda ela levantou e me abraçou muito forte voltando a chorar.
—Você está atrasado! Idiota!
Eu a abracei de volta enquanto fazia um leve cafuné em seus sedosos e longos cabelos castanhos até que ela se acalmasse um pouco.
Enquanto ela chorava em meus braços, uma sensação de peso sobre minhas costas crescia mais e mais. Era o mesmo fardo, sempre o mesmo. Carregar as mortes de quem confiava em mim. Quantos mais? Eu pensava, mas afastei a ideia rapidamente.
—Acho que entendo um pouco melhor...
Por mais que as lágrimas tivessem secado, seus olhos ainda carregavam o peso da perda. Não havia necessidade de dizer mais nada. Ela entendera o que precisava fazer, mesmo com a dor.
—Entendo o motivo da pequena Yerin se sentir tão segura, e levar seu sorriso a todos entando ao seu lado. Talvez... Essa seja a sensação de ter um bom pai ao lado.
Depois de dizer isso ela se afastou de mim com os dois braços um pouco corada.
Como órfão eu não entendo muito bem o que se passa na cabeça de Olga em relação ao Tzar, pelo menos o Vlad ainda estava vivo não?
—Esquece isso que eu disse. Não vai acontecer de novo.
Ela bateu as mãos nas pernas para tirar a poeira das mãos e mudou seu foco de mim para o estado em frangalhos da sua roupa. Eu estava tentando ignorar isso... Mas ela deu um pulo para trás como um gato assustado na hora que reparou que ficou me abraçando com esse estado de roupas.
—N, na-não entenda errado tá bom, eu, eu não tinha nenhuma intenção errada ou gosto estranho assim!
Eu dei um sorriso e respondi enquanto retirava meu sobretudo.
—Eu sei. Você é a única amiga, mulher, que eu já tive.
Coloquei delicadamente meu sobretudo em seus ombros, deveria ser o suficiente para ela na minha visão, já que meu sobretudo é bem próximo do padrão do uniforme.
—Vista isso, temos que ir logo até o Petrov.
Mesmo que Olga tenha seus 29 anos é difícil não associá-la a uma criança nesse estado, todas as mulheres maduras e confiantes que eu admirava quando mais novo já morreram a essa altura. Com um sorriso estranho, ela bateu continência.
—Sim! Capitão.

...
Após alguns minutos chegamos ao local onde Petrov estava esperando, Dmitri e Ivan também estavam mortos e de forma brutal.
Um resquício do machado antigo derretido estava ao lado de Petrov, que por sua vez manuseava um machado ainda maior do que o último, ele parou o machado no chão e gritou.
—Chefe! Olga! Vocês demoraram para chegar dessa vez. Aquela luz nos céus que passou cortando tudo pela frente realmente era de outro mundo.
Conforme íamos nos aproximando ele começou a fazer um rosto um pouco estranho, como se tentasse entender melhor o que aconteceu.
—Ooh, agora eu entendi, podiam demorar o tempo que fosse chefe.
—Como assim?
—Como você quer que eu interprete essa situação se não for com ciúmes?
Petrov falava em um tom cômico.
—Eu só não imaginava que o chefe tinha um gosto tão selvagem assim para destruir todo uniforme da Olga, não temos tanto tecido assim sobrando pra repor.
Olga parecia um pimentão e começou a dar cascudos em Petrov enquanto girava as duas mãos com raiva.
—Seu idiota esse tipo de coisa ainda não aconteceu!
—Calma, calma, eu entendi.
O comentário de Petrov foi ridículo, mas nesse momento, piadas e leveza eram mais que necessárias. Depois de tudo, essas pequenas provocações eram o que mantinha a sanidade de todos intacta. Mesmo que Olga parecesse um pimentão de tão corada, o riso nesses momentos era melhor do que o silêncio da dor. Eu ri levemente da situação, mas pontuei.
—Exatamente, a Olga é apenas minha amiga e subordinada, eu nunca faria algo assim com ela.
Nesse momento o rosto de raiva de Olga ficou um pouco pra baixo, se afastou de Petrov enquanto murchava e murmurava bem baixo, mesmo sabendo que eu estava escutando coisas como: "Eu não sou tão feia assim...Né?", "Será que ele me acha infantil assim?"
—Ei Chefe, olha o estado da coitada, se não sente pena dela não?
Eu entendia muito bem aquela situação, e exatamente por isso não iria dar falsas esperanças a Olga.
Petrov ainda brincava, mas havia uma sombra de cansaço por trás de suas piadas. Era a forma dele de suportar.
—Acho que tem algo mais importante acontecendo agora, olha pra feição de desapontamento do administrador. Ele parece um pouco desesperado.
Nos céus acima de nós o administrador parecia um pouco desesperado.
[Er... Ah... Sim, caras constelações esse não é o final, não os humanos não estão roubando, sim, sim, eu sei, isso não estava dentro dos previstos, duques no geral já são calamidades, mas eles os derrotaram e ainda sobrou um dia inteiro. Err... Sim, ainda tem mais, continuem assistindo por favor!]
—Não vale a pena cutucar a onça com vara curta então vamos aguardar a decisão do administrador.
