Capítulo 21: Acidente de carro.

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Luca Hollis

Querido Luca,
Vou te confessar uma coisa também, eu estava jurando que esse Natal não seria nenhum pouco bom. E isso é uma ironia muito grande, sabia? Porque eu amo o Natal, assim como o restante da minha família. É nossa época favorita. Mas pensar em ficar segurando vela pra todo mundo ou cuidado das crianças se tornava muito deprimente pra mim, porque eu sentia que esse Natal ia ser diferente.
Quero dizer que foi mesmo diferente, mas não do jeito ruim que eu estava esperando. Estou conseguindo me divertir com os jogos e me sentir ansiosa pro Natal. Estava tão preocupada de meus irmãos não terem tempo pra mim, mas é uma bobagem tão grande, porque eles tem sim. E você está aqui, Luca. Estou feliz que você tenha vindo e tenha ficado nessa mesma casa comigo. Acho que você pensar que alguém aqui poderia não gostar de você é uma bobagem enorme. É impossível não gostar de você.

Ps: desculpa por hoje a tarde se eu falei sobre algo pessoal que te incomodou. Não foi minha intenção te deixar desconfortável.

Da sua amiga, Hannah.

Reli a carta de Hannah mais uma vez, antes de enfia-la no bolso e olhar pra porta do quarto dela, esperando por uma resposta. Estava sentado no chão do corredor, com as costas escoradas na parede. Só esperava que Zack ou Bia não resolvessem sair do quarto, porque eu não queria que eles me pegassem ali. Ia ser super estranho e eu não teria como explicar.

O mesmo papel que eu tinha passado por baixo da porta escorregou pelo chão até parar no meu pé, junto com a caneta que veio rolando. Abri um sorriso ao ver a letra de Hannah nele, me trazendo uma sensação de paz absoluta. Estava mesmo torcendo pra que ela ainda não tivesse ido dormir. Tinha sido um idiota mais cedo ao deixá-la sem um resposta.

"Sim. Sem sono por aqui. Petúnia está me fazendo companhia. E você?"

"Sem sono por aqui também. Tem um tempinho pra conversar?"

"Claro. Está tudo bem?"

"Sim, mas eu queria te pedir desculpas por hoje mais cedo. Você não falou nada que me deixou incomodado. Sinto muito se foi isso que pareceu e se a minha reação foi ruim."

Passei o papel por baixo da porta, antes de olhar pro outro lado do corredor e ver a porta de Charlote meio aberta. Ela estava me encarando com as sobrancelhas erguidas, e quando eu abri um sorrisinho inocente, ela riu e negou com a cabeça, fechando a porta logo em seguida. Cara, eu adorava ela.

"Desculpas aceitas. Me conte alguma coisa sobre você."

Encarei o papel por mais tempo do que deveria, pensando muito bem no que contar a Hannah. Havia milhares de coisas sobre mim que eu desejava dividir com ela. Alguns sonhos que eu tinha. Coisas que haviam acontecido na minha vida que eu tinha a sensação que ela gostaria de saber. Mas nenhuma dessas coisas parecia ter importância no momento. Então resolvi contar uma verdade que eu odiava sobre mim.

"Eu lembro da minha família antes dos Hollis. Lembro da casa em que a gente morava. Dos amigos que eu tinha na escola. Lembro de como os dois me amavam. Lembro do exato sorriso do meu pai, porque é igualzinho ao meu. Minha mãe costumava fazer tranças no cabelo e meu pai sempre trazia flores pra que ela colocasse na orelha. Eles se amavam e eles pretendiam ter mais filhos. E é doloroso demais ter cada uma dessas lembranças."

"Luca, eu sinto muito. Sinto muito de verdade por tudo isso. Não consigo imaginar como você se sinta em relação a isso. Sei que você já deve ter ouvido isso várias vezes, mas você tem tanta sorte com os Hollis e acho que em algum momento a dor vai diminuindo. Ou pelo menos a gente espera que ela diminuía."

"Sim, eu tive uma sorte absurda de ser adotado pelos Hollis. Eu os amo tanto que você nem faz ideia. Acho que a dor já diminuiu um pouco, mas não consigo espantar a sensação amarga no meu peito, quando penso em tudo que eu perdi quando os dois morreram. As vezes acho que esse sentimento é super injusto, porque meus pais adotivos me amam, mas não consigo afastar a sensação."

"Não conheço seus pais, Luca, mas tenho certeza que eles jamais se incomodariam com isso. Um fato que nunca vai mudar, você teve duas famílias incríveis e infelizmente uma delas foi tirada de você cedo demais. Você se lembra deles e sempre vai sentir saudade, não importa quanto os Hollis o amem. Isso faz de você humano, porque você sente falta deles, mas ainda ama seus novos pais e sabe o valor que eles tem."

Passei a mão no rosto, guardando aquele papel no bolso junto com a outra carta antes de pegar um novo, já que aquele não tinha mais espaço. Hesitei antes de começar a escrever, porque estava me sentindo tão vulnerável naquele momento, contando aquela parte da minha vida pra Hannah. Mas eu queria que ela soubesse. Eu queria que ela me conhecesse de verdade.

"Eu nunca disse nenhuma dessas coisas a eles. Apenas Jasmine sabe como eu me sinto em relação a toda essa história. Acho que você não sabe, mas foi um acidente de carro e eu estava com eles. Estava super tarde e chovendo. O cara que bateu na gente estava vestido de palhaço. Tinha saído de uma festa de aniversário e acabou dormindo no volante. Eu fiquei em um hospital depois disso. Todas as vezes que um palhaço apareceria lá pra ver as crianças eu me escondia, porque achava que ele tinha ido até lá terminar o serviço. Quando você me perguntou, não consegui dizer nada, porque minha mente travou na lembrança do acidente. E eu nunca sei o que fazer quando isso acontece."

Passei o papel por baixo da porta, escondendo meu rosto entre as mãos quando tentei não pensar na reação de Hannah lendo aquilo. Era a primeira pessoa fora da minha família que eu conseguia dividir aquela parte da minha vida. E eu não me sentia pressionado a fazer isso. Eu queria que ela soubesse, porque gostava tanto de Hannah e sentia que podia confiar nela.

A resposta demorou a vir, o que me deixou tão apreensivo que pensei que talvez tivesse ido rápido demais. Dado muitas informações sem deixar que Hannah absorvesse direito todas elas. Passei as mãos nos cabelos, puxando-os para trás quando me virei para a porta, escutando meu coração batendo na minha cabeça.

Levei um susto quando escutei o som do trinco da porta, antes de ela se abrir muito lentamente. A luz do quarto estava apagada, além da lanterna do celular acesa no chão. Mas vi o rosto de Hannah. A expressão triste quando me observou ficar de pé. A tensão esmagou meus ossos junto com a ansiedade de saber o que ela ia falar. Mas Hannah não disse nada. Ela se aproximou e me abraçou.


Continua...

A última jogada do coração/ Vol. 3Onde histórias criam vida. Descubra agora