Capítulo Catorze

132 7 0
                                    

Acordo com o som do meu celular tremendo no criado-mudo. Procuro por ele com meus olhos meio fechados e, quando consigo pegá-lo, ele para. Doze chamadas perdidas e diversas mensagens de texto, todas de Kathleen. Repasso os smss rapidamente.

kd vc?
droga anna atende o tel
jin estourou um dos testículos e vou levar ele ao médico.
espero q esteja feliz
fala oi pro seu namorado novo

Suspiro. Quero responder às
mensagens dela e informar que estou bem, que Earl Grey não é
meu namorado (porque ele "não é do tipo que tem namoradas") e que estou fazendo uma oração pelos
testículos de Jin. Mas não posso
mandar a mensagem, não
agora... Tudo que ela vai fazer é
me botar para baixo, e a última
coisa de que preciso é da realidade se intrometendo na minha fantasia sexual.

São dez da manhã, e Earl Grey
já saiu da cama faz tempo. Ele não me abandonou completamente, pois ainda estou usando sua camisa da última noite: é como se eu tivesse tirado a pele dele e vestido sua carne. É, tipo, só um milhão de vezes menos esquisito. Balanço minhas pernas para fora da cama e me levanto. A luz do sol inunda o apartamento. Vou para a cozinha e encontro um bilhete dobrado sobre um iPad. Abro o bilhete.

Anna,
Um dia excelente para você! Quando estiver pronta para o café, fale com meu mordomo e ele prepara algo para você. O nome dele é Data. É bem treinado nas artes culinárias, então, por favor, aproveite.
O iPad é seu. Preciso de um jeito
de manter contato enquanto estou no trabalho, odeio mensagens de texto. Me sinto uma garotinha de treze anos.
Então, como você me disse que
nunca teve um computador, nem um e-mail, pensei que você gostaria de ter um tablet
(embora eu precise confessar que não entendo como você conseguiu passar por quatro anos de faculdade sem internet). Apenas ligue (aperte o botão!) e toque no aplicativo "Mail". Configurei sua própria conta do Hotmail. Chegarei em casa do trabalho mais tarde hoje; você pode ficar no apartamento o dia todo e assistir a filmes, jogar jogos de tabuleiro etc. Levo você de volta para Portland de jatinho à noite.
E. G.
P.S.: Você é incrível na cama. Eu
adorei botar meu coiso na sua
coisa. ;)

Ai, meu Deus. Meu próprio iPad. E, como se não fosse o suficiente, ele me deu uma conta própria de Hotmail! Eu não perdi apenas a virgindade nas últimas vinte e quatro horas, eu agora também
tenho um e-mail. Quero ligar o iPad e fazer um test drive, mas
minha fome é mais urgente. - Procurando por mim, Srta. Steal? - diz um homem atrás de mim, numa voz monocórdia. Viro-me de supetão e estou cara a cara com um homem pálido, vestindo uma roupa de paraquedista verde e preta de elastano. Tento me afastar dessa pessoa estranha, mas fico presa entre ele e o balcão da cozinha. Se eu puder alcançar o iPad a tempo, posso mandar um e-mail para Grey e pedir para ele chamar a polícia...

- Não se assuste - fala o homem, como um robô. - Meu
nome é Data. Sou o mordomo do Sr. Grey.

Ah. Meu coração para de bater
freneticamente. Bem, ele continua a bater, só não tão frenético quanto antes. Estou me acalmando.

- Por que você está usando
essas roupas? - eu pergunto.

- É meu uniforme da Frota Estelar, Srta. Steal - ele diz.

- Frota Estelar? Isso é tipo a
NASA?

- Sua comparação não parece
adequada - ele diz. Deve ter registrado meu olhar confuso, pois acrescenta: - Com certeza a
senhorita conhece Jornada nas
Estrelas, não?

Nego com a cabeça.

- Não sou muito de ficção científica.

Ele suspira e relaxa o corpo


inteiro.

- Graças a Deus - ele diz, sua


voz agora soando mais como a de uma pessoa normal. - Pode me


chamar de Brent.

- Desculpe - eu digo. - Ainda


não estou entendendo...

- Sou ator, Srta. Steal. Ou era


- ele fala, com tristeza. - Interpretei um androide chamado "Data" em Jornada nas Estrelas: A Próxima Geração por muitos anos. Depois disso, os diretores não fizeram fila para contratar alguém cujo papel mais famoso é representar basicamente um robô. O Sr. Grey me encontrou trabalhando numa concessionária da Saturn, em Beverly Hills, e perguntou se eu trabalharia para ele, como seu "mordomo robô". Aparentemente, ele queria um androide real, mas eu era o mais
próximo disso que ele conseguiria obter.

Eu balanço a cabeça.

- Que trágico. Não consigo imaginar você trabalhando como vendedor de carros. Especialmente em uma que vende Saturns.

- Ah, o dinheiro não era de todo mau, Srta. Steal - Brent comenta. - Mas eu estava cansado de dizer: "O modelo não é apenas totalmente funcional, mas vem totalmente abastecido". Mesmo tendo que vestir este uniforme verde-oliva e pintar meu cabelo de preto, trabalhar para o Sr. Grey paga muito, muito melhor. Acho que você sabe disso.

Espera aí, o quê?

- O Sr. Grey não me paga nada - eu digo, na defensiva. A menos que se conte o iPad e a conta do


Hotmail, e a compra do Walmart e da Universidade Estadual de Washington. - Não sou uma


prostituta.

- Ai - Brent diz. - Me


desculpe. Eu só pensei que...

Ah, não. Isso é o que Earl quis dizer quando falou que não era o "tipo com namoradas". Ele não tem namoradas, porque paga mulheres para se vestirem como elfas e feiticeiras e sei lá o que


mais e serem espancadas e comidas no Dormitório do Destino.

- Preciso ir - eu falo, passando


ao lado de Brent. Visto minhas roupas e saio do apartamento de Earl Grey aos prantos, enquanto o mordomo androide bizarro me observa, incapaz de computar minhas emoções com seu cérebro de circuito integrado.

Cinquenta Vergonhas De CinzaOnde histórias criam vida. Descubra agora