Capitulo II

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O engenheiro tinha caído por entre as malhas da rede, levado pelo golpe de mar. O cão também desaparecera; o fiel animal jogara-se ao mar em socorro do dono.
- Em frente! - gritou o repórter do New York Herald.
E todos quatro, esquecendo o cansaço, começaram as buscas. O pobre Nab chorava de raiva e desespero, crendo ter perdido quem mais amava no mundo.
- Havemos de o encontrar, Nab! - disse Spilett.
- Vivo?
- Vivo, sim!
- E ele sabe nadar? - perguntou Pencroff.
- Sabe - respondeu Nab. - E, além do mais, o Top está com ele...
Entretanto, começara a anoitecer e levantara-se neblina. Os náufragos caminhavam para norte, ao longo da costa daquela terra desconhecida, de cuja localização geográfica nem faziam a menor ideia. O solo de areia e pedras era completamente desprovido de vegetação. A todo o instante topavam com covas e pedregulhos, espantando a cada passo bandos de aves ruidosas.
Alcatrazes e gaivotas, conforme alvitrou o marinheiro, reconhecendo-lhes o piar agudo em despique com o rugido do mar.
De tempos a tempos, os náufragos interrompiam a marcha e chamavam em altos gritos, esperando ouvir alguma voz do lado do mar. Mas nada! Então, o grupo retomava a caminhada, inspeccionando os mais pequenos recantos da praia.
Vinte minutos mais tarde, estacaram à beira de uma escarpa onde as ondas vinham bater com furor.
- É um promontório! - disse Pencroff. - Temos de voltar para trás e seguir pela direita.
Chamaram novamente, os quatro em uníssono, mas ninguém respondeu. A marcha recomeçou de todos eles, quando, após terem percorrido mais quatro quilómetros, toparam com a mesma escarpa de rochedos escorregadios que avançava pelo mar dentro.
- Ora esta! Estamos numa ilhota! - exclamou Pencroff.
- E acontece que já lhe demos a volta completa.
O marinheiro estava certo. Os náufragos tinham sido arremessados para uma pequena ilha com pouco mais de quatro quilómetros de perímetro! Dar-se-ia o caso de aquele ilhéu árido, apenas habitado por aves marinhas, fazer parte de um arquipélago de alguma importância? Os olhos do marinheiro, habituados a perscrutar as sombras, julgavam distinguir a oeste umas massas confusas, que podiam corresponder a outra terra próxima... Porém, a escuridão não permitia qualquer certeza. A única coisa a fazer era esperar pelo dia seguinte e continuar a procurar o engenheiro.
As horas passaram lentamente. Os náufragos, enregelados pelo frio intenso e cheios de inquietação, não conseguiam descansar. Andavam de um lado para o outro, regressando a todo o instante à ponta norte, ao local onde se desenrolara a tragédia. Chamavam e voltavam a chamar e, a certa altura, um grito de Nab pareceu produzir um eco. Harbert comentou o facto com Pencroff e acrescentou:
- O eco pode significar que existe uma costa bastante próxima, para oeste.
O marinheiro acenou afirmativamente. De resto, os seus olhos nunca o enganavam: ali havia terra de certeza! Perto da meia-noite, o céu começou a limpar, tornando visíveis algumas estrelas. E, caso estivesse ali com os companheiros, o engenheiro verificaria de imediato que aquelas estrelas e constelações não eram as do hemisfério norte. Às primeiras horas do dia 25 de Março, a neblina que se levantava do mar não permitia enxergar para lá dos vinte metros, mas com o avançar da manhã o nevoeiro dissipou-se e os primeiros raios de sol iluminaram a superfície do ilhéu.
E era verdade! Havia terra à vista! A oeste, erguia-se uma costa alta e abrupta, separada da ilhota por um canal de corrente muito forte, com cerca de novecentos metros de largura.
Sem pedir conselho a ninguém, a não ser ao seu coração, Nab atirou-se à água, disposto a atravessar o canal a nado.
