Decidi não tocar no assunto com meu pai. Preferi guardar aquela imagem bizarra bem no fundo do meu subconsciente, o que significava que eu teria alguns pesadelos mais tarde. Demorei a dormir tanto pelo medo quanto por ansiedade pelo meu primeiro dia na escola nova.
Já deveria ser por volta das quatro da manhã quando peguei no sono, vencida pelo cansaço. Eu tentava lutar contra as minhas pálpebras, em um jogo infantil de ir no primeiro dia de aula sem pegar no sono. Já estava velha demais para isso, pensei em uma tentativa de justificar minha desistência.
Mas logo que a escuridão me atingiu, aquela campina morta me atingiu em cheio. O mesmo frio rodeava aquela parte obscura do bairro. Olhei para as janelas quebradas das outras casas escuras que mais pareciam abandonadas, algumas com placas de "vende-se" em frente. Essas, com certeza, não eram habitadas devido a grama que havia crescido deformada e mal cuidada.
Quando voltei meu olhar para as quatro cruzes, o vento cessou. Onde eu deveria encontrá-las, agora estendia uma casa gloriosa, duas crianças brincavam em frente, felizes, enquanto os pais estavam abraçados. O sorriso no rosto dos adultos era orgulhoso por terem formado uma família bonita e, aparentemente, estabilizada. Eu também carregava um sorriso nos lábios recheado de compaixão.
Entre uma piscada e outra, os quatro corpos apareceram estirados do chão, descobertos, manchas de sangue pintavam seus corpos. Todos na mesma posição: as mãos juntas em forma de concha na boca do estômago e os tornozelos cruzados. As peles brancas como cera deixavam claro que o sangue não circulava por ali há um bom tempo.
A casa desapareceu, as cruzes voltaram em frente ao seu respectivo corpo e, como em um passe de mágica, a terra engoliu os quatro corpos. Se eu tivesse piscado um segundo sequer, perderia aquela cena de tão rápida que havia sido.
Em um pulo eu estava sentada na cama, a testa molhada, o pijama molhado, o suor escorrendo pela nuca e pescoço. Desisti de dormir ao olhar o relógio que marcava seis horas e doze minutos. Me levantei às pressas, tirando as roupas a caminho do banheiro e fechando a porta deste.
Me olhando no espelho, vi as marcas que a maquiagem poderia esconder bem embaixo dos meus olhos. Peguei minha escova e pasta de dentes e notei o quão trêmula me encontrava. Um banho gelado curaria aquilo. Assim que terminei minha higiene, me enfiei de cabeça embaixo da água fria. Todos os meus poros estavam arrepiados e eu sentia o ar me faltar, mas sabia o quanto aquilo era necessário.
Após uma breve secagem no cabelo - apenas para não causar a impressão de preguiçosa no primeiro dia -, coloquei o uniforme escandaloso, fazendo de tudo para a saia cobrir o bastante para que eu não me sentisse tão constrangida. Coloquei a mochila no ombro direito, depois de uma breve checagem para ver se tudo estava ali. Praticamente corri para a mesa do café da manhã, onde meu pai na se encontrava na cabeceira desta de costas para a grande janela de vidro que dava para a piscina límpida. A fartura era algo que meu pai prezava, eu havia notado no jantar e agora no café da manhã.
- Bom dia. - Saudei com um sorriso meigo, me sentando na sua diagonal direita, dando as costas para a parede.
- Bom dia. Como foi sua primeira noite? - Perguntou curioso, bebericando seu café.
Parecia temeroso, mas não sabia dizer se era por medo do café estar quente demais ao ponto de queimar seus lábios e língua ou se era pelo fato de eu não ter gostado da casa, do bairro, da cidade. Mesmo se eu não tivesse gostado, que escolha eu tinha?
- Ótima. - Menti, abrindo um sorriso imenso.
Mordi a torrada com geleia e tomei um gole do leite puro que havia colocado para beber.
- Quer que eu te leve pro colégio? - Questionou.
Balancei a cabeça em negação, de imediato, me forçando a engolir pedaços grandes da torrada para conseguir responder a tempo.
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O Garoto de Laboratório
Mystery / ThrillerMegan Green se muda para a casa de seu pai assim que sua mãe vem a falecer. Na nova cidade misteriosa, ela vai descobrir um pouco mais sobre sua história e segredos serão desvendados. Um psicopata passa a persegui-la e ela tenta descobrir o porquê e...