Quattuordecim

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Paolo me ligou pela manhã fazendo um convite para que fosse tomar um sorvete com ele. Disse que ia buscá-lo, mas ele negou prontamente dizendo que a carona era dele dessa vez. Não questionei e só lembrei que ele não dirigia quando desliguei o aparelho. Iríamos andar de transporte público ou a pé como ele fazia? Coloquei uma roupa leve para me preparar para o que quer que fosse.

Desci as escadas e fui tomar uma água antes de sair, surpresa por não encontrar Phoebe. Passando pela sala, vi que ela estava sentada com meu pai no sofá e franzi o cenho para a cena. Enquanto ele parecia relaxado olhando para a televisão, ela estava desconcertada na ponta do sofá, as mãos apertando os joelhos e as costas eretas. Nenhum dos dois notou minha presença e eu saí para esperar por Paolo.

Parei a meio caminho da calçada ao ver que uma caminhonete estava estacionada em frente à minha casa bem atrás do meu carro. Apertei os olhos para tentar enxergar quem estava dentro desta já pronto pra sair e me surpreendi ao ver Paolo. Pensei que ele não dirigisse e que muito menos tivesse um carro.

Ele notou que eu me aproximava assim que saiu do carro e nós pudemos nos abraçar em frente ao carro. Não foi calculado, não foi planejado, apenas aconteceu. Seus braços envolviam minha cintura enquanto os meus se ocupavam de envolver seu pescoço. Estava na ponta dos pés para que o alcançasse e, assim que nos soltamos, estávamos sorrindo abertamente.

E então eu me lembrei da quantidade de interrogações de alguns minutos atrás.

- Pensei que não dirigisse. - Eu me afastei brevemente, colocando as mãos nos bolsos do short.

Paolo repetiu meu gesto e deu de ombros.

- Achei que estava mais do que na hora de comprar um carro, afinal uma carteira de motorista não pode ficar encalhada pra sempre. - Ele riu baixo.

Balancei a cabeça em negação.

- Cansou de ficar suado? - Mordi o lábio para conter o sorriso.

Seus lábios se entreabriram em descrença e ele espalmou uma mão no peito.

- Desculpa, mas você alguma vez me viu cheirar mal? - Pensei por um segundo e ele tinha razão, ele sempre estava impecável. - Pois então entre no carro antes que...

- Que o que? - Ameacei, colocando as mãos na cintura e empinando o nariz.

- Ainda bem que estamos em frente à sua casa e seu pai tá nos espionando pela cortina da janela, senão...

- Cão que ladra não morde. - Pisquei na direção dele e fui até a caminhonete, entrando no passageiro.




Estávamos sentados atrás de sua picape enquanto tomávamos o sorvete em silêncio. O céu estava claro, sem nuvens e a luz do sol não incomodava. Olhei para Paolo e notei que parecia empenhado na tarefa de buscar pelo chocolate do seu copo de plástico.

- Você não acha que eles passam chocolate nos cantos para ver a nossa humilhação? A gente passa uma parte preciosa da vida só para tentar pegar o máximo desse chocolate e não consegue lamber porque seria ultrapassar os limites da humilhação. - Ele falava sério e eu ri da sua reflexão. - O que? - Seu olhar encontrou o meu e ele também riu.

- Eu duvido você tentar lamber o chocolate.

- Você me acompanha nessa humilhação?

- Mas é claro!

E então nós começamos a lamber todo o chocolate em volta do plástico que o protegia e, quanto mais fazíamos, mais nos sujávamos. Ao fim daquela brincadeira tínhamos chocolate e sorvete do nariz ao queixo. Rimos um da cara do outro sabendo que éramos como um espelho naquele momento.

O Garoto de LaboratórioOnde histórias criam vida. Descubra agora