Pencroff bem o chamou, mas sem resultado, e Spilett já se dispunha a segui-lo, quando o marinheiro o deteve:
- Espere aí e escute! Se encontrar o patrão, Nab chegará para o socorrer. É que se nos metermos todos neste canal, arriscamo-nos a ser arrastados para o largo pela corrente! Ora, se não me engano, a maré está a baixar... Então, tenhamos paciência, que pela baixa-mar talvez passemos a vau! Entretanto, Nab lutava contra a corrente forte que o obrigava a nadar num sentido oblíquo ao ponto de partida. Meia hora levou ele a atravessar o canal e a chegar à margem oposta. A costa formava nesse ponto uma ampla baía, cortada a sul por um promontório de rochas graníticas, árido e selvagem; para norte, ao contrário, a baía como que arredondava no sentido sudoeste-nordeste, terminando num cabo estreito. À direita, verdejava um maciço de vegetação e ao fundo, no sentido noroeste, para lá do planalto que corria ao longo da costa, um cume coberto de neve resplandecia ao sol. Porém, seria impossível dizer, ainda, se aquela terra era uma ilha ou um continente, embora um geólogo pudesse detectar sem dificuldade a sua origem vulcânica.
Na ilhota, Gedeão Spilett, Pencroff e Harbert tinham seguido as braçadas vigorosas do companheiro e observavam agora atentamente a terra que se erguia diante deles, onde, provavelmente, iriam viver por muitos anos, talvez até morrer, caso ficasse afastada da rota dos navios.
Ao cabo de mais três horas de espera, por volta das dez da manhã, a maré vazia deixava finalmente a descoberto bancos de areia e braços de água pouco profunda. A travessia já não apresentava, pois, qualquer dificuldade, e Spilett e os companheiros, depois de se despirem e colocarem as trouxas da roupa à cabeça, atingiram facilmente o outro lado.
Depois de se haverem secado ao sol e vestido, trataram de decidir o que iriam fazer. Spilett tomaria a direcção seguida pelo negro, enquanto Pencroff e o jovem Harbert ficavam ali na praia, encarregados de preparar o acampamento e de encontrar algum alimento mais sólido do que miolo de conchinhas.
- Muito bem! - disse o marinheiro ao rapaz, logo que ficaram sozinhos. - O que é preciso é método! Estamos cansados e temos frio e fome. Então o que há a fazer é encontrar um abrigo, lume e comida. Lenha há na floresta e os ninhos têm ovos, portanto, só nos falta arranjar casa!
- Eu procuro uma gruta nas rochas. Sempre há de haver alguma - respondeu Harbert.
- É assim mesmo! Vamos lá!
E os dois puseram-se a caminho praia fora, ao longo da falésia. Iam para sul, porque Pencroff tinha reparado que naquela direcção os rochedos faziam uma reentrância, o que podia ser a foz de algum rio ou ribeiro. Ora não só era bastante conveniente arranjar abrigo junto de água potável, como havia a possibilidade de a corrente ter empurrado Cyrus Smith para aquelas bandas. Um pouco mais adiante, graças aos conhecimentos de Harbert em matéria de história natural, fizeram uma descoberta deveras oportuna! Agarradas às rochas, pendiam colónias de litodontes, e estes moluscos bivalves, parecidos com os mexilhões, constituíram um autêntico maná caído do céu.
Saciada a fome, pelo menos em parte, começou a sede a atormentar os dois amigos, acrescida agora pelo sabor apimentado dos moluscos...
Precisavam de encontrar água doce... e depressa! A reentrância da costa distava apenas uns duzentos passos e, para grande contentamento de Pencroff e Harbert, o pressentimento do marinheiro confirmava-se; naquele sítio, a muralha de granito fendia-se, formando uma pequena enseada onde desembocava um rio de água límpida.
Para montante, a cerca de uma centena de metros, o curso de água doce descrevia uma curva antes de desaparecer num emaranhado de vegetação.
