Capítulo 4: Dupla

197 33 4
                                    


Pov: Billie Eilish

Sair da casa dos meus pais poderia ter sido melhor, se não fosse pela escola. A Highgate Academy é só mais uma extensão do inferno, um inferno polido, bem vista por todos lá fora  mas que por dentro é podre. Desde o primeiro dia, me sinto como um alvo ambulante. Nate e Vitória não são apenas populares, são cruéis, e eu, por algum motivo, me tornei o alvo favorito deles.

O que aconteceu no banheiro foi só a gota d'água. Eu tentei ignorar, tentei seguir em frente, mas como? Ficar ali, sozinha, encolhida naquele cubículo enquanto eles me humilhavam me fez lembrar de todas as vezes em que minha mãe gritava comigo, dizendo que eu nunca seria suficiente. Aquela sensação de impotência, de ser pequena, vulnerável, voltou com força total. E eu simplesmente não consigo encarar aquela escola de novo.

Fingi estar doente, me enrolei no cobertor e assisti séries sem prestar atenção. Quatro dias passaram, e eu sabia que não conseguiria mais manter a mentira. Finneas começou a insistir. Ele não entendia, claro. Nunca contei pra ele sobre Nate, Vitória ou sobre como me sinto naquele lugar. Como poderia? Ele já fez tanto por mim. Se mudou, me levou junto, me tirou daquela prisão chamada casa. Eu não quero ser um fardo.

Mas... toda vez que olho no espelho, só vejo fracasso. Eles conseguiram, sabe? Me destruíram. O pior é que nem precisaram de muito. Só bastava lembrar de tudo o que eu já sentia sobre mim mesma. Desde que nossos pais me forçavam a ser algo que eu nunca fui, como se usar salto e vestido resolvesse todos os meus problemas. Agora, aqui estou eu, longe deles, mas a dor ainda está aqui. Como se não importasse o lugar, eu sempre carregasse essa merda comigo.

Ontem, Finneas perguntou diretamente: "Billie, o que está acontecendo? Por que você não quer voltar?". Ele me olhou daquele jeito protetor, como se estivesse pronto para me salvar de qualquer coisa. Só que... dessa vez, não sei se ele pode. Como posso explicar pra ele que não é só a escola, são as pessoas, o ambiente, eu mesma? Me tornei a minha pior inimiga, e não sei como sair dessa.

No banheiro quando eles entraram, eu já sabia o que ia acontecer. Nate e Vitória nunca deixam as coisas passarem. Só que s/n apareceu. Ela não só enfrentou ele de novo, mas me defendeu, me tirou daquela situação. E eu... eu não consegui nem agradecê-la direito.

Agora, aqui estou eu, de volta à escola. Uma semana depois de me esconder. Não sei o que esperar, mas quando entrei na sala hoje, vi s/n me observando. Não sei o que ela pensa de mim. Talvez ela tenha se arrependido de ter me defendido. Talvez tenha percebido que não sou nada além de um peso. Mas, então, a professora de geografia deu aquela tarefa em dupla. Claro que eu estava sozinha. Ninguém jamais escolheria fazer um trabalho comigo, e eu preferia assim. Só que s/n...

Ela não hesitou. Me chamou para fazermos o trabalho juntas. Naquele momento, senti um nó na garganta. O que será que ela vê em mim? Por que ela quer fazer o trabalho comigo? Não sou boa em socializar, muito menos em interagir com alguém que, até agora, só me salvou do que parecia inevitável. Mas, mesmo assim, eu disse sim.

Ela veio até mim, puxou uma cadeira, sentou ao meu lado. Eu me senti... nervosa. Não sei como agir perto dela e ela é tão bonita e atraente que jamais seria amiga de uma pessoa esquisita como eu. Mas a presença dela ali, tão tranquila, me fez perceber que talvez, só talvez, eu não esteja tão sozinha quanto acho.

***

A sala de aula parece mais sufocante do que nunca, mesmo com a janela aberta. As vozes ao meu redor são um zumbido constante, e eu mal consigo focar no que o professor está dizendo. Estou tentando me manter invisível, como sempre. No entanto, a ideia de fazer o trabalho com s/n na minha casa amanhã já mexe comigo, e me deixa nervosa. Nem lembro a última vez que convidei alguém para ir lá... ou se já convidei alguém, na verdade. Acho que nunca.

Quando Finneas me deixou na frente da escola, senti o estômago revirar. É sempre assim. Mas hoje pareceu diferente, como se a ansiedade estivesse dobrada. Agora, estou aqui na sala, encarando o quadro sem prestar atenção de verdade. S/n já está sentada, mais perto de mim do que antes, o que me deixou ainda mais consciente da sua presença. Ela me acena com a cabeça, um gesto simples, mas que parece mais significativo do que deveria. Tento devolver o aceno, mas meus olhos rapidamente caem sobre o caderno.

O professor começa a falar sobre o novo trabalho em dupla ou trio, e eu quase me encolho na cadeira. Odeio essas atividades que me forçam a interagir. Antes que eu possa me desesperar com a ideia de ser a última sem parceiro, sinto o toque leve de uma mão no meu braço. S/n estica o braço na minha direção, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

— Quero fazer dupla com você — ela diz, sua voz calma e confiante.

Olho para ela, surpresa. Ela escolheu fazer trabalho comigo de novo. Ninguém nunca escolhe estar perto de mim, muito menos para fazer um trabalho. O nó na garganta aparece de novo, mas dessa vez eu tento ignorar, tentando não deixar transparecer o quanto aquilo me afeta de certa forma. Tento encontrar minha voz, que parece ter sumido no fundo do meu peito.

— Tá... tá bom — respondo baixo, tentando parecer indiferente, mas acho que falho miseravelmente.

S/n sorri um pouco, sem fazer alarde, como se fosse a coisa mais comum do mundo. E, naquele instante, me dou conta de que talvez as coisas possam ser diferentes. Talvez, pela primeira vez em muito tempo.

As horas se passaram rápido naquela noite, fizemos o trabalho mas ela não interagiu tanto comigo além de pedir meu endereço e meu contato, talvez ela estivesse tentando respeitar meu espaço, ou só tivesse concentrada na atividade.

Um Brilho Por Trás Do Bullying - Billie Eilish & S/NOnde histórias criam vida. Descubra agora