Ao passar dos dias, Fátima sabia que mais cedo ou mais tarde encontraria Diana, mas ainda não estava pronta. Desde o beijo, desde o momento tenso com Robson, sua cabeça era uma tempestade e ela fugia de Diana. Ela simplesmente não conseguia enfrentar Diana, não enquanto sua vida parecia se desmoronar, cheia de sentimentos não resolvidos.
Num desses dias de silêncio, Fátima saía da aula de piano, os dedos ainda formigando após tocar, quando avistou Diana ao longe. Ela estava com roupas de academia, ajustando os fones de ouvido. Fátima parou no meio do caminho, seus pés pesando como chumbo. Sentiu um frio no estômago, e o coração martelou no peito.
Por um segundo, os olhares delas se cruzaram. Diana parou de ajustar os fones e ficou imóvel, olhando diretamente para Fátima, como se estivesse esperando algum sinal. O silêncio entre as duas era perturbador, carregado de emoções não ditas. O ar pareceu mais denso, e Fátima soube que Diana queria falar algo.
Diana hesitou por um momento, depois deu um passo em sua direção, os olhos cheios de perguntas, de mágoa. — Fátima, por quê? — a voz de Diana soou suave, mas havia um tom de urgência. — O que está acontecendo? Eu não entendo... — as palavras vacilaram.
Fátima engoliu em seco, seu coração batendo acelerado. Não tinha resposta pronta, e cada palavra de Diana a deixava mais nervosa.
— Eu... eu não sei, Diana. Eu só... — Fátima gaguejou, evitando o olhar dela, enquanto mexia nas chaves na mão, como se buscasse algo para distraí-la.
Diana a observava com um olhar profundo, uma mistura de confusão e preocupação. — Não sabe? Desde aquele dia do beijo, você se afastou, e agora está me evitando como se eu tivesse feito algo errado. Fátima, por favor, fala comigo.
Fátima sentiu o pânico aumentar. Ela não sabia o que dizer, não sabia como explicar o caos que estava sentindo dentro de si. A presença de Diana tão perto a deixava mais nervosa, o calor daquele beijo ainda fresco em sua memória, a culpa por Robson, a confusão sobre o que realmente sentia... tudo a deixava à beira de um colapso.
— Eu... eu preciso ir — Fátima soltou, abruptamente.
— O quê? Ir pra onde? — Diana perguntou, surpresa pela reação repentina.
Sem olhar para trás, Fátima deu um passo rápido para frente, em direção à sua casa. Ela não conseguia enfrentar aquilo. Não agora. Suas pernas a levaram para longe, e antes que Diana pudesse dizer mais alguma coisa, Fátima já estava correndo.
— Fátima! — Diana chamou de novo, sua voz carregada de frustração e confusão, mas Fátima não parou.
Ela chegou à sua casa, ofegante, o coração acelerado não só pela corrida, mas pela intensidade das emoções. Trancou a porta e encostou-se nela, como se estivesse tentando bloquear o mundo lá fora.
Diana, por sua vez, ficou parada no mesmo lugar, olhando para a direção em que Fátima desapareceu. Seu peito apertado, sem entender o que exatamente tinha acontecido. Ela sentia que havia algo grande em jogo, algo que não podia mais ser ignorado, mas agora tudo parecia ainda mais distante.
Fátima se jogou no sofá, as mãos tremendo, sem conseguir controlar as lágrimas que começavam a descer pelo rosto. Ela sabia que não poderia fugir para sempre, mas, por enquanto, essa era a única resposta que conseguia dar.
Nessa mesma hora, ouviu passos pela casa e sentiu a presença de Robson atrás dela. Ele a observou por um instante, notando seu estado ofegante e as gotas de suor escorrendo pela testa.
— Olha só, finalmente você voltou a querer emagrecer! — disse Robson, com um sorriso sarcástico. — Achei que ia ficar naquele sofá pro resto da vida.
Fátima fechou os olhos por um segundo, tentando ignorar, mas seu corpo todo parecia se encolher de raiva. Quando abriu a boca para responder, Robson a interrompeu.
— Acho que essa sua afastada da Diana te fez bem. — Ele balançou a cabeça com um ar superior. — Ela tem um corpo bonito, né? Claro que não combina com o seu.
