Capítulo Dezessete: Descomplicado

2.6K 290 52
                                    

A alegria de se apegar a um ato tão pequeno quanto um cartãozinho sendo esmagado pelos dedos longos e finos de uma certa pessoa é proporcional a tristeza de ver essa mesma mão, com esses mesmos dedos, passar pelas costas de uma asiática famosa e internacional. Era mão no ombro, na cintura, no rosto e na mão. Qual é a dele? Para que gastar um segundo amassando cartão se não gasta um milésimo disso olhando para mim.


As minhas férias serão um verdadeiro inferno se eu simplesmente não parar de olhar para meu primo. Perla e Aline não calam a boca e agora já conseguem fazer piadas sobre mim. Isso é horrendo. Pareço uma daquelas menininhas púberes que não sabe como atingir a atenção do cara mais popular e gato da sala. E ainda tem que concorrer com o restante das garotas da escola.

Apenas com a diferença que eu tenho vinte e seis anos (acertei dessa vez!).
O que se espera de uma jovem em seus mais puros e esplêndidos vinte e seis anos hoje em dia? Há mais de um ano, tudo o que eu queria era ser a rainha da bateria da Tucanos. Só isso. Eu vivia por isso. Em pensar que não consigo mais malhar (apesar do Menezes me dizer que posso usar a academia do hotel, mas em que momento farei isso?). Trabalhar, aulas da Vera e a faculdade consomem qualquer tempo extra que eu tenha. E agora que estou de férias meu turno não é mais meio período, mas o período integral. Estou entrando as oito e saindo lá pelas dezoito, dezenove.

Depois três horas de aula com a Vera todos os dias. Mesmo aos sábados, só que pela manhã e agora um pouco à tarde. Porque como eu não fiquei com nenhuma DP na faculdade, o meu prêmio foi: aulas de inglês! As aulas começarão no próximo sábado. O meu único dia livre é domingo, além das noites de sábado. Me sinto tão ocupada como nunca estive na vida. E isso não é ruim. Em alguns momentos, confesso, reclamo. Porém, se eu soubesse que me sinto mais completa agora, eu teria feito isso antes. E não viver com a culpa de nunca ter ajudado minha mãe. O problema é que mesmo ocupada, lá vão meus olhos seguindo o casal do momento novamente.

Eu não estou mais suportando isso. Está tenso demais. Essa pressão no meu peito, essa coisa inexplicável que eu nunca senti, esmagando o meu coração, está me fazendo mal. O meu celular vibrou. Eu o peguei e vi uma mensagem do Pedro.

Precisamos conversar.

Eu gelei. Não sei se queria conversar. Isso está absurdo. Eu estou fugindo disso. Estou com medo. Achei que ele ia só voltar a reaparecer quando voltássemos as aulas e ainda faltam duas semanas para isso. Não achei que ele ia voltar a mandar mensagem. Até porque eu pensei que até as aulas voltarem eu já saberia o que fazer da vida. Sabe, quando você foge das consequências esperando alguma luz? Como se um dia eu fosse dormir e acordasse já sabendo tudo o que eu deveria fazer. Tão fácil quanto saber que você precisa beber água pra não morrer de sede.

De uma forma muito madura, eu coloquei o celular de volta no bolso da minha saia lápis do uniforme. Eu não precisava responder agora, não é mesmo? Eu podia responder só em agosto quando eu já soubesse o que fazer da minha vida. Talvez, até lá eu já não ligasse para o Leon e sua amiguinha chinesa, e estaria certo ficar desprendida. E eu poderia acabar o que comecei com Pedro. Porque vontade não faltava. Simples como um passe de mágica. Em agosto tudo estaria resolvido. A vida estaria mais fácil. Eu já saberia tudo o que aconteceria. Estaria decidida e determinada. Eu seria outra pessoa em agosto...

- Boa tarde, eu gostaria de um quarto.

Meus olhos se fixaram na pessoa a minha frente. Estava tão distraída pensando que não notei quando ele se postou à minha frente. Gelei.

- Se Maomé não vai até a Montanha, a montanha vai até Maomé. - o sorriso preguiçoso nos lábios se alargou. Era Pedro em carne e osso. Ali, na minha frente, pedindo um quarto.

A Herdeira - Quebrando as regrasOnde histórias criam vida. Descubra agora