Viginti Trium

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Quando alguém que você conhece falece, parece que se perde o chão por alguns minutos, como se flutuasse no vácuo. Com Kiam não foi diferente. Apesar de todo o nosso contexto histórico, eu desatei a chorar, me esquecendo completamente de quais eram os assuntos tão importantes que eu tinha para falar com meu pai. Naquele momento a dor da perda abafava tudo.

Como eu viajaria para a minha antiga cidade a tempo de me despedir? Era tarde demais, eu jamais chegaria. Ainda em meio às lágrimas, ouvi o relato de meu pai sobre o suicídio de Kiam. Uma corda feito do lençol foi o que tirou a vida de meu amigo. Uma carta foi a última coisa que ele deixou.

- Ele agradecia por sua ajuda, mas não conseguia sobreviver sendo culpado por algo que ele não fez. A consciência dele estava perturbando-o e matando aos poucos. O garoto precisava de uma clínica psiquiátrica e não de um presídio de segurança máxima. - Meu pai finalizou, ainda comigo em seus braços.

Os soluços não cessavam. Eu não conseguia acreditar que ele havia feito isso. Me senti culpada, pensando o que poderia ter feito para ajudá-lo. Eu não fui o suficiente e o pior é pensar que desfazia de seus apelos. O meu peito se apertou, a dor saindo em um grito.




Na última semana eu sobrevivi, mas não vivi.

Lógico que meus amigos perceberam meu humor alterado, meu silêncio, meu rosto inchado. Eu não precisei dizer muito mais do que o necessário sobre a morte de Kiam. Eles tentavam a todo momento me distrair e, apesar das tentativas bem sucedidas, a escuridão da noite me engolia, trazendo à tona a dor, a culpa e a saudade.

Quem havia sobrado da minha vida antiga? Ninguém. Eram só lembranças tão longínquas que eu duvidava terem realmente acontecido. Há pouco nós estávamos rindo aqui na minha casa e agora estavam todos mortos.

A nova vida vinha como alicerce para me reerguer. O que seria de mim sem meus novos amigos? Os antigos jamais seriam substituídos, mas não poderia negar que os novos me faziam seguir em frente. Mais do que tudo eu sabia que Kiam, Olivia, Owen e mamãe queriam que eu seguisse em frente, que eu fosse feliz e não que chorasse por suas mortes. Os meus erros estavam perdoados assim como os deles.

Por isso eu resolvi voltar à vida normal, me concentrar novamente na minha pequena investigação e falar com meu pai, mas ultimamente nossos horários não batiam. Por algum motivo, ele ficava muito na empresa agora. Eu teria tempo o suficiente para desenvolver essa conversa com ele e, antes de tudo, eu tinha que escolher bem como tocaria no assunto com ele.

Logan não falou comigo desde o nosso incidente. Já Paolo desfilava comigo pela escola com o braço sempre envolvendo meus ombros ou minha cintura. Não trocamos mais beijos, nem dentro e nem fora da escola. Lydia parecia animada com tudo isso, torcia para que nossa relação ficasse mais séria, mas eu não sabia o que sentia por Paolo e nem à quantas andava o meu sentimento por Logan.

Assim que pisei os pés dentro do colégio, uma voz reverberou pelas caixas de com que ficavam espalhadas por todo canto.

"Queridos alunos,

Devo-lhes informar que a secretaria de ensino tornou obrigatória as aulas de educação física uma vez por semana. Devido ao sedentarismo exacerbado, aconselho que acompanhem a palestra que será feita esta tarde. Amanhã vocês receberão seus novos horários..."

E eu não quis mais ouvir. Revirei os olhos e rosnei. Entrei no teatro para me livrar de exercícios físicos repetitivos e agora tinha que lidar com mais isso.

- Bom dia pra você também, mau humor. - Lydia passou por mim, rindo como se alguém tivesse contado à ela a piada do ano.


O Garoto de LaboratórioOnde histórias criam vida. Descubra agora