- Aqui temos água e acolá madeira! Olha, Harbert, agora só falta a casa! - exclamou Pencroff.
Porém, de grutas nem sinal nas paredes de granito lisas e verticais. No entanto, mais para cima, junto à foz do rio e já fora da linha da maré, havia um amontoado de pedregulhos enormes, obra de alguma derrocada. Pencroff e Harbert meteram-se por entre os penedos, descobrindo um autêntico labirinto de corre- dores com o chão de areia e iluminados pela luz do dia entrando pelos intervalos entre os blocos de pedra.
- Ora aqui está o que precisávamos! - disse Pencroff.
- E, se acaso voltarmos a ver o senhor Smith ele saberá tirar bom proveito deste sítio.
- Claro que voltamos a vê-lo, Pencroff! - exclamou Harbert. - Quando ele voltar, há-de encontrar aqui um belo abrigo... Para começar, precisamos de uma lareira e o melhor sítio é o corredor da esquerda, que até tem uma abertura para o fumo!
- Realmente, chaminés é que não falta - respondeu o marinheiro.
E logo ali deram o nome de Chaminés à casa provisória.
Depois, Pencroff e Harbert foram em busca de mantimentos e lenha, subindo ao longo da margem esquerda do rio. Depois da curva, começava uma densa mata de arbustos odoríferos e árvores magníficas, que Harbert imediatamente classificou como sendo da família das coníferas.
- Bem, meu rapaz - disse o marinheiro -, posso não saber o nome destas árvores, mas para mim pertencem à espécie de madeira para queimar, que é a única que por ora nos convém!
- Então, toca a fazer provisão! - respondeu Harbert.
Apanharam toda a lenha que puderam e ataram-na em molhos. E transportar aquela carga toda para as Chaminés? Pencroff não tardou a arranjar solução! Construíram sem demora uma jangada, sobre a qual empilharam os lenhos; agora era só esperar a maré vazante que a corrente do rio se encarregaria, do transporte até à foz. Enquanto isso, os dois amigos resolveram ocupar o tempo a explorar os locais. Subiram ao planalto superior, donde se abarcava o vasto oceano e a extensa praia aonde tinham ido parar.
- Algo me diz que um homem tão forte como o senhor Cyrus não se afogava assim, sem mais nem menos... Deve ter conseguido alcançar a praia, não achas, Pencroff?
- Sem dúvida, Harbert, que o nosso engenheiro é homem para se sair bem... Mas será que estamos numa ilha? - murmurou o marinheiro.
- Em todo o caso, parece ser bastante grande - respondeu o rapaz.
- Uma ilha, por maior que seja, é sempre uma ilha - disse Pencroff.
Uma coisa, porém, era certa: ilha ou continente, aquela terra desconhecida era fértil e agradável.
Já de regresso, Harbert, que saltava pelas rochas à beira do penhasco, assustou um bando de aves que levantou voo.
- Olha, pombos-bravos... ou pombos-da-rocha, como se quiser chamar! - exclamou o jovem naturalista. - São excelentes para comer e, sendo assim, os ovos também devem ser!
- Então, nem lhes vamos dar tempo de chocar! - disse logo o marinheiro.
Depressa encontraram os ninhos nas cavidades das rochas e Pencroff recolheu várias dúzias de ovos de pombo no lenço que trazia. Com a ceia assegurada, empreenderam a descida. Pela uma da tarde, chegaram à curva do rio onde tinham deixado a jangada amarrada.
A maré começava a descer, mas Pencroff não tinha intenção de deixar o precioso carregamento ir pela corrente abaixo de qualquer maneira. Com trepadeiras secas teceu uma corda comprida e resistente que atou à popa da jangada, segurando a outra ponta na mão.
Pelo seu lado, Harbert, munido de uma longa vara, mantinha a carga a meio da torrente. O processo resultou em cheio e, cerca de duas horas depois, chegavam perto das Chaminés com a carga seca e intacta.

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