Desde o começo, mesmo quando Magnus saiu do portal, eu ainda sentia uma força muito pior logo atrás. Se um demônio ainda mais forte que o Magnus sair daquele portal eu me questionava o que aconteceria com o resto de nós.
Eu deixei Petrov junto de Olga e sai andando um pouco até que meu celular tocou.
— O que deseja ouvir primeiro Tzar? Relatório de fatalidades, relatório de recursos sobrando?
Cada um dos portais estava em uma ponta do grande império russo, enquanto estávamos próximos do antigo Alaska, Vlad estava do lado oposto onde antes da unificação era Portugal.
—Uh, Leon, que bom que vocês ainda estão vivos, aparentemente o administrador desse lado falou que não haveria mais nenhum monstro ou calamidade.
—Desse lado, o administrador aparentemente ainda vai mandar mais uma horda em breve, considerando a dificuldade da última e a densidade rúnica no portal consigo sentir que tem algo mais por vir.
—Entendo, não podemos enviar recursos humanos já que desse lado só sobrou 7 pessoas incluindo eu, Ayla e Rufus, a sua equipe é realmente extraordinária como sempre.
—Fico lisonjeado, do meu lado também tivemos diversas fatalidades, atualmente só estão vivos eu, Olga e Petrov. Se possível a depender do inimigo vou mandar um sinal específico para qual runa continental será a melhor opção de ativar. Como Ayla e Rufus estão vivos passe esse trabalho para eles, eles sabem todos os meus protocolos.
—Certo, farei isso. Fico surpreso que Olga sobreviveu a tudo isso.
—Sua filha é realmente extraordinária senhor, só tem agido um pouco estranha ultimamente.
—Será que eu finalmente vou ter você como meu sogro oficial? Isso seria ótimo.
—Não é isso senhor, você podia pelo menos ligar e falar com ela. E você sabe muito bem que eu prefiro outro tipo de mulheres.
—Leon... Você sabe melhor do que ninguém o que alguém passa no treinamento infernal, eu que obriguei minha filha a participar de algo assim apenas desejando que ela superasse tudo e tivesse forças para construir uma nova era sem mim não tenho mais esse direito.
—Senhor... Pelo menos você ainda está vivo, e ainda tem a chance de ver a sua filha viva.
Eu disse de forma seca, até de forma um pouco desrespeitosa.
—Uhg... Desculpe-me pela insensibilidade...Mas realmente não pretendo mudar algo assim, Leon... 
—Certo...
Uma voz lá no fundo gritava algo como "Se tá falando com o Leon né Vlad, deixa eu falar também."
—Apenas repasse as minhas palavras a Rufus e Ayla, eu vou encerrar a ligação por aqui. Vida longa ao império.
Vlad respondeu por fim do outro lado da ligação.
—Quase havia me esquecido de falar, avise ao Petrov que Anastasia morreu de forma honrada salvando Ayla. Vida longa ao império.
"Merda." Eu pensei enquanto mordia meus beiços.
Vou manter essa informação para mim por enquanto, transmitir isso agora pode afetar muito a mente de Petrov.
Limpando a minha mente eu pensava: "Não adianta temer o futuro, a única coisa que eu posso fazer agora é viver no presente."
Voltei andando até Petrov e Olga que estavam tendo uma discussão acalorada como sempre.
—A reunião acabou chefe?
O olhar de Petrov era o mesmo de sempre, confiante e cheio de vigor. Ele ainda não sabia. "E é melhor que continue assim", eu pensava. Não havia espaço para mais fraquezas agora. O preço de liderar era carregar os segredos até a hora certa, e essa hora ainda não tinha chegado.
—Sim, aparentemente o administrador do lado de Vlad afirmou que não teria mais nenhuma onda, mas já faz um tempo que o nosso está embolado como um atendente de telemarketing falando com várias pessoas ao mesmo tempo e não anunciou nada.
Todos olhamos novamente para o portal que agora emanava raios negros muito escuros, uma força sem igual com tudo o que vejo antes, tudo para ficar novamente no administrador flutuando nos céus.
[Ótimo, ótimo, por mais que seja inesperado, vamos voltar agora com a programação normal.]
[A fase 4 iniciará em um minuto, e de apenas um dos dois portais irá sair, a estupenda, a maior, a primeira calamidade original!]
[Alguns reis demônios estão ansiosos pelo  grande desfecho.]
[Alguns reis demônios estão se perguntando quem cedeu tanta probabilidade para contrariar aquela família.]
[Como todos sabem a família da primeira calamidade é bem restrita então foi realmente difícil trazer ele aqui. Mas não se preocupem ele está chegando em 3- 2- eee 1!]
Meu corpo doía de uma forma que eu não sentia há anos. Olga e Petrov também estavam perto do limite, mesmo que eles tentassem esconder de mim. Mais um desafio... Era sempre mais um, como se a realidade fosse testar quantas vezes eu podia quebrar antes de ceder.
O portal a nossa frente que tinha diminuído para os demônios agora estava na altura de um prédio de 10 andares. A cor do portal também mudou para um vermelho de sangue com diversos raios negros pulsando ao redor, seja lá o que estava por vir, era maior e mais forte do que tudo aquilo que tínhamos derrotado até agora.

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