Capítulo III

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No dia seguinte, a pequena colónia deu início a um dos projectos mais antigos do engenheiro Smith: a construção de uma ponte sobre o rio Mercy. Com efeito, urgia estabelecer uma comunicação mais fácil entre a Casa de Granito e a parte sul da ilha. De manhã cedo, os colonos, munidos de machados, serras, martelos e pregos, partiram para a margem do rio e deitaram mãos ao trabalho, começando pelo derrube das árvores que forneceriam a madeira.
Os trabalhos prosseguiram com tal entusiasmo que ao cabo de três semanas, a 20 de Novembro, a ponte estava terminada.
Ficou localizada na primeira curva do rio, a cerca de um quilómetro da foz, e para maior segurança dos colonos tinha a particularidade de ser uma ponte basculante, isto é, fixa numa das margens, neste caso a esquerda, podendo daí ser levantada ou descida consoante fosse necessário.
Durante todo o mês de Dezembro, particularmente quente, decorreram outros trabalhos, agora no planalto. Apesar do calor intenso, a terra foi preparada para a segunda sementeira de trigo e outras culturas que os colonos tencionavam experimentar naquele pedaço de terra fértil. Outro projecto urgente tinha a ver com a instalação de uma capoeira, também no planalto e perto da margem sudeste do lago. O recinto escolhido, com cerca de mil metros quadrados, foi vedado por uma paliçada e no seu interior os colonos construíram abrigos para os futuros ocupantes. Os primeiros "hóspedes" da capoeira foram dois tinamus, aves muito semelhantes às perdizes. O casal não tardou a dar uma bela ninhada e à família de tinamus juntaram-se, em breve, seis patos, um casal de aléctores e muitas galinhas-d'água... O certo é que toda aquela sociedade, depois de muitas brigas e discórdias, acabou por se entender, reproduzindo-se normalmente.
Para completar a obra, Cyrus Smith fez questão que se construísse também um pombal a um canto da capoeira, onde foram metidos doze pombos-da-rocha, os quais, sendo mais domesticáveis que os pombos-bravos comuns, depressa se habituaram ao novo poiso.
Era finalmente chegado o momento de tirar proveito do tecido do balão para fazer roupa branca. Ora tudo dependia do transporte do invólucro até à Casa de Granito, que só poderia ser efectuado na carroça. Mas... e puxá-la!? Um dia, 23 de Dezembro, os colonos, ocupados com trabalhos de forja nas Chaminés, ouviram Nab a gritar no planalto, ao mesmo tempo que Top ladrava... Acorreram imediatamente, receando algum incidente grave. Mas que viram eles? Dois soberbos animais, parecidos com burros grandes e listrados de branco na cabeça, pescoço e tronco. O casal de quadrúpedes avançava tranquilamente, sem o menor sinal de inquietação.
- São onagros! - exclamou Harbert. - São desses quadrúpedes meio-zebras, meio-cavalos selvagens da África Austral!
- Pois para mim são burros e vêm mesmo a calhar! - declarou Pencroff.
Os colonos decidiram deixar o casal de onagros passear em liberdade durante alguns dias e o engenheiro fez imediatamente construir junto da capoeira uma espécie de cavalariça, onde os onagros pudessem ter boa cama e abrigo para a noite. A preocupação de todos é que os animais não se assustassem e se fossem familiarizando com a proximidade de seres humanos.
Enquanto isso, não só foram fabricados arreios e tirantes com fibras vegetais, como foi aberta uma estrada a ligar a margem direita do Mercy ao pequeno porto da costa meridional, onde o balão ficara escondido. A estrada seguia quase a direito pelo interior, tendo à esquerda o pântano dos Tadornos e à direita a orla das grandes florestas que se estendiam até à parte ocidental da ilha Lincoln.
Desse modo, o trajeto até ao porto do Balão - assim baptizado pelos colonos - não chegava a cinco quilómetros.
Finalmente, em fins de Dezembro, Pencroff, que ganhara a confiança dos onagros, atrelou-os pela primeira vez à carroça.
Logo que se sentiram presos, os animais trataram de se empinar, estrebuchando de tal maneira, que foi um trabalhão para os segurar. Porém, dali a pouco, acalmaram e desempenharam a contento o serviço que lhes era exigido! Os colonos subiram todos para o carro e, apesar dos saltos e solavancos, chegaram ao destino sem maior obstáculo. Pelas oito da noite, estavam de volta à ponte do Mercy, trazendo o invólucro e as peças restantes do balão.
A primeira semana de Janeiro foi, então, dedicada à confecção da roupa branca de que tanto careciam e as agulhas encontradas no caixote não pararam, empunhadas por mãos hábeis e vigorosas. A linha utilizada na costura foi a mesma que servira para coser o balão, descosida ponto por ponto pelo repórter com uma paciência infinita. Também, por essa altura, se fizeram os tais sapatos de pele de foca, que ficaram deveras confortáveis.
Assim começava o ano de 1866, com continuação de temperaturas altas. Nos últimos dias de Janeiro, Cyrus Smith decidiu que se começassem os trabalhos de construção de um curral na parte central da ilha, junto aos contrafortes do monte Franklin. Era sua intenção alojar aí um número de cabras-monteses e carneiros bravos, que haviam de fornecer lã para as roupas de Inverno. O primeiro passo foi a abertura de uma segunda estrada com uns oito quilómetros, a estrada do curral, que conduzia ao local escolhido, um prado de erva alta e fresca, com um regatinho ali perto. Traçado o perímetro do curral, começaram os colonos por levantar uma paliçada alta e resistente e, a seguir, os alpendres para abrigar os animais.
Na parte da frente da cerca, fizeram um portão de dois batentes e tranca. Enfim, tudo concluído, recolheram, não sem bastantes canseiras, umas quantas dezenas de cabras e carneiros e instalaram-nas na sua nova casa.
Nessas noites de Verão, os colonos tinham por hábito sentar-se à beira do planalto, num banco rodeado de plantas trepadeiras, assim uma espécie de varanda sobranceira ao oceano, que Nab caprichara em arranjar. Conversavam então longamente, fazendo planos e rindo com o bom-humor do marinheiro, gozando a brisa fresca do mar e o seu pequeno mundo, onde a mais perfeita harmonia nunca deixara de reinar.

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