Meia hora mais tarde, Cyrus Smith e Harbert estavam de volta ao acampamento. O engenheiro limitou-se a informar os companheiros de que a terra aonde o acaso os lançara, era uma ilha. Depois, cada um se acomodou conforme pôde para dormir.
No dia seguinte, 30 de Março, pelas sete da manhã, iniciaram a subida ao topo do vulcão, para observarem mais atentamente aquela ilha que, provavelmente, os manteria prisioneiros para toda a vida. Ninguém mostrava preocupação de maior por esse facto, confiantes que se sentiam em si próprios e, sobretudo, nas capacidades do engenheiro Smith. Ele saberia como arrancar da terra selvagem tudo o que fosse necessário à subsistência de todos eles.
O tempo estava magnífico e a escalada até ao topo fez-se sem quaisquer dificuldades. Atingido o cimo do segundo cone, Smith e os companheiros quedaram-se silenciosos, de olhos postos no imenso oceano que os rodeava... Spilett quebrou o silêncio com uma pergunta:
- Qual será o tamanho desta ilha?
- Meus amigos, creio não estar muito enganado se disser que o perímetro de costa não excede os cento e sessenta quilómetros - respondeu Cyrus Smith, depois de observar cuidadosamente a orla marítima, extremamente recortada, sem esquecer de tomar em consideração a altitude a que se encontravam.
Quanto ao aspecto geral do interior da ilha, havia a região arborizada a sul, entre a montanha e o litoral, enquanto a parte norte, pelo contrário, era árida e arenosa. Também se avistava um lago, situado a uns cem metros acima do nível do mar, entre o vulcão e a costa leste.
- Será um lago de água doce? - perguntou Pencroff. .
- Certamente que sim! - respondeu o engenheiro. - E deve ser alimentado pelas águas que escorrem da montanha.
- Estou a ver um riacho que desagua no lago - disse Harbert.
- É verdade - confirmou Cyrus Smith. - E uma vez que é esse ribeiro que alimenta o lago, deve haver um escoadouro do lado do mar para a descarga das águas. Logo veremos isso no regresso.
Do ponto em que se encontravam, podiam os nossos exploradores abarcar a ilha em toda a sua diversidade, as verdes manchas de vegetação, o amarelo das areias e o azul das águas... Subsistia, porém, uma questão grave que continuava sem resposta e da qual dependia o futuro dos náufragos: a ilha era, ou não, habitada? Mas, por mais que olhassem, não se via em lado algum o menor sinal de presença humana; nem um aglomerado de casas, sequer uma simples cabana isolada, nem um barco de pesca no litoral, nem um penacho de fumo! Tão-pouco se avistava outra terra nas proximidades. A voz calma e grave do engenheiro Smith fez-se ouvir:
- Aqui está, meus amigos, o pequeno pedaço de terra onde vamos viver talvez por longo tempo! Pode ser que nos chegue algum socorro inesperado, se algum navio passar por estas bandas... E digo inesperado, porque está visto que esta ilha é muito pouco importante e sem um único porto natural que sirva de abrigo ou para trabalhos de reparação das embarcações... O mais certo é que esteja afastada das rotas habituais, isto é, demasiado a sul para os navios que demandam os arquipélagos do Pacífico, e demasiado a norte para os que se dirigem à Austrália, contornando o cabo Horn... Esta é que é a realidade e não vale a pena escondê-la!
- E com toda a razão, meu caro Cyrus! - exclamou vivamente o repórter. - Está a lidar com homens corajosos, que confiam em si e com os quais pode contar inteiramente. É ou não é verdade, meus amigos?
- Obedecer-lhe-ei em tudo, senhor Cyrus! - disse Harbert, apertando a mão do engenheiro.
- Meu patrão, sempre e em qualquer parte! - proclamou Nab.
- Quanto a mim - disse o marinheiro -, que eu perca o meu nome, se me negar a qualquer trabalho! E se o senhor Smith quiser, até podemos fazer deste sítio uma América em ponto pequeno; construiremos cidades e caminhos de ferro, instalaremos telégrafos e, um belo dia, quando estiver tudo pronto, vamos oferecer esta terra ao governador da União! Só peço uma coisa...
