Capítulo 55: Queria ser como você.

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Luca Hollis

Não era pra eu me sentir tão deprimido depois de como meus últimos dias foram bons demais. Juro que eu estava achando que estava melhorando na parte de controlar meus sentimentos. Hannah estava me ajudando muito nisso, porque era fácil demais ser genuíno com ela. Nos dois nos entendíamos. Ela me entendia.

Mas não estava esperando dar de cara um um palhaço hoje e me lembrar do que não deveria. Pensando dessa forma, isso soa tão bobo que fico constrangido pra caramba. É só um cara vestido de palhaço, mas simplesmente não consigo suportar a onda de tristeza e dor que esmaga meu coração com força. É rápido demais pra que eu possa me preparar.

Estava tudo indo tão bem. Hannah parecia tão feliz e eu estava feliz. Mas não consegui pensar em nada além de sair daquela praça quando o vi. Deveria ter falado com ela. Ter avisado. Mas minhas pernas já tinha se movido por conta própria e quando percebi, já estava longe demais. Já não via mais ele e muito menos ela.

Chutei a neve pelo caminho, tentando aliviar o nó na minha garganta, além do peso nos meus ombros. O chocolate quente nas minhas mãos já parecia uma pedra de gelo, completamente esquecido. O joguei na primeira lata de lixo que encontrei, assim que cheguei em outra praça, que estava praticamente vazia. As poucas árvores devoradas pro Natal, além de um lado iluminado no centro.

Passei a mão no rosto ao me sentar em um banco, antes de colocar meus cotovelos nos joelhos e deixar minha cabeça cair nas mãos. Contei cada respiração que tive, por uns bons minutos, até um pouco daquela sensação pesada e afiada ir embora, aliviando um pouco a tensão no meu coração.

Quando ergui a cabeça de novo, encarei aquele lago iluminado, com a água toda congelada. Minha respiração saiu pesada, como uma fumaça branca. Esfreguei as mãos na calça antes de enfia-las no bolso. Não estava me sentindo nem perto de melhor, mas agora conseguia pensar direito e deveria avisar Hannah. Deveria pedir desculpas e dizer onde eu estava.

Tinha a certeza de que Hannah podia imaginar o que aconteceu. Ela sabia do meu problema com palhaços, então óbvio que podia imaginar. Mas ela deveria estar preocupada comigo. E só isso era suficiente para fazer com que eu me sentisse mal de novo, porque eu não queria passar por isso e não queria fazer Hannah passar por isso.

Puxei meu celular, notando que já havia uma ligação perdida dela. Estava tão deprimido que nem mesmo senti o celular vibrar no meu bolso. Antes que eu conseguisse ligar pra ela, meu celular tocou de novo e me surpreendi ao ver o nome de Jasmine na tela, como se de alguma forma ela pudesse sentir que eu estava precisando falar com ela.

Luca — Jas?

Jas — Ei, espero não estar atrapalhando nada. Queria ligar ontem, mas foi meio caótico por aqui e só consegui um tempinho agora. Como estão as coisas por aí? O Wyatt e a Taylor estão bem? Vou ligar pra eles depois de falar com você.

Luca — Ah, eles estão bem sim. Acho que melhores do que nunca. Pareciam super felizes ontem.

Jas — E você não está feliz também?

Luca — Estou sim. Tudo perfeito. Como estão as coisas por aí?

Jas — Ei, eu conheço você. Sei quando algo está errado. Pode conversar comigo se quiser.

Luca — Não quero estragar o clima de Natal com meus problemas. Isso é totalmente anticlimático.

Jas — Luca, é sério, conversa comigo. Está tudo bem. Você não precisa se sentir obrigado a ser feliz no Natal.

Luca — Eu estou feliz. Esse nem é o problema. Ou eu estava, não sei. É só que...

Soltei um suspiro pesado, sem saber por onde começar a falar. As palavras pareciam grudadas na minha língua, mesmo que eu soubesse que Jasmine iria me entender. Quando consegui clarear as ideias, contei a ela tudo. Desde o começo. Como eu e Hannah nos aproximamos e nos tornamos essa coisa perfeita até poucos minutos atrás, quando tudo desabou na minha cabeça em um segundo.

Jas — Estou feliz por você ter conhecido alguém. Nossa, nossos pais vão ficar tão felizes por você estar namorando. Ainda mais a irmã da Hazel. E, Luca, sinto muito pelo palhaço. Sei que você acha que isso é besteira, mas não é. Eu entendo como você se sente.

Luca — Parece bobo. É só um cara vestido de palhaço.

Jas — As vezes as coisas mais simples desencadeiam os piores traumas. E isso não faz de você mais ou menos forte. Isso faz de você humano.

Luca — Você deveria escrever um livro de autoajuda.

Como eu imaginava, Jasmine soltou uma risada do outro lado da linha. Eu podia muito bem imaginar a expressão do rosto dela agora. Balançando a cabeça negativamente enquanto a preocupação tomava conta do rosto, mesmo que eu a tivesse feito rir.

Jas — Você sabe que eu estou certa. Você tem o direito de se sentir mal se quiser, Luca. Algumas pessoas acham que o luto e até mesmo os traumas são algo que se supera com o tempo. Mas na verdade, a gente nunca supera absolutamente nada, a gente só aprende a lidar com eles da melhor forma possível. Algumas pessoas só são melhores do que outras com isso.

Luca — Queria ser como você. Você aprendeu a lidar com o seu.

Jas — Não, eu não aprendi, Luca. Eu vou naquele hospital todos os dias, ver aquelas crianças. Em parte porque não quero que elas se sintam tristes como eu me senti quando estava lá. Mas eu também vou lá porque não sei quem eu sou sem aquele lugar. Alguma parte de mim ainda está presa naquela ala e acho que eu nunca vou ser capaz de recuperar.

Fiquei em silêncio, absorvendo as palavras que Jasmine tinha dito. Ela nunca tinha mencionado aquilo, sobre uma parte dela estar lá ainda. Não me sinto nem um pouco ligado aquele hospital. Acho que quando fui embora, levei qualquer coisa que pudesse me deixar preso a ele, porque não queria voltar nunca mais.

Jas — Por que não liga pra Hannah e pede pra ela ir te encontrar aí? Aposto que ela vai correndo. As vezes é bom tem alguém pra te abraçar nesses momentos.

Luca — Você tem razão. Obrigado, Jas.

Ela deslizou logo depois de se despedir, quando escutei o choro de um bebê no fundo. Aquilo me fez abrir um sorriso fraco, porque estava me sentindo bem mais leve do que esperava. Abri os contatos pra ligar pra Hannah, porque estava precisando mesmo dela. Não precisava nem mesmo ser um abraço. Sabia que só de olhar pra ela, eu já me sentiria melhor.

Ergui a cabeça quando escutei um barulho, soltando o ar com força quando vi Hannah parada do outro lado do lago, olhando na minha direção. Fiquei de pé no mesmo instante, sentindo o calor se espalhar pelo meu peito quando ela abriu um sorriso. Aquilo me fez andar super rápido ao redor do lago, precisando muito alcançá-la. E quando fiz isso, Hannah já estava me esperando para me dar um abraço super apertado.



Continua...

A última jogada do coração/ Vol. 3Onde histórias criam vida. Descubra agora