Fátima apertou os punhos, o peito cheio de emoções represadas.
— Robson, você não tem o direito de falar assim comigo — disse, a voz trêmula, mas firme. — Acha que pode continuar me diminuindo assim?
Ele deu um riso debochado, passando a mão no cabelo como se estivesse se divertindo.
— Diminuir? Estou só falando a verdade, Fátima. Se você se incomoda tanto, é porque sabe que eu estou certo.
Ela levantou-se do sofá, tentando se manter calma, mas cada palavra dele era uma faísca no pavio que já estava curto.
— Sabe o que cansa, Robson? É você achar que pode controlar cada coisa que eu faço, que eu sinto. Eu não sou uma extensão sua, e eu não sou obrigada a me moldar aos seus padrões!
Robson deu de ombros, desdenhoso.
— Tá, Fátima. Continua fingindo que isso é sobre "seu espaço". Mas lembra que eu só quero o melhor pra gente — ele disse, em um tom quase cínico. — A verdade é que você se acomodou, ficou... sei lá, desleixada.
Ela balançou a cabeça, exausta, os olhos brilhando de lágrimas que ela recusava deixar cair.
— Talvez eu só tenha me perdido, Robson. E você nunca ajudou, só jogou mais peso.
Ele cruzou os braços, lançando-lhe um olhar de desdém.
— Ah, claro. A culpa é sempre dos outros, né?
Fátima respirou fundo, tentando encontrar forças para lidar com a frieza de Robson.
— Sabe, Robson, talvez se você realmente se importasse comigo, perceberia que não é assim que se ajuda alguém. — A voz dela soava mais firme, embora os sentimentos estivessem à flor da pele. — Você sempre quer me controlar, mas nunca me escuta. Nunca se preocupa em saber o que eu quero, como eu me sinto.
Robson soltou uma risada seca.
— Ah, então agora eu sou o vilão? Tudo culpa minha? — Ele balançou a cabeça, como se estivesse irritado e, ao mesmo tempo, entediado. — Quem foi que sempre trabalhou por essa casa? Quem foi que aguentou suas reclamações?
Fátima sentiu um nó se formar em sua garganta, mas ela se recusou a deixar as lágrimas caírem.
— A questão não é o que você fez ou não fez, Robson. É a maneira como você me trata. Como se eu fosse só uma peça da sua vida que você pode mudar e moldar do jeito que quiser.
Ele riu, incrédulo, cruzando os braços.
— E o que você queria, então? Que eu simplesmente ficasse quieto enquanto você... — Ele fez um gesto vago com as mãos. — Enquanto você fica aí se lamentando? Sinceramente, Fátima, você está parecendo outra pessoa. Onde foi parar a mulher que eu conheci?
Fátima deu um passo para trás, surpresa com o impacto das palavras dele. Ela percebeu que não adiantava mais tentar argumentar.
— Sabe, Robson, talvez aquela mulher tenha sumido porque nunca teve espaço para existir de verdade. — A voz dela saiu suave, mas firme. — Talvez eu tenha passado tanto tempo tentando me encaixar na sua ideia de "esposa perfeita" que nem sei mais quem eu sou.
Robson a encarou, por um instante parecendo confuso, mas logo voltou a se armar.
— Tá bom, Fátima. Se você quer ficar nesse drama, fica à vontade. Mas eu já cansei de ouvir essa história. — Ele virou as costas, caminhando em direção à porta do quarto. — Talvez quando você resolver parar de se vitimizar, a gente possa conversar como adultos.
Ele saiu, batendo a porta atrás de si, deixando Fátima ali, sozinha, no silêncio pesado do quarto. Ela sentiu uma mistura de alívio e tristeza, percebendo que, talvez, aquela conversa tivesse sido a mais sincera que tiveram em anos.
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Minha DOCE vizinha
FanfictionEm um momento onde a luta pela liberdade é constante, Diana e Fátima, vizinhas e casadas, se tornam aliadas em suas batalhas pessoais. Enquanto Diana vive sob o domínio de um marido possessivo, ciumento e luta para criar sua filha em um ambiente seg...