- O quê? - perguntou Spilett.
- Que não nos consideremos mais como náufragos, mas sim como colonos.
Cyrus Smith não conseguiu evitar um sorriso e a moção do marinheiro foi aprovada. Antes de iniciarem a descida, decidiram atribuir nomes aos diversos pontos da ilha, cabos, baías e promontórios. O curso de água perto das Chaminés passaria a chamar-se rio Mercy. Finalmente, a ilha foi baptizada com o nome do grande cidadão que naquele momento lutava pela unidade da república americana: Lincoln. Seria, pois, a ilha Lincoln e a ilhota, onde o balão os lançara, o ilhéu da Salvação. A solenidade do momento foi coroada com três "vivas!".
O regresso às Chaminés far-se-ia por um caminho diferente, dado o interesse de Cyrus Smith em explorar o lago e a zona de arvoredo que o cercava. Desceram, pois, em direcção ao contraforte da montanha, onde, segundo tudo indicava, devia estar situada a nascente do riacho. O engenheiro caminhava sem dizer palavra, atento à mais pequena coisa; de vez em quando, guardava nos bolsos pequenas amostras de espécies botânicas e mineralógicas que ia apanhando aqui e acolá. Como sempre, Pencroff, Harbert e Nab abriam a marcha, seguidos por Top, entretido a farejar todos os recantos.
De repente, Harbert voltou para trás precipitadamente.
- O que é que foi, meu rapaz? - perguntou-lhe Gedeão Spilett.
- Fumo! Vimos uma coluna de fumo a subir entre aqueles rochedos ali adiante!
- É melhor não nos mostrarmos, sem saber do que se trata - disse Cyrus Smith. - Podem ser indígenas... Onde está o Top?
- Lá à frente - respondeu o jovem.
- E não ladra? - perguntou o engenheiro.
- Não, senhor.
- É estranho... De qualquer forma, é melhor trazê-lo para aqui.
Instantes depois, já o grupo, incluindo o cão, estava escondido atrás de uns penhascos de basalto. O fumo era claramente visível, amarelado e com um cheiro pestilento muito característico. Tanto bastou ao engenheiro para reconhecer a existência naquele local de uma fonte natural sulfurosa, excelente para tratar afecções da garganta.
- Só tenho pena de não estar constipado! - exclamou Pencroff.
Passaram pela nascente, donde se libertava um intenso odor a ácido sulfídrico, e continuaram a caminhada.
Ao princípio da tarde, o faro de Top e a perícia de Nab providenciaram a caça de que tanto precisavam para a refeição da noite: dois soberbos marás, roedores muito parecidos com as lebres, mas maiores, de orelhas compridas e pelagem amarela.
Pencroff ficou entusiasmado:
- Hurra! Já temos assado! Toca a voltar para casa! Os exploradores já tinham chegado, por essa altura, à margem ocidental do lago. O sítio valia bem a pena ser visto.
A extensão de água doce, muito límpida, cobria uma área de cerca de duzentos hectares, com margens belamente arborizadas, povoadas de patos-bravos, pelicanos, galinhas-d'água, maçaricos e outras aves aquáticas. Spilett não se conteve e exclamou:
- Mas que lago tão bonito! Não seria mal pensado viver aqui.
- E por que não? - respondeu Cyrus Smith.
A tarde avançava e eram horas de voltar às Chaminés.
Depois do jantar, o engenheiro tirou do bolso as amostras de minerais que andara a recolher durante o dia, e disse:
- Meus amigos, temos aqui ferro, pirite, argila, cal e carvão.
Eis a contribuição da Natureza para o que precisamos de fazer! O resto é connosco.
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A Ilha Misteriosa
RandomSinopse: A história começa nos Estados Unidos da América, durante a guerra civil, durante o cerco de Richmond, Virginia, a capital dos Estados Confederados da América (Sul). Cinco americanos do norte, prisioneiros, decidem fugir utilizando um meio p...