- Estamos a subir?
- Não, não, pelo contrário. Descemos!
- Pior que isso, senhor Cyrus! Estamos a cair!
- Deus nos acuda! Atirem mais lastro pela borda fora!
- Lá vai o último saco!
- E agora? O balão sobe?
- Nada!
- Estou a ouvir o bater das ondas...
- Temos o mar aqui mesmo debaixo da barquinha!
- Nem deve estar a duzentos metros! Um comando soou, gritado em voz possante:
- Tudo o que pesar deita-se fora! Tudo! E seja o que Deus quiser!
Foram estas as palavras que atroaram os ares e ribombaram sobre o vasto deserto do oceano Pacífico, cerca das quatro horas da tarde do dia 23 de Março de 1865.
Com efeito, um balão estava a ser arrastado por uma tromba a quase cento e setenta quilómetros à hora, qual frágil bola de sabão, girando ao mesmo tempo sobre si mesmo, como que apanhado por um redemoinho de ar. Presa ao balão, oscilava uma barquinha levando a bordo cinco passageiros. Estes mal se distinguiam, envoltos na cortina de vapores espessos e água pulverizada que arrastava a extremidade pela superfície do mar.
Donde viria aquele aeróstato, autêntico joguete da terrível tempestade? Em que parte do mundo teria levantado voo? Certamente não teria partido durante o furacão... Ora este já durava há cinco dias. Sendo assim, e fazendo contas a pelo menos três mil quilómetros por dia, era de crer que o balão vinha de muito longe. Em todo o caso, os passageiros não podiam saber onde se encontravam, rodeados apenas pelo denso nevoeiro e sem quaisquer pontos de referência... Nem, tão pouco, saberiam dizer se era noite ou dia.
Entretanto, o balão, aliviado da carga mais pesada - armas, munições e mantimentos -, voltara a subir a uma altitude superior a mil metros.
A noite chegou e passou-se em mil e uma inquietações, que poderiam ser mortais, não fossem os passageiros pessoas tão corajosas.
Outro dia nasceu, o dia 24 de Março, e com a aurora o furacão deu mostras de acalmar. As nuvens subiram e, algumas horas depois, a tromba adelgaçou e acabou por rebentar. Pelas onze horas, a atmosfera limpou e o furacão, extinto com o rebentamento da tromba, parecia ter-se transformado em ondas eléctricas, como sucede às vezes com os tufões do oceano Índico.
Foi então que o balão voltou a descer lentamente até às camadas inferiores da atmosfera, parecendo mesmo que se esvaziava e que passava da forma esférica à ovóide! Ao meio-dia, o balão planava apenas a uns seiscentos metros acima do nível das águas. Os passageiros trataram de deitar ao mar as últimas coisas que ainda podiam fazer peso na barquinha, alguns víveres e até pequenos utensílios que tinham nos bolsos. Depois, um deles içou-se às redes que os prendiam ao balão e tentou reforçar as cordas. Era evidente que não podiam fazer mais nada para impedir a descida... O balão perdia gás. Estavam perdidos! Com efeito, não sobrevoavam continente ou ilha onde poisar, não havia uma única superfície sólida onde prender as âncoras do balão. Apenas o imenso oceano e as vagas arremessadas umas contra as outras com uma violência incomparável! Tornava-se imperioso suster a descida do balão antes que ele fosse engolido pelas ondas. Todavia, apesar dos esforços dos passageiros, a barquinha descia sempre, ao mesmo tempo que era arrastada pelo vento a uma enorme velocidade, de nordeste para sudoeste.
Às duas horas da tarde, o aeróstato estava apenas a cento e poucos metros acima do mar. Por essa hora, a voz de um homem, cujo coração não conhecia o medo, fez-se ouvir:
- Deitámos tudo fora?
- Ainda temos dez mil francos em ouro.
O pesado saco foi imediatamente borda fora.
- E o balão? Sobe?
- Um pouco, mas não tardará a descer.
- Há mais alguma coisa para deitar fora?
- Mais nada!
- Há, sim! A barquinha!
- Agarremo-nos à rede... e barquinha ao mar!
Era, na verdade, a única e a última coisa a fazer para aliviar o peso do balão. As cordas que prendiam a barquinha foram metros, com os cinco passageiros agarrados às cordas sobre o abismo. Mas o gás continuava a escapar-se pelo rasgão. Os passageiros tinham feito tudo o que era humanamente possível e, agora, só lhes restava esperar a ajuda de Deus. Às quatro da tarde, apenas cento e cinquenta metros os separavam do mar. Ouviu-se, então, o ladrar sonoro do cão que acompanhava os passageiros, bem preso às cordas junto ao dono.
- O Top viu qualquer coisa!
- Terra! Terra à vista! - gritou alguém.
