Vinte

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O dia transcorreu com uma atmosfera estranhamente leve entre Dulce e Anahí. Seus olhares se cruzavam com frequência, e os sorrisos trocados eram discretos, mas cheios de cumplicidade. Alfonso, atento, notou cada um desses momentos, suas feições se endurecendo a cada vez que via Anahí lançar um olhar carinhoso para Dulce.

Mais tarde, já durante a tarde, o clima leve foi interrompido de maneira brutal. Dulce estava no corredor, revisando alguns prontuários, quando seu celular vibrou com uma nova notificação. Era uma mensagem anônima. Ao abrir, ela sentiu o estômago revirar: eram fotos dela na cidade onde havia feito suas investigações sobre Alfonso. Em uma das imagens, ela estava em frente à casa de Marcela; em outra, próxima ao antigo hospital.

Nesse instante, Anahí se aproximou.

— Está tudo bem? — perguntou Anahí, com um toque de preocupação na voz ao notar o rosto pálido de Dulce.

— Eu... preciso ir. — Dulce respondeu, guardando o celular e saindo apressada.

Ela dirigiu direto para o apartamento de Paco, a cabeça fervilhando. Assim que ele abriu a porta, Dulce entrou, já lançando perguntas.

— Paco, você sabe algo sobre Alfonso? Preciso que me conte tudo.

Ele desviou o olhar, irritado, e respondeu com frieza:

— Já disse que não, Dulce. Nada que te interesse.

Mas Dulce o encarou, descrente.

— É mentira. Eu sei que você sabe de alguma coisa. — Seu tom se tornou acusador. — Você conhece Marcela Torres, não conhece?

Ao ouvir o nome de Marcela, Paco ficou pálido e sua expressão mudou drasticamente, de calma a um misto de raiva e desespero. Ele fechou a porta com força, e a tensão se fez espessa entre eles. Paco explodiu:

— O que você sabe sobre Marcela? — ele gritou, a voz tremendo, mas tentando se controlar.

— Tudo! — ela disparou. — Sei o que Alfonso fez, o que ela passou! Foi ele quem causou a paralisia nela, não foi?

Paco desabou em uma cadeira, a cabeça entre as mãos, e começou a chorar, algo que Dulce jamais esperaria ver. Com a voz rouca, ele começou a falar:

— Marcela é minha irmã. E sim, ele fez isso a ela. — Ele olhou para Dulce, os olhos escuros cheios de uma dor antiga. — Quando eu era estudante de medicina, Marcela foi internada com dores fortes, eu não tinha conhecimento suficiente para ajudá-la. Alfonso, ou Armando Carrillo... aquele miserável... disse que ela tinha algo grave... "hematúria crônica com necrose renal". — Ele cuspia as palavras com um desprezo mortal. — Alegou que o rim dela estava comprometido, que precisava de uma nefrectomia imediata, então arrancaram um dos órgãos dela! E depois... depois ele sumiu. Ela começou a ter complicações, e eu descobri, anos depois, que não tinha nada. Aquela doença? Nunca existiu.

Dulce ficou atônita, mal conseguindo processar o que Paco estava revelando. E ele continuou, sem poder parar agora que tinha começado:

— Alfonso tinha começado naquele hospital com "diagnósticos" como esse, aproveitando as vulnerabilidades dos pacientes para retirar órgãos saudáveis e vendê-los no mercado negro. Quando eu percebi, ele já havia partido, mas deixou um rastro de corpos. E de repente... ele se tornou um dos maiores investidores do ramo hospitalar. Quando soube que ele estava aqui, voltei com um único propósito: acabar com ele. Ele nunca pagou pelas vidas que destruiu... e pela paralisia de Marcela.

As palavras de Paco pesaram na sala como um punho cerrado. Dulce mal conseguia respirar enquanto cada pedaço do quebra-cabeça finalmente se encaixava.

— Como você acha que ele ficou rico de uma hora pra outra? Hein Dulce? — Paco continuou, a voz amarga. — Você nunca procurou saber sobre as mortes que aconteceram no hospital? Pessoas que pareciam estar melhorando e, de repente, uma parada cardíaca inexplicável, uma infecção que surgia do nada. Ele continua fazendo isso, Dulce. Ele continua, eu tenho certeza!

A mente de Dulce revirava com as lembranças das mortes recentes no hospital, das vidas interrompidas sem explicação aparente. Paco continuava, a voz carregada de ódio:

— E ele só conseguiu essa fortuna, esse poder, explorando vidas inocentes. E agora, eu estou muito perto dele, só preciso de um deslize pra colocar ele atrás das grades e vingar a morte de tanta gente inocente e da paralisia da minha irmão. E você Dulce, você tem ele na palma das mãos. Eu recebi você com segundas intenções sim, sabia de onde você estava vindo. Mas aos poucos fui gostando, você tem talento garota. E você pode me ajudar a desmascarar Alfonso.

Dulce o encarou, paralisada entre o medo e a raiva, o coração batendo descompassado. As revelações de Paco eram aterradoras, e ela sentia a profundidade do abismo em que estava prestes a se afundar.

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