Capítulo 19 - O peso das sessões:

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P.O.V – Isa:

As últimas semanas tinham sido um turbilhão de emoções e desafios para mim. O beijo com o Gabriel, aquele momento em que finalmente admitimos o que sentíamos, tinha mudado tudo. De repente, a nossa relação deixou de ser apenas marcada pela tensão e pelo perigo que rondava as nossas vidas e passou a ser algo mais profundo, mais íntimo. Eu nunca imaginei que alguém como o Gabriel pudesse despertar em mim esse tipo de sentimento, mas agora, ele era uma parte essencial da minha vida.

No entanto, enquanto o nosso relacionamento florescia, o peso da minha doença continuava a pairar sobre mim. As sessões de tratamento eram uma constante na minha rotina, e por mais que o Gabriel estivesse ao meu lado, isso não tornava as coisas mais fáceis. Havia dias em que o medo e a incerteza me consumiam, e eu perguntava-me se algum dia a dor e o cansaço iriam desaparecer.

As primeiras semanas de tratamento tinham sido duras, mas o meu corpo começava a adaptar-se aos medicamentos. Cada sessão era uma batalha diferente. Eu acordava sempre com uma sensação de apreensão no estômago, sabendo que, por mais que eu tentasse ser forte, aquelas horas intermináveis de tratamento drenavam-me de maneiras que eu nunca imaginara.

Lembro-me da primeira sessão após o sequestro, quando ainda estava emocionalmente frágil. O Gabriel insistiu em ir comigo, mesmo que eu dissesse que não era necessário. Ele sempre era persistente, e eu acabei por ceder, sabendo que, de alguma forma, a sua presença iria-me trazer paz. Naquele dia, sentámos lado a lado na clínica, o som monótono das máquinas a encher o ar. O silêncio entre nós era confortável, e eu sentia o apoio dele sem que precisássemos de falar.

As semanas seguintes trouxeram mais do mesmo: cansaço, enjoos, noites sem dormir. O tratamento atacava o meu corpo de uma forma violenta, deixando-me exausta física e emocionalmente. Por vezes, eu olhava para o espelho e mal reconhecia-me. O meu cabelo, embora ainda estivesse presente, começava a perder o brilho, e as olheiras profundas eram uma lembrança constante da luta que eu travava todos os dias.

Mas, em meio a tudo isso, o Gabriel estava lá. Ele era a minha rocha, o meu ponto de apoio. Mesmo com o trabalho que tinha, sempre encontrava tempo para ver-me ou para acompanhar-me nas sessões. Nunca precisei de pedir; ele apenas aparecia, silencioso, mas presente.

Houve um dia, em particular, que ficou gravado na minha memória. Era uma terça-feira, uma daquelas semanas em que o tratamento parecia ser mais pesado. Eu estava deitada na cama da clínica, o corpo a latejar de dor, e a sensação de náusea constante fazia-me sentir que o mundo girava. O Gabriel estava ao meu lado, segurando a minha mão, o polegar a traçar círculos lentos na minha pele. Eu sabia que ele odiava ver-me assim, mas havia algo nos seus olhos que mostrava uma força que eu não conseguia entender.

- Eu não aguento mais! - murmurei naquele dia, a voz fraca.

O Gabriel olhou para mim, e, por um segundo, pensei ver uma sombra de dor no seu rosto. Mas ele apertou mais a minha mão, os olhos fixos nos meus.

- Tu és mais forte do que isso, Isa! - disse ele, a voz firme, mas suave ao mesmo tempo. - Já passaste por coisas muito piores. E vais superar isto também.

As palavras dele, por mais simples que fossem, traziam-me algum conforto. Eu sabia que ele acreditava em mim, talvez até mais do que eu acreditava em mim mesma. E, por mais que eu quisesse desistir em certos momentos, a presença dele ao meu lado dava-me uma força que eu não sabia que tinha.

As semanas continuaram, cada uma mais desafiante do que a anterior. Eu percebia que o tratamento não era linear; havia dias bons e dias terríveis. Havia dias em que eu sentia-me forte o suficiente para sair de casa, para caminhar pelas ruas e sentir o sol no rosto, e havia dias em que tudo o que eu conseguia fazer era ficar deitada na cama, a lutar contra a vontade de desaparecer.

Foi durante uma dessas semanas que eu percebi o quão profundo era o amor do Gabriel por mim. Ele podia não dizer as palavras "eu amo-te" com frequência, mas as suas ações falavam mais alto do que qualquer declaração. Ele fazia questão de estar comigo em todas as sessões, mesmo quando eu o mandava para o trabalho. Trazia-me flores, mesmo sabendo que o cheiro delas muitas vezes deixava-me enjoada. E, à noite, quando eu estava demasiado exausta para falar, ele sentava-se ao meu lado e lia em voz alta, a sua voz grave a preencher o vazio que a dor deixava.

Mas não era só o apoio físico e emocional. Era a maneira como ele olhava-me, como se eu fosse a coisa mais preciosa na sua vida, mesmo quando eu sentia-me frágil e quebrada. Eu sabia que ele não era um homem fácil. O seu mundo estava cheio de perigos e segredos, e ele tinha uma escuridão dentro de si que nunca desapareceria completamente. Mas, comigo, ele mostrava um lado diferente — um lado que eu suspeitava que poucas pessoas tinham visto.

Apesar dos dias difíceis, havia momentos de alegria. Momentos em que eu sentia-me quase normal. Ele e eu começámos a passar mais tempo juntos fora das clínicas, a tentar recuperar um pouco da nossa vida antes do caos. Jantares em pequenos restaurantes, passeios ao longo do rio... Momentos em que nos esquecíamos da doença e da violência que nos cercava.

E foi nesses momentos que percebi algo importante: por mais que a doença fosse uma parte da minha vida agora, ela não me definia. Eu ainda era eu, e ainda tinha muito para viver. E, com o Gabriel ao meu lado, eu sabia que poderia enfrentar o que viesse a seguir.

Essas semanas de tratamento ensinaram-me mais sobre mim mesma do que eu jamais imaginei. Ensinou-me que a força não vem apenas da sobrevivência, mas também da aceitação. Aceitar que nem sempre sou forte, que nem sempre consigo lutar sozinha. E aceitar que, às vezes, é preciso deixar que os outros nos ajudem a carregar o peso da batalha.

E o Gabriel... ele era a prova viva de que, por mais escuridão que houvesse à nossa volta, sempre haveria uma luz.

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