Desde a infância, volta e meia eu tinha aquele pesadelo.Ele sempre me deixava trêmula, demorando-se na mente mesmo depois de eu acordar, eu o expulsava assim que voltava para o estado de alerta, quase sempre suando frio, embolada nos cobertores.
Tentava esquecê-la pensando em coisas reais, a raiz quadrada de qualquer número positivo real pode ser determinada com a fórmula de Newton...
Era assim que eu o enfrentava: agarrando-me à realidade, ao que era concreto mas, naquela noite, em meados de dezembro, o sonho, mais vívido do que nunca, não queria ser extirpado.
– Antanasia... Antanasia...
Ela estava me chamando. A princípio, como um acalanto, um canto reconfortante.
Estava escuro e nevava naquele lugar de montanhas desconhecidas, íngremes e irregulares, os afloramentos de rocha negra, molhada, que brotavam dos montes de neve eram como dentes.
Como presas, a neve caía com mais força, de modo quase ameaçador, como se a tempestade estivesse viva e à procura de sangue.
– Antanasia!
Ela me chamava três vezes e na última era sempre diferente. Como um grito súbito. O gemido de alguém caindo de um dos penhascos...
E depois o silêncio.
Apenas o som do vento e a neve em redemoinho, chicoteando os picos das montanhas que recuavam para cada vez mais longe...
Meus olhos se abriram de repente.
Fiquei deitada na cama por alguns minutos, permitindo pela primeira vez que o sonho saturasse minha mente, se acomodasse e ficasse familiar, aos poucos, eu o aceitei.E então chutei as cobertas emboladas, libertando-me, fiquei de pé sobre o piso de madeira fria e fui em silêncio até a cômoda.
Abri a gaveta de baixo, com cuidado para que ela não fizesse barulho, tateando às cegas sob uma pilha de camisetas que eu não usava mais, meus dedos localizaram o que eu procurava.
O livro que Lauren tinha me dado. Levei o volume até a escrivaninha e acendei a luminária.
No círculo de luz, li o título, agora familiar. Com dedos surpreendentemente firmes, folheei as páginas, à procura do envelope de papel encerado, ainda enfiado perto do final, a umas 40 páginas do pesado marcador de prata. Quando encontrei o envelope, levantei-o com cuidado – parecia delicado demais ou talvez precioso demais para ser manuseado. Enfiei dois dedos dentro dele e retirei o conteúdo. A foto.
Prendi minha respiração quando vi uma mulher com um vestido de seda carmim, numa pose formal, a postura régia porém confortavelmente ereta, os ombros para trás, o cabelo preto e encaracolado num coque sobre a cabeça, envolvido por uma tiara prateada, o nariz era um pouquinho achatado, a boca um tantinho larga demais para ser de uma beleza convencional, uma sugestão de sorriso brincava nos cantos dos lábios, como se alguém houvesse lhe contado uma piada e ela quisesse rir, apesar de terem lhe dito para ficar séria, para parecer majestosa.
Uma pedra escura e pequena parecia flutuar no ponto onde o esterno encontrava o pescoço, o cordão fino demais para ser visualizado na imagem.
Minha mãe.
Olhei mais de perto. Seus olhos... seus olhos eram como os meus, assim como o nariz. E a boca com ar divertido.
Eu reconhecia cada parte do rosto de Mihaela Dragomir, como se a tivesse visto mais cedo, naquele dia, talvez porque a vira mesmo, no espelho.
No entanto, a mulher da foto era diferente de mim. Possuía uma qualidade especial que era melhor do que a beleza tradicional: presença.
Recordei as palavras de Lauren, ditas semanas antes: "Mulheres americanas. Por que todas vocês querem ficar quase invisíveis? Por que abrir mão de ter uma presença física no mundo? Mesmo numa fotografia antiga, dava para ver que minha mãe tinha isso. Presença.Mihaela Dragomir era cativante, o tipo de mulher que atrairia todos os olhares ao entrar em uma sala.
Virei a foto para ver se tinha data, mas não havia nada escrito, por isso olhei-a de novo, estudando seu rosto por muitos minutos, ouvindo na cabeça a voz do sonho, desfrutando do acalanto de minha mãe, silenciado havia muito tempo, e me obrigando a suportar o grito de sua perda. De novo e de novo e de novo. Será que ela gritou pela perda da própria vida? Ou por me perder? Por nossa separação eterna?
Quando senti que o peso de nosso passado compartilhado começava a ficar opressivo demais, enfiei a foto de volta no envelope, ela encontrou resistência, como se outra coisa dentro a bloqueasse.Pus a foto com cuidado sobre a escrivaninha, virei o envelope e o sacudi delicadamente, um pedacinho de papel quase translúcido caiu na palma da minha mão.
Reconheci a letra. Era a mesma que tinha visto no quadro na aula da Sra. Wilhelm em setembro. JAUREGUI. A mesma letra que estava na dedicatória do meu guia de vampira.
Ela não é linda, Antanasia?
Não é poderosa?
Majestosa?
Não é exatamente como VOCÊ?
Era quase como um poema. Uma ode. A mim.
Li de novo, embora tivesse memorizado na primeira vez, depois enfiei o bilhete de Lauren de volta no envelope, seguido pela foto, e recoloquei tudo no livro, que deixei na escrivaninha.
Depois girei na cadeira, captando meu reflexo no espelho de corpo inteiro que ficava pendurado na porta do quarto. À luz suave, eu poderia ser Mihaela Dragomir, a camisola de flanela transformada em um vestido de gala, de seda...
Num impulso, segurei o cabelo no alto da cabeça e ajeitei os ombros.
Ela não é linda?
Não é poderosa?
Majestosa?
Ela não é VOCÊ?
Soltando o cabelo, apaguei a luz e voltei para a cama, sem saber se queria ficar feliz, chorar ou as duas coisas.
Ela não é VOCÊ?
Bom qualquer coisa ( @Escravonizerbj_ ) bj
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Como Se Livrar De Uma Vampira Apaixonada
FanfictionCasar-se com uma vampira certamente não estava nos planos de Camila Cabello para seu último ano escolar. Mas quando uma nova aluna esquisitona (e muito gata) chamada Lauren Jauregui aparece do nada, dizendo que Camila pertence à realeza vampírica e...