Novendecim

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Todas as informações recebidas em tão pouco tempo e em grande quantidade me fizeram mergulhar em  torpor completo. Era só eu e meus pensamentos naquele momento. Meus olhos fitavam a noite escura lá fora enquanto as lágrimas ainda corriam por meu rosto uma atrás da outra sem parar por tanto tempo que eu poderia considerar uma leve desidratação.

Abraçada aos meus joelhos e ajeitada nas almofadas, retornei aos meus pensamentos. Por mais que eu quisesse fugir deles, sabia que evitar seria perda de tempo e que quanto mais eu pensasse sobre aquilo, mais cedo eu esqueceria. Eu sabia que aquilo não aconteceria. Notícias como aquelas jamais poderiam ser apagadas da memória de ninguém.

Eu não lembro muito bem como eu havia chego em casa, as ruas pareciam borrões pelos vidros do carro. Quando me sentei no sofá de casa com meu pai ao meu lado e minhas mãos ficaram entre as suas, eu sabia que algo muito ruim estava por vir. As palavras dele se embaralhavam na minha cabeça e eu não sabia qual era a sequência dos acontecimentos.

Kiam fora preso pela morte de Owen e Olivia. Ele nunca poderia me dizer do que se tratava aquela sequência de números que eu havia pedido à ele para investigar. Mas aquilo era relevante? Os corpos de Owen e Olivia haviam sido encontrados em decomposição. Uma ligação anônima levou a polícia aos seus corpos muito bem enterrados não muito longe da residência do meu amigo. Um cheiro forte passou a ser sentido na vizinhança. Os corpos foram reconhecidos e muita dor tomou conta da cidade, que ficou comovida com a notícia e o suposto encerramento do caso.

Mas aquela não era a pior parte, o que mais havia me deixado abalada era o fato deles terem sido encontrados sem um órgão em específico: o coração. Kiam jamais seria capaz de fazer algo assim. E quem havia feito, o que havia feito com o coração das duas vítimas? Jamais saberíamos.

Meus amigos foram enterrados e eu não poderia me despedir. As pessoas que fizeram parte da minha vida toda e que se foram de maneira brutal. O assassino também era parte da minha vida desde que eu me entendia por gente. Aquilo faria sentido algum dia? Eu passei a duvidar de Kiam quando meu pai disse que uma carta de despedida do casal foi encontrada e a letra combinava com a do meu amigo assassino.

- Meg? - Meu pai chamou e eu não me movi um centímetro. – Você tem que reagir... Por favor. Já fazem três dias, eu vou ter que te levar ao hospital desse jeito. - Como um pai preocupado, ele tocou minha testa para medir minha temperatura.

Eu havia perdido a noção de tempo. Não sentia fome, não sentia necessidade de me mexer mais do que alguns passos. Meu pai insistia para que eu comesse algo e eu me limitava a tomar água quando minha boca secava demais. Três dias imersa no meu próprio mundo, sem notícias de ninguém. Eu deveria mesmo viver depois do que acontecera com os meus amigos? Seria certo prosseguir depois de tudo?

- Você tem visitas. - Eu virei meu rosto o mínimo para ver que seu rosto pintado com olheiras me fitava. - Mas antes, por que não me contou que desmaiou na escola?

Franzi o cenho. Como ele sabia daquilo? Balancei a cabeça em negação e desviei o olhar para o céu novamente. Limpei a garganta para me certificar de que minha voz sairia alta e clara.

- Não foi nada demais. Não se preocupe. - Apesar dos esforços, saiu mais como um murmúrio. Não queria conversar sobre distúrbios alimentares nem agora e nem depois.

Eu não soube ao certo quando meu pai saiu já que não havia respondido a minha afirmativa. Estava claro que eu não queria conversar e ele não iria insistir. Não era por qualquer motivo que eu estava naquele estado e meu pai compreendia. De algum modo, eu queria que ele fosse um estorvo e me obrigasse a sair daquele estado deplorável no qual eu me encontrava. Infelizmente ele não era a minha mãe.

O Garoto de LaboratórioOnde histórias criam vida. Descubra agora