O balão, arrastado para sudoeste pela ventania, já tinha, por essa altura, percorrido uma distância considerável. Mas não havia dúvidas! Para sudoeste, lá estava ela, a terra firme, a uma hora de distância, se o vento não mudasse. Uma hora ainda! E se o balão, entretanto, perdesse todo o gás? Pelas quatro e meia, o aeróstato, cada vez mais vazio e enrugado, já arrastava os passageiros pela crista das ondas.
De repente, soaram gritos terríveis! Estavam apenas a duzentas braças da praia, quando um formidável golpe de mar apanhou o balão, e este, como que liberto de um peso, subiu de esticão aos quatrocentos e cinquenta metros. Aí, apanhado numa espécie de redemoinho de vento, começou a ser impelido paralelamente à costa, até que obliquou e acabou por cair na areia da praia, fora do alcance das vagas.
Os passageiros, ajudando-se uns aos outros, apressaram-se a libertar-se das malhas da rede.
O balão, finalmente livre de peso, desapareceu no espaço empurrado pelo vento, qual pássaro ferido que reencontra um último sopro de vida.
Mas a barquinha havia transportado cinco passageiros e um cão, e as pessoas lançadas à praia eram apenas quatro! O passageiro que faltava fora certamente levado pelo último golpe de mar, e esse alijar do peso permitira que o balão tivesse subido pela derradeira vez e, depois, atingido a praia! Logo que os quatro náufragos - assim lhes poderemos chamar - deram pela falta do companheiro, exclamaram:
- Ele há-de tentar nadar para terra! Salvemo-lo! Salvemo-lo!
Estes náufragos, que o furacão atirara à praia, não eram aeronautas de profissão, nem sequer amadores. Eram americanos e prisioneiros de guerra evadidos em circunstâncias absolutamente extraordinárias.
Nesse mesmo ano de 1865, no mês de Fevereiro, no decurso da Guerra da Secessão, o general Grant tentara conquistar, sem êxito, a cidade de Richmond, na Virgínia. Ora aconteceu que, durante esse ataque falhado, vários dos seus oficiais foram feitos prisioneiros pelo inimigo. Um dos mais distintos pertencia ao estado-maior federal e chamava-se Cyrus Smith.
Cyrus Smith, natural do estado do Massachusetts, era um engenheiro e homem de ciência ilustre, a quem o governador da União havia confiado, durante a guerra, a direcção dos caminhos de ferro, de grande importância estratégica.
Verdadeiro americano do Norte, magro e seco de carnes, teria cerca de quarenta e cinco anos e já lhe começavam a branquear o cabelo cortado curto, e o bigode farto. Autêntico homem de acção e, ao mesmo tempo, homem de ideias, era movido por uma força anímica e uma persistência tenaz daquelas que desafiam todas as fatalidades do destino. Muito instruído e dotado de sentido prático, este temperamento soberbo e senhor de si, fossem quais fossem as circunstâncias, reunia as três condições básicas da energia humana: actividade do espírito e do corpo, impetuosidade do desejo e força de vontade. A divisa adoptada por Guilherme de Orange, no século xvii, bem podia ser a sua: "Não careço da esperança para tentar; nem do êxito para perseverar." Cyrus Smith era a coragem em pessoa.
Juntamente com Cyrus Smith, outra personagem importante caía nas mãos dos Sulistas: Gedeão Spilett, o notável jornalista do New York Herald, enviado com os exércitos do Norte para relatar as peripécias da guerra.
Spilett pertencia àquela raça de cronistas ingleses e americanos, que não recua diante de nada para obter uma informação exacta e para a transmitir ao seu jornal com a brevidade possível. Homem de grande mérito, enérgico e pronto para tudo, conhecia praticamente o mundo inteiro, sem nunca olhar a trabalhos e fadigas, sem temer um perigo! O que contava era a notícia para o jornal, a informação, a curiosidade pelo inédito e pelo desconhecido. Por tudo isto, sentia-se pronto a enfrentar fosse o que fosse e era vê-lo sem um estremecimento na primeira fila da batalha, de arma numa mão e bloco na outra, a tomar notas debaixo da metralha. Gedeão Spilett não teria mais de quarenta anos; era um homem alto, com o rosto emoldurado por suíças loiras a puxar para o ruivo e um olhar vivo e rápido, habituado a captar o mais pequeno pormenor. A constituição robusta tinha-se-lhe temperado em todos os climas, assim como uma barra de aço em água fria.
Cyrus Smith e Gedeão Spilett, que só se conheciam de nome, haviam sido transportados juntos para Richmond. Simpatizaram logo um com o outro e, com o tempo, aprenderam a estimar-se.
Não tardou que ambos pensassem apenas na fuga, para se juntarem de novo ao exército de Grant e combater nas fileiras da União.
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A Ilha Misteriosa
De TodoSinopse: A história começa nos Estados Unidos da América, durante a guerra civil, durante o cerco de Richmond, Virginia, a capital dos Estados Confederados da América (Sul). Cinco americanos do norte, prisioneiros, decidem fugir utilizando um meio p...