Capítulo 19

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– Então, Austin, como foi a produção de feno este ano? – perguntou papai, tentando puxar conversa.

– Boa, eu acho.

Austin parecia inseguro até mesmo para dar essa resposta simples, provavelmente por estar na berlinda, sob a inspeção dos meus pais.

– Eu ficaria feliz em mostrar alguns dos controles de pragas sem química que nós usamos, se você estiver interessado...

– Pai – interrompi. – Você prometeu. Nada de sermões ambientais.

Por que meus pais tinham feito tanta questão de jantar com Austin, afinal? Eles viviam falando em espaço pessoal e autonomia de aprendizado – até que chegou a hora de eu sair com um cara. De repente viraram a própria família americana tradicional, insistindo para que Austin jantasse com a gente, apesar de ele ter crescido ali do lado e entregar feno na nossa casa quase toda semana, era uma pagação de mico.
E o fato de Lauren estar de péssimo humor não ajudava em nada.

– Mais leite de soja? – ofereceu mamãe.

Austin levantou a mão, um pouco depressa demais.

– Não, obrigado.

– A gente acaba se acostumando com o gosto – falei, dando força.

– Ah, é. Acho que sou mais fã de leite comum.

– Que explora as vacas – acrescentou papai, apontando um garfo na direção de Austin. – Pobres animais, postos em fila, com as tetas presas no metal frio...

Tetas?

– Papai, por favor. Não fale essa palavra..

– O que é que tem? – Papai levantou as mãos, cheio de inocência. – Austin mora numa fazenda. Tenho certeza de que ele está familiarizado com as tetas das vacas.

Cada gota de sangue no meu corpo correu para o rosto.

Era bem típico do meu pai falar da anatomia das vacas durante meu primeiro jantar com Austin e depois acusá-lo de estar "familiarizado" com o equivalente bovino dos seios.
Como se Austin gostasse de dar uns pegas nos animais de criação ou algo parecido.

Olhei para Lauren, esperando que ela desse um sorrisinho afetado, mas ela apenas remexia a salada, examinando um dos premiados tomates- cereja de papai como se fosse uma forma de vida alienígena melequenta que inexplicavelmente tivesse ido parar na ponta de seu garfo.

– Alejandro – interveio mamãe. – Talvez a gente pudesse mudar de assunto.

Experimentei um breve instante de alívio, até que mamãe se virou para Austin e comentou:

– Soube que vocês estão lendo Moby Dick na aula de literatura.

– Ah, é.

– Adorei esse livro quando tinha a idade de vocês – disse mamãe. – A ideia da aventura no mar... E como provoca reflexões! O que pensar da baleia branca? O que ela simboliza? – perguntou ela, ainda falando com Austin. – Deus, a natureza, o mal ou simplesmente o orgulho de Ahab?

Houve um momento de silêncio enquanto o pobre Austin tentava pensar numa resposta àquela pergunta, o que, pela expressão dele, era quase tão palatável quanto o leite de soja.

– É... Todas essas coisas? – propôs ele finalmente.

– Estamos lendo a versão resumida – observei, feito idiota. Eu estava acostumada a morar com uma professora: sempre havia algum tipo de questionário durante o jantar. Mas será que mamãe precisava atormentar o coitado do Austin? – Talvez tenham cortado algumas metáforas...

– A baleia representa as forças ocultas da destruição que anseiam romper a superfície de um mundo complacente – intrometeu-se Lauren, falando pela primeira vez e fazendo com que todas as cabeças se virassem na sua direção.

– Hein? – reagiu Austin, claramente desconcertado. Depois se controlou e me lançou um olhar sem graça.

– Eu gosto da baleia – acrescentou Lauren mal-humorada, ainda encarando seu prato. – E de Ahab, eles sabiam o que era persistência, sabiam esperar o momento adequado. – Ela ergueu os olhos verdes e me lançou um olhar tão afiado quanto suas presas. – E aceitavam seu destino mútuo, por mais desagradável que fosse.

Não.

Meu estômago ficou embrulhado. Se Lauren começar a falar do noivado, Austin vai fugir para as montanhas.

É por que Lauren está se referindo ao destino comigo como "desagradável", afinal? Está sugerindo que se casar comigo seria tão ruim quanto ficar amarrado a uma baleia agonizante?

– Ô, Lauren, como foi o treino de Vôlei? – perguntei, tentando desesperadamente mudar de assunto e deixar a conversa sob controle.

– Vi você na quadra – observou Austin. – Você e muito boa, poderia levar o time para o campeonato estadual.

– Ah, é, os treinos – disse Lauren, entediada.

– "Treinar é aprimorar" – sugeriu Austin.

– Treinar é se entediar – contrapôs Lauren, sem olhar para Austin. – Prefiro a competição.

– Você pratica luta, não é, Austin? – perguntou papai, passando mais saag para nosso convidado.

Meus pais estavam na fase da comida indiana.

A entrada da noite consistia em espinafre murcho.

Só nos meus sonhos a gente receberia as visitas com um churrasco.

Austin observou cauteloso o conteúdo verde e mole mas aceitou a tigela.

– É. Sou o capitão do time este ano.

– Que coisa mais greco-romana... – comentou Lauren secamente, levantando um bocado de espinafre e deixando-o pingar do garfo – ficar se embolando num tatame.

Austin me lançou um olhar confuso. Respondi com um dar de ombros que queria dizer "ignore a aluna de intercâmbio ranzinza".

Mamãe jogou o guardanapo na mesa.

– Lauren, será que posso falar com você na cozinha?

Ah, graças a Deus.

Eu limparia meu quarto ou lavaria uma trouxa extra de roupas para compensar
Lauren foi atrás da mamãe se arrastando.

Houve uma pausa desconfortável na conversa à mesa, durante a qual todos fingimos não escutar as expressões "participar de uma conversa educada", "paspalhão débil mental" e "retire-se" vindas da cozinha em sussurros altos demais.

Alguns minutos depois a porta da cozinha foi batida.

Mamãe voltou sozinha.

– Quem quer mais pão sírio? – perguntou ela com um sorriso de carranca, sem oferecer explicação para o sumiço de uma adolescente romena muito irritadiça.

Do outro lado da mesa, o saag de Lauren ficou coagulando em seu prato abandonado.

Como Se Livrar De Uma Vampira ApaixonadaOnde histórias criam vida. Descubra agora