Nos dias seguintes, Fátima entrou em casa naquela noite, após uma das suas aulas de piano, os passos hesitantes ecoando pelo silêncio do corredor. Quando abriu a porta do quarto, encontrou Robson dormindo pesadamente, virado de lado, o rosto parcialmente coberto pelo travesseiro. Aproximou-se da cama e sentou-se na beirada, observando-o com o peito apertado, o coração em um ritmo acelerado que ela mal conseguia controlar. Tentou buscar algum vestígio dos sentimentos que um dia tiveram, lembranças que pudessem justificar a permanência ao lado dele. Mas o que encontrou foi um vazio inquietante, como se todas as emoções que um dia existiram tivessem se dissipado com o passar dos anos e as constantes críticas.Ela se pegou pensando nas últimas conversas deles, que pareciam sempre terminar em um ciclo vicioso de desentendimentos e silêncios amargos. Robson insistia em suas reclamações, em apontar suas supostas falhas, e tudo aquilo começava a soar mais como desprezo do que preocupação. Mesmo assim, ele era seu marido, o homem ao qual havia dedicado anos de sua vida. Era o cômodo e previsível, ainda que tóxico. O que ela realmente temia, percebeu, era o desconhecido.
Seus pensamentos, então, divagaram para Diana, para a intensidade que sentia ao lado dela, para aquele olhar que compartilhavam, que parecia compreendê-la de uma forma que Robson nunca conseguiu. A lembrança aquecia seu coração, mas, ao mesmo tempo, trazia uma angústia insuportável. Sentia-se dividida entre um desejo de se libertar e um receio profundo do julgamento e das mudanças que viriam. Poderia realmente abandonar sua vida com Robson? Ou estava presa pela segurança do habitual?
Ela suspirou, exausta, e finalmente se deitou ao lado dele. Mas o sono, teimoso, não vinha.
***
Na manhã seguinte, enquanto tomavam café da manhã, Fátima percebeu o olhar crítico de Robson quando ela serviu uma xícara de café e um pão.
— Vai comer isso tudo? — ele perguntou, a voz fria e carregada de desprezo.
Ela piscou, incomodada com o tom dele.
— Isso tudo? Robson, é só um café e um pão — respondeu Fátima, tentando manter a calma.
— É, mas você sabe que carboidrato só atrapalha, né? Já não falei isso? Depois reclama que não entra nas roupas — rebateu ele, balançando a cabeça, como se estivesse lhe fazendo um favor ao apontar isso.
Fátima sentiu o rosto esquentar, os olhos ardendo com raiva que ela tentava controlar. Estava acostumada às pequenas humilhações, mas, naquele momento, a paciência parecia se esgotar. Ela abaixou a xícara de café e o encarou, a voz saindo em um tom firme.
— Robson, você poderia, pelo menos uma vez, parar de criticar tudo o que eu faço? — perguntou, sem esconder a irritação.
Ele levantou as sobrancelhas, surpreso com a resposta dela.
— Eu só estou tentando te ajudar, Fátima. Não precisa ficar sensível. Se não se importa com sua saúde, eu me importo.
— Me importo, sim, mas não é você quem decide o que eu devo comer ou como eu devo viver, Robson. Cansei de você me tratando como se eu fosse um projeto inacabado, alguém que você precisa consertar.
Ele deu uma risada seca, incrédulo.
— Engraçado, né? Quando eu tento te ajudar, você reclama. E quando eu fico quieto, também reclama. Acho que você é quem tem que decidir o que quer.
Ela fechou os olhos, tentando controlar o tremor nas mãos. Mais uma vez, ele conseguia transformar uma discussão legítima em um problema dela, e não dele. Suspirando, tomou um último gole de café, sem responder, e saiu da cozinha. Sentia uma urgência em deixar aquele ambiente, antes que dissesse algo do qual se arrependesse.
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Minha DOCE vizinha
FanfictionEm um momento onde a luta pela liberdade é constante, Diana e Fátima, vizinhas e casadas, se tornam aliadas em suas batalhas pessoais. Enquanto Diana vive sob o domínio de um marido possessivo, ciumento e luta para criar sua filha em um ambiente seg...