Mal descarregaram a lenha da jangada, o primeiro cuidado de Pencroff foi tornar as Chaminés mais habitáveis e acolhedoras.
Havia que vedar as correntes de ar, e o marinheiro pôs-se a encher as fendas entre os pedregulhos com areia, pedras, terra molhada e ramos entrelaçados. As Chaminés ficaram, assim, divididas em quatro compartimentos abrigados do vento e da humidade, com chão de areia fina e seca e altura suficiente para um homem estar de pé, pelo menos na divisão do meio, que era a maior.
- Agora os nossos amigos já podem voltar, que a casa está pronta para os receber! - disse Pencroff, todo satisfeito.
Faltava, porém, tratar da lareira e preparar a refeição. O primeiro corredor da esquerda foi o escolhido, por ter um bom escoamento para o fumo. O marinheiro assentou lajes de pedra no chão, sobre as quais colocou alguns toros de madeira; a restante provisão de lenha foi depois cuidadosamente arrumada num dos compartimentos do abrigo. De repente, o jovem Harbert perguntou a Pencroff se tinha fósforos.
- Pois claro! Felizmente que tenho! - respondeu este.
- Sem fósforos estávamos bem arranjados!
E deitou a mão ao colete, à procura da caixa de fósforos de que nunca se separava, como fumador que era. Mas da caixinha nem sinal! Procurou e tornou a procurar em todos os bolsos, sem qualquer resultado...
- Não a terias deitado fora, Pencroff, quando estávamos na barquinha? - perguntou o rapaz.
- Isso é que era bom! Nunca... mas com tantos piparotes que levámos, pode ter caído. Olha, o meu cachimbo também se foi!
O marinheiro estava desesperado. Ajudado por Harbert, pôs-se a procurar a pequena caixa de cobre por todo o lado; esquadrinharam a areia palmo a palmo, viram entre os seixos, voltaram ao sítio onde haviam atravessado o canal, à curva do rio, ao planalto... tudo em vão! O desânimo dos dois não podia ser maior.
Eram umas seis horas e o sol começava a desaparecer, quando, finalmente, avistaram Nab e Spilett. Regressavam sozinhos! Conforme contaram, do engenheiro Smith nem um sinal, nem uma pegada; do cão tão-pouco.
O repórter, esgotado e morto de fome, mal conseguia falar; quanto a Nab, de olhos vermelhos de tanto chorar, era a verdadeira imagem do desespero.
Harbert apressou-se a oferecer o único alimento de que dispunham, isto é, uma mão-cheia de litodontes, que tinha apanhado para o caso de não poderem acender o lume. Depois, levou os companheiros exaustos para o interior das Chaminés.
Mais calmo, Spilett estendeu-se no chão. Harbert lembrou-se de lhe perguntar se não teria fósforos.
- Tinha, pois, mas deitei tudo fora... - respondeu o jornalista.
- Senhor Spilett, veja lá bem, pode ter ficado algum. A nós bastava-nos um...
E, de facto, havia um fósforo caído no forro do colete! De repente, aquele pauzinho de madeira, tão vulgar, adquiria uma importância vital para os quatro náufragos. Gedeão Spilett forneceu, ainda, uma folha de papel do seu bloco de apontamentos e Harbert foi encarregado de acender o fogo. Servindo-se de uma pedra áspera, riscou o fósforo com mil cautelas. A chamazinha ateou o papel e logo se propagou aos ramos secos.
Daí a instantes, já um belo lume crepitava, avivado pelo sopro do marinheiro, espalhando um calorzinho agradável por todo o compartimento. Entretanto, o fumo saía na perfeição pela abertura das pedras. Pencroff tomou, então, a seu cargo a preparação da "ceia", isto é, ovos de pombo-bravo cozidos nas brasas.
E assim se passou o dia 25 de Março. Lá fora, a noite caíra por completo. Vencido pela fadiga, Spilett adormeceu estendido a um canto e o jovem Harbert não demorou a seguir-lhe o exemplo.
