004.

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( 004. o governador )

' MARJORIE HILL'S POV '


ESTÁVAMOS A TEMPO DEMAIS NA MERDA, pra sacar quando entrávamos em algo que fosse ainda mais ferrado. Não era atoa que horas atrás havíamos fugido de um abrigo, seguindo uma preocupação genuína que Jackson carregava sobre o lugar.

Woodbury não parecia diferente.

Quero dizer... era totalmente diferente. Os muros altos, os caras armados protegendo as entradas, as ruas asfaltadas, as casas e estabelecimentos distribuídos como em um condomínio chique. Tudo que tínhamos no outro abrigo, eram barracas e pessoas com coragem o suficiente pra ficar de guarda no meio da mata - e durante um tempo, foi o suficiente.

Entretanto, o ar com aspecto limpo que rodeava o ambiente não escondia a sensação totalmente igual de instabilidade. De perigo. De suspeita e desconfiança. E, uma coisa que passar tempo demais na merda nos ensinou, era que pessoas podiam ser mais perigosas do que o fim do mundo de fato.

Os vivos eram pior do que os mortos.

- Vocês são militares? - a loira perguntou ao homem de preto, que riu baixo, parecendo orgulhoso.

Quase revirei os olhos pela a milésima vez na noite.

- Não somos - deu de ombros. - Temos uns veteranos, mas nós treinamos sozinhos.

- São armas pesadas - a mulher voltou à dizer, informando o óbvio pra todos nós. De soslaio, pude ver Michonne analisando o lugar com ainda mais cautela.

- Alguns homens já chegaram armados - explicou o outro. - Mas a maioria é recuperada ao longo do tempo.

A voz da loira estava me irritando profundamente. Assim como ainda não saber o nome dela e a curiosidade que brilhava em seus olhos. Ela parecia... surpresa da maneira mais genuinamente boa. Não sei se isso chegava a beirar inocência ou se era o desespero por se sentir segura depois de tanto tempo - mas soava irritante.

Jackson começou a andar para mais perto dos muros, onde Merle e outros "seguranças" olhavam atentos para o lado de fora. Meu irmão parecia tão desconfortável que podia pegar a sensação no ar com as mãos, se fosse possível.

- Tem um torto, Governador! - exclamou Merle, pegando uma arma das mãos do cara ao seu lado e mirando ao longe.

Imaginamos que "torto" seria um dos errantes, já que não costumávamos chamá-los assim. Porém, o mais estranho foi o título gritado: Governador. Governador? O que era aquilo? Uma ditadura?

Ignorei tudo o que veio a seguir vindo do homem e da loira, que o perseguia como uma criança descobrindo coisas novas. Respirei fundo, aproximando-me de Jack, que só então desviou seus olhos dos muros e armados.

- Governador? - sussurrei, uma careta feia se formando em meu rosto.

- Quer redflag maior? - Mel soltou, aparecendo de repente ao nosso lado. - O cara me dá vontade de chuta-lo.

Dora sorriu ao se aproximar também.

- Todos te dão vontade de chutar, Mel - pontuou, a voz doce. Ri, vendo Melissa dar um tapa fraco no ombro da amiga.

Jackson, por sua vez, permanecia calado. Michonne pigarreou ao longe, chamando nossa atenção ao ver o homem de preto e a loira avançando "cidade" adentro, com em um tour bizarro de apocalipse. Corremos até a mulher de dreads, que disse com a voz segura:

- Saímos ao amanhecer - ela não havia se referido a ninguém em específico, mas sabíamos que ela falava com Jackson.

Meu irmão mais velho balançou a cabeça freneticamente.

- Não fico um dia preso atrás de muros e caras armados, com um homem que se intitula de "Governador" - riu, sem graça alguma no tom. - Ele acha que vive em um filme?

- Qual o nome da sua amiga? - perguntei para a mulher ao nosso lado, que me olhou por breves segundos. - Ela parece... animada.

Michonne bufou.

