I.
Há algo no ar.
Izuku, totalmente fora desse mundo, memória ou lembrança, sente. Ele sente um ar viciado, onde há um odor indeterminado que se espalha.
Tenko abraça seu cachorro favorito em busca de consolo e o encontra, ainda que só por um breve instante.
Izuku se distrai com algo que se espalha no ar. Algo clama por vingança e destruição para restabelecer a ordem. Algo clama por mudança. Algo clama por desespero. Ele percebe que é a magia que, há décadas e gerações, devora o reino de Shirakumo, extinguindo seus tempos de glória e sua era de ouro. Ele sente essa magia em sua pele — que não é pele, pois ele mesmo é um espírito que não existe naquele tempo, uma aparição, algo irreal que tenta alcançar Tenko Shimura, sem jamais tocá-lo.
A magia, agora amaldiçoada e exausta, corre.
É uma magia que tentaram controlar. Arrancaram-na de suas fontes primárias, separaram-na da natureza, das palavras, da linguagem das bruxas e da pele dos feiticeiros. Eles retiraram a vida daquela magia e deixaram apenas o poder. As palavras de Inko Midoriya ecoam no coração de Izuku. “Não existe magia boa ou má. A magia simplesmente é, e os humanos, às vezes, conseguem se comunicar com ela”. Alguns passam a vida tentando isso, sem sucesso. Outros, sem pedir, recebem o dom. Izuku entende, tarde demais, que Tenko Shimura foi, até aquela noite, alguém que a magia nunca tocou de forma tão direta.
Ele o observa abraçar o cachorro, buscar conforto. Apoiar-se nele. Izuku sente a tentação de estender a mão, de oferecer compreensão, de abraçá-lo, porque entende o que é ter um pai cruel e incompreensível. De segurar a mão de quem mais tarde será seu inimigo e oferecer qualquer consolo.
Mas ele não pode, porque não está ali.
Compreende, quando o fedor da magia começa a sufocá-lo, que Tenko Shimura não nasceu feiticeiro, nem amaldiçoado.
A magia encontrou, por puro acaso, sua tristeza, seu medo e seu ódio; fez deles seus próprios sentimentos e se enraizou neles. É um instante, apenas. Visto e não visto. Ela desliza entre seus dedos e Izuku pode quase enxergá-la — uma vantagem do estado de não-existência em que está —, corre por suas veias, instala-se em seu coração e o sufoca com todos os sentimentos dos quais se apropriou.
Visto e não visto. Num momento está, e no seguinte já não está mais.
Tenko Shimura agarra o cachorro com força, aquele animal compreensivo que oferece consolo na forma de uma pelagem macia e lambidas carinhosas sobre sua pele. Ele o segura com os cinco dedos. E então, a magia amaldiçoada — o toque do feiticeiro — cumpre seu papel. Tudo se torna sangue de repente, e o cheiro metálico preenche o ar. Tenko mal percebe o que acontece, só vê o sangue escorrendo das costas do cachorro, bem onde estava sua mão.
Ele não entende.
Izuku vê em seu rosto toda a incompreensão do medo e do horror. Tenko olha ao redor, procurando por algo.
E Izuku entende.
Ele pensa em um feiticeiro, alguém que pudesse ter feito aquilo, enquanto Tenko agarra mais forte o cachorro, que nem sequer chora, pois não há tempo. Tenko Shimura tenta, por alguns momentos, salvar um cadáver que ele mesmo matou, porque não compreende que suas próprias mãos são as assassinas.
Izuku abre os olhos.
— Tenko! — grita, mas nem mesmo o vento o escuta.
A tragédia se desenrola diante dele, sem que possa detê-la, porque é o passado, e Tomura Shigaraki apenas o arrancou de seu tempo para lhe mostrar aquilo.
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Olhos verdes, olhos vermelhos (BAKUDEKU-Tradução)
Roman d'amourIzuku é a peça mais importante de um tratado de paz entre os bárbaros do norte e seu vizinho do sul. Hisashi Midoriya salvou sua vida oferecendo seu filho em casamento. Katsuki Bakugo está desesperado para alcançar a paz. "O príncipe olha nos olhos...