Quanto ao marinheiro, ficou de vigia à lareira para que não se apagasse. Só o inconsolável Nab não logrou pregar olho e passou a noite a rondar lá fora, chamando pelo patrão.
No dia seguinte, os náufragos do ar avaliaram a situação em que se encontravam, começando pelo inventário do que possuíam; e era bem pouco, na verdade. Todos os utensílios e haveres tinham sido atirados ao mar. As únicas coisas que tinham resumiam-se às roupas que traziam vestidas, ao bloco de notas e ao relógio de Gedeão Spilett! Nem uma arma, nem uma simples faca! Quanto ao resto, podiam contar com um abrigo provisório, lume, água potável, ovos e moluscos.
Depois de outra refeição de ovos cozidos, desta feita temperados com sal, que Harbert descobriu nuns buracos das rochas, ficou decidido que Spilett tomasse conta do fogo, enquanto o marinheiro e o rapaz voltavam à floresta para caçar. Quanto a Nab, há muito que retomara as buscas ao longo da costa.
Os dois amigos embrenharam-se na vegetação, admirando uma vez mais o belo porte dos pinheiros, abetos e outras árvores afins. Pássaros cantavam e esvoaçavam pelas ramagens, porém, fora do alcance dos caçadores. Estes avançavam a custo por entre a erva alta, armados de varapaus, até que, ao cabo de uma hora, desembocaram numa zona pantanosa. Harbert notou a presença de uma ave de bico comprido e pontiagudo, muito parecida com o pica-peixe.
- Deve ser um jacamar - disse o rapaz.
- Estava na hora de provar jacamar assado! - exclamou Pencroff.
Mas a pedra, atirada com toda a força pelo rapaz, não acertou no alvo e a ave desapareceu num abrir e fechar de olhos.
De repente, surgiu um bando de aves de pequeno porte e bonita plumagem, que Harbert imediatamente reconheceu como sendo curucuis, aves de sabor delicado e muito fáceis de apanhar no solo.
Foram-se aproximando escondidos na erva e, quando chegaram perto dos curucuis, bastou saltar-lhes em cima com os paus, matando logo ali umas dezenas.
- Uma caça de acordo com os caçadores aqui presentes! - riu-se Pencroff. - Até à mão se apanhavam! Depois de o marinheiro ter enfiado os curucuis numa vara, continuaram a exploração. Subitamente, ia a tarde em meio, ouviram ressoar pela floresta uma espécie de trombeta! Os autores da estranha fanfarra eram, nada mais, nada menos, que uns quantos tetrazes, aves galináceas de carne extremamente saborosa. Contudo, todas as tentativas para lhes chegar perto foram inúteis.
- Está visto que não temos outro remédio, senão apanhá-los à linha! - exclamou Pencroff.
- Como se fossem peixes? - espantou-se o rapaz.
- Como se fossem peixes - respondeu o marinheiro.
Estava a falar a sério. As lianas forneceram as linhas e os espinhos dos arbustos os anzóis; alguns vermes serviriam de isco. Depois destes preparativos concluídos, aproveitando a fuga assustada dos tetrazes, chegaram-se aos ninhos e dispuseram os iscos a toda a volta. Escondidos atrás de uma árvore, Pencroff e Harbert limitaram-se a esperar, com as linhas bem seguras na mão. Como calculavam, as aves acabaram por regressar aos ninhos e não demorou muito que três delas mordessem os anzóis e ficassem presas.
- Viva! - gritou o marinheiro, correndo a apanhar a caça.
Harbert bateu palmas. Era a primeira vez que via apanhar pássaros à linha, mas o amigo, tomado de modéstia, confessou que a invenção não era dele.
Entretanto, a tarde começara a declinar e empreenderam o caminho de regresso a casa guiados pelo curso do rio.
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A Ilha Misteriosa
RandomSinopse: A história começa nos Estados Unidos da América, durante a guerra civil, durante o cerco de Richmond, Virginia, a capital dos Estados Confederados da América (Sul). Cinco americanos do norte, prisioneiros, decidem fugir utilizando um meio p...