Capítulo Dez

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Com as minhas costas viradas para Earl, visto minha calcinha e ajusto meu sutiã por baixo do robe. Enquanto isso, vejo Earl se trocar de relance. Já vi cada parte do seu corpo, exceto "aquilo que balança". Ele não pediria para eu me vestir apenas para ver aquilo, pediria? Ele deve ter algo planejado para nós.

- Aonde vamos? - eu
pergunto.

- Para o meu apartamento em
Seattle - ele diz, subindo o zíper dos jeans. Cada roupa nova que ele usa é uma revelação. Seu jeans skinny de cintura baixa ressalta o delicioso quadril.

Pego o questionário e partimos
para os elevadores. Não sabia que tínhamos elevadores em Portland!

Earl aperta o botão para o terraço.

- Opa - eu digo. - Não sei se estou a fim de um passeio de helicóptero de três horas hoje...

- Não vamos com meu helicóptero - ele responde.

Quando saímos do elevador no terraço, vejo o que Earl quer dizer.

- Um jatinho particular! - eu
grito.

Ele sorri.

- O helicóptero é legal, mas,
quando preciso ir para algum lugar a jato... bem, eu uso um jato. Entre aí, lindinha.

Ele aperta um botão no controle remoto do chaveiro e levanta a tampa de vidro da cabine do jatinho. Subo uma pequena escada e tomo o assento traseiro. Earl fica no assento dianteiro, onde estão os controles.

- Sabe que tipo de jato é este
aqui? - ele diz, apertando um botão que abaixa a tampa de vidro. Não tenho ideia, e ele não
me dá chance de responder. - É um F-14 Tomcat. O mesmo jato de combate que Tom Cruise usou em Top Gun: Ases Indomáveis.

- Ele é piloto? Pensei que você tinha me dito que ele era barman...

Earl liga os motores.

- Não, linda, ele é ator. Tom Cruise fez o papel de Maverick, em 1986, no filme Top Gun. Cara, não acredito que você não viu. Tô impressionado.

Eu balanço a cabeça.

- Não é do meu tempo, eu acho.

Earl me ignora e dá ré no jato para nos dar o máximo de espaço de decolagem no terraço do
Holiday Inn.

- Existem apenas 712 desses
bad boys - ele diz. - A maioria
deles foi destruída pela marinha
dos EUA; alguns poucos, vendidos a governos estrangeiros. Este é o
único de uso particular no mundo. Coloque isto. - Ele me entrega um capacete com Goose impresso nele.

- Quem é Goose?

- Hoje, você - ele diz, colocando seu próprio capacete, no qual está escrito Maverick.

- Você gosta mesmo desse tal
Tom Cruise - eu comento.

O jato faz uma parada no
terraço. Ele se vira e franze a
testa para mim.

- O que você está querendo dizer?

- Nada, cara.

- Tudo bem - ele continua. - Você vai adorar. Estaremos em Seattle num piscar de olhos. Este
jato chega a dois mil quinhentos
quilômetros por hora.

Santa velocidade do som!

- Nós vamos morrer - eu sussurro.

- Não se eu estiver por perto -
diz Earl. - Quantas vezes já salvei sua vida até agora?

- Três. Ou quatro - eu digo,
tímida.

- Exatamente. Aperte o cinto.
Estamos prestes a entrar na Zona de Perigo. - Ele faz uma pausa. - Desculpe, escolha boba de palavras. É de uma música da trilha sonora de Top Gun.

Earl tira uma fita cassete do toca-fitas do F-14 e procura outra no porta-luvas.

- Sem Zona de Perigo hoje.
Acho que esta música é mais
apropriada - ele diz, pegando
outra fita. A maioria das pessoas
da minha idade provavelmente não sabe o que são "fitas cassete", mas eu sei tudo sobre elas, graças a Kathleen. Quando eu voltar para casa, vou perguntar para ela sobre esse filme, Top Gun. Ela deve ter em vhs ou laserdisc.

A fita que Earl pegou começa com uma música cuja letra compara uma mulher a uma torta de cereja. Earl murmura junto com a música, acionando vários controles e parafernálias. Não quero deixá-lo ainda mais
desconfortável com nossa diferença de seis anos de idade; então, fico de boca fechada e não pergunto quem é a banda. A
música é constrangedora de tão ruim, como uma de Adam Lambert, se ele fosse hétero. Nem sempre eu me ligo em duplo sentido, mas posso até dizer que a música fala sobre sexo. "Misturando a massa enquanto ela lambe a espátula"? Quer dizer, peraí, né? Isso é tosco demais.

- E mais uma coisa - Earl diz,
virando-se. - Tire o dedo do nariz.

- Desculpe - eu digo, tirando o
dedo. Tenho que parar de parecer uma idiota nojenta perto dele!

Sinto o jato seguindo em frente. O motor ruge, abafando a música horrível. Aumentamos a velocidade e, antes que eu perceba, estamos no ar! Olho para fora e vejo o Holiday Inn atrás de nós ficando cada vez menor, segundo após segundo. Logo, toda a estranha cidade de Portland se perde de vista. Como era a vida antes de eu conhecer Earl Grey e começar a entrar nessas aventuras malucas? Mal posso lembrar. É como se eu tivesse nascido ontem. É algo que meu pai sempre me diz: "Que foi, nasceu ontem?". Nunca entendi essa pergunta, porque, claro, ele sabe o dia do meu aniversário. Agora, eu acho que entendo o que ele estava dizendo. É uma sensação incrível.

- Olhe isso - Earl fala,
tentando não ser abafado pelo
barulho da turbina. Ele parte com o avião diretamente rumo a uma montanha nevada.

- Você está querendo matar a
gente? - eu grito.

- Calma, linda - ele diz. - Este é o Monte Rainier, um dos vulcões ativos mais perigosos do mundo. Mas não se preocupe, ele não entra em erupção há mais de cento e cinquenta anos.

- Não estou preocupada com erupção - eu murmuro, abraçando a mim mesma diante
da nossa colisão iminente com a
montanha.

Estamos a poucas centenas de metros do impacto, Earl pressiona um botão, e três mísseis saem de cada asa, explodindo um lado do Monte Rainier, fazendo um buraco grande o suficiente para atravessarmos até o outro lado!

Depois, eu digo a Earl como


aquilo foi incrível.

- Faço esse tipo de coisa o


tempo todo - ele diz. - Posso


garantir que você nunca vai ficar entediada ao lado de Earl Grey.

Não mesmo, nem em um milhão


de anos, eu penso. Bem, talvez em um milhão de anos, pois quem sabe quais as consequências de se estender a vida de alguém tanto assim? Claro, eu imagino, em um milhão de anos talvez duas pessoas possam ficar de saco cheio uma da outra. Mas em cinquenta, sessenta anos? Impossível.

Olho para trás e vejo que o


buraco que Earl fez no Monte Rainier tem o formato de um coração. Awwwn! Enquanto o vulcão, há muito inativo, entra em erupção, lançando colunas de fumaça grossa e preta atrás de


nós, tudo em que consigo pensar é: estou apaixonada.

Cinquenta Vergonhas De CinzaOnde histórias criam vida. Descubra agora