- Andrea se encanta com facilidade - admitiu contragosto. - Ela vai acreditar em cada palavra que ele disser. O fim do mundo cega as pessoas por um muro e sensação de segurança - suspirou. - E qual o seu nome? O de vocês todos.

Dividindo seus olhos escuros entre eu e minha família, Michonne parecia - pela a primeira vez - soar amigável.

- Marjorie Hill - me apresentei, sorrindo. - Mas meus amigos me chamam de Margy. Esse aí do seu outro lado é o meu irmão, Jackson. A com cara de marrenta é a Melissa e a loirinha ali é a Pandora.

Ao terminar de apontá-los, eles acenaram com as mãos para se identificarem melhor. Michonne acenou com a cabeça de volta, gravando seus nomes e rostos. A mulher então se virou para mim, mais uma vez:

- É um prazer, Marjorie.

(+)

FLASHBACK ON

- Marjorie!

Meu nome era gritado pela a milésima vez. Ele soava agora como uma palavra desconhecida, daquelas que você repete tanto e tantas vezes, que acaba perdendo o sentido. Eu havia perdido o sentido.

Com os pés presos ao chão, era como se uma âncora me segurasse no lugar. No pior lugar do mundo, com a cena mais macabra da minha vida. Então, senti mãos me chacoalharem pelos os ombros, logo em seguida virando meu rosto para encarar olhos caramelos cheios de água salgada.

- Marjorie! Vamos sair daqui, por favor.

O carro preto parado na beira da estrada ainda conseguia ser meu único foco de atenção. A buzina alta não parava, fazendo um zunido percorrer todo o meu corpo trêmulo. A nossa frente, o carro de Jackson fazia um som de motor ressoar, ao mesmo tempo que podíamos ouvir Paul pedir para que Melissa não saísse do automóvel.

- Você... - sussurrei, a voz quase totalmente nula. - Estão mortos. Você atirou nela e... eu...

Jackson Hill, meu irmão mais velho e sempre confiante, vacilou ao voltar a me chacoalhar. Encarei o garoto pela a primeira vez após ter atirado na cabeça de nossos pais. Os respingos de sangue cobriam suas bochechas, junto com as lágrimas que agora escorriam pelo o rosto.

- Não eram mais eles - disse. Eu soube, naquele instante, que Jack tentava mais convencê-lo do que convencer a mim. Pisquei, atônita. - Não eram mais eles.

Paul apareceu de repente, puxando Jackson por um dos braços. Com a cabeça, apontou para o lado da mata, onde pessoas cambaleantes andavam lentamente até a direção do carro preto, lugar que a buzina continuava soando alta e estridente.

- O barulho atrai eles - o Durand soou desesperado. - Vamos sair daqui, por favor. Precisamos ir!

Meus pés continuavam ancorados. Senti quando Jackson me colocou sobre seus ombros, me tirando a força de onde eu não conseguia. Não reparei quando fui colocada no banco de trás do carro de meu irmão ou quando Melissa perguntava coisas do tipo: "você está bem?".

Jack me olhava pelo o retrovisor, as mãos ansiosas no volante e o pé forte no acelerador. O automóvel não demorou a sair de forma perigosamente rápida pela a estrada surpreendentemente vazia. Seus olhos pesarosos me mediam, não ligando para o que aconteceria se não olhasse para a rua à frente.

Eles me pediam desculpa.

Me imploravam para que os meus olhos, não olhassem os dele de forma diferente.

Suspirei, sentindo Mel limpar meu rosto com a manga de sua camisa clara. Virei-me, vendo o sangue sujá-la também. Também não notei que estava chorando, até a primeira gota salgada tocar meus lábios levemente abertos pela a dificuldade de respirar.

Melissa logo estava com sangue pelas mangas.

Eu pelo rosto e ombros.

Jackson pelas mãos e bochechas.

Sangue de Nancy e Edgar Hill.

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₀₁ 𝐂𝐇𝐀𝐎𝐒. ! ༉ 𝘁𝗵𝗲 𝘄𝗮𝗹𝗸𝗶𝗻𝗴 𝗱𝗲𝗮𝗱 ⎷Onde histórias criam vida. Descubra agora