Capítulo 9 _ Brendon

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Finalmente consegui.

Depois de horas tentando achar a saída de uma festa com o som tão alto que meus tímpanos provavelmente estavam destruídos, eu finamente consegui me aproximar da saída. Andei por toda extensão do salão, desviei das pessoas que não queria falar, era parado de segundo em segundo, e quando não podia mandar os seguranças afastá-los, fingia interesse no que falavam, mesmo sem estar prestando atenção em nenhuma de suas palavras.

Fingi beber a bebida cara que serviram, fingi estar bêbado o suficiente pra precisar ir pra casa, e fingi indiferença ao compartilhar o carro com dois bêbados famosos que levavam mulheres para o motel ou suas casas. Fingi estar alucinado o bastante pra não levar nenhuma mulher comigo, para não ter que discutir que eu simplesmente... não estava afim.

Ao que parecia, minha noite resumia-se a uma palavra: fingimento.

Mas não fingi prazer ao finalmente conseguir entrar em minha casa e sentar na bela poltrona, fofa e confortável, no meio da minha enorme sala de estar, arejada e vazia. Por um minuto inteiro eu pude fechar os olhos e desfrutar do silêncio confortável que eu tanto almejara nas últimas horas.

⸺ Brendon, saiu cedo da festa ⸺ Julien Gaillard surgiu de trás da porta de vidro na entrada, seu sotaque francês carregado me despertou. Ele andou sorrateiramente pela extensão do hall de entrada até a sala, as mãos nos bolsos casualmente.

⸺ São uma e quarenta e cinco da manhã, ainda preciso colocar umas coisas em ordem e dormir um pouco ⸺ ele me olhou com curiosidade. ⸺ E eu não estou bêbado. Vou dormir de verdade.

Dei uma espiada lá fora, onde uma mulher loira, magra e alta, se apoiava na porta de vidro que não era o melhor lugar para se esconder. Meu empresário deu uma risadinha.

⸺ Ela é francesa também, temos bastante coisas em comum ⸺ ele começou a se afastar, mas parou no meio do caminho. ⸺ Não precisa se preocupar por enquanto, a garota já confirmou todos os passos, tem mais de 18 anos e mora em Movinie, o que facilita para nós. Mandei a ficha completa dela pra você, analise tudo antes de dormir, como você disse que faria.

⸺ Tenho uma música para acabar, se eu for ter que lidar com gostos peculiares e exigências de uma garota agora... eu não vou conseguir nem pregar os olhos.

Ele voltou a caminhar até estar com um pé dentro e outro fora da sala.

⸺ Dê um jeito ⸺ ele falou, despreocupado, e simplesmente foi embora.

⸺ Mas... ⸺ ele já estava longe demais pra ouvir.

Eu não queria me levantar da poltrona extremamente fofa, meus pés latejavam pelo esforço do dia, fazia tanto tempo que eu não descansava de verdade. Mas eu trocaria facilmente meu descanso por uma oportunidade de escrever. Eu só precisava de um tempo. Daquela madrugada.

Não importava se em alguns dias uma garota ⸺ que eu não fazia ideia de como iria se comportar, o que me assustava um pouco ⸺ estaria em minha casa, e que poderia ser meu tormento pelas próximas duas semanas. Apesar de não ser religioso em extremo, eu já orava a Deus por uma garota calma e contida, pelo menos.

Levantei do estofado com muita indignação e caminhei pelo corredor até chegar à cozinha, Marie devia estar dormindo, assim como Josh e os outros empregados, então apenas me restava para preparar alguma comida. Olhei ao meu redor, a cozinha era tão grande que uma pessoa poderia morar ali dentro tranquilamente, e pela quantidade de comida, não seria uma tarefa difícil.

Peguei um pão de hambúrguer e três tipos de queijos diferentes, a carne redonda foi direto para o micro-ondas enquanto eu fatiava cebola, tomate e alface. Juntei o resto dos ingredientes e peguei refrigerante enquanto esperava a carne ficar pronta. Montei o melhor hambúrguer/sanduíche do mundo e levei para o quarto, feliz da vida.

Se eu havia aprendido uma coisa enquanto morava sozinho por dois anos no começo da carreira, era inovar em formas de comer pão, queijo e carne. Durante seis meses da minha vida, este era o único cardápio que cabia em meu orçamento e agenda cheia de compromissos.

Subi as escadas com dificuldade pelo peso da comida, e fui direto para o quarto, levei a bandeja farta para o criado mudo e quase derrubei o abajur de duzentos dólares que Gaillard me fez comprar no leilão de um falecido cantor, dos mais consagrados do país.

Puxei o móvel pra perto da mesa do computador e comecei a comer, a pasta com as informações da garota estavam ali no meu e-mail, abri apenas para dar uma olhada básica. Seu nome era Haylie Nicols. 18 anos. Estuda no maior colégio estadual de Movinie, fazia o último ano do ensino médio. 1,63 de altura, 52 quilos e nenhuma doença ou alergia descoberta. Gosta de música e sabe tocar algumas notas de violão, é terrível pra cantar e ama comer.

Uma típica descrição. Havia muito mais coisa pra ver, mas isso já bastava. O que poderia dar errado caso eu não soubesse algo mais que isso sobre ela? Nada. Não podia acontecer nada.

Desliguei o computador e peguei meu caderno de música. Havia apenas três linhas preenchidas naquela música que eu queria trabalhar. Eram letras que mais pareciam rabiscos de uma criança de cinco anos. Suspirei. A qualidade da letra era o que menos me incomodava, mas a essência, o amor que deveria ser transmitido por aqueles versos, eu não conseguia sentir nada, nenhuma faísca, nem aquele calor no coração.

Segurei o lápis na posição e esperei. Não veio nada. Minha mente rodopiava com os últimos acontecimentos da semana, a garota fanática que quase invadiu meu camarim no último show, os hackers que tentaram invadir minhas redes sociais de novo, e esse sorteio... Gaillard me persuadiu tão facilmente a aceitar essa ideia estrondosa, como ele mesmo disse, mas agora... agora eu estava a ponto de desistir, eu devia ter ouvido o Josh e pensado melhor nisso.

Levantei da cadeira e caminhei pelo quarto, o tapete enorme e felpudo fez cócegas nos meus pés descalços enquanto passava por ele. A madeira escura do chão fez um barulho em contato com minha pele. Atravessei até o outro lado e puxei as cortinas, uma por uma, até que as cinco enormes janelas de vidro do quarto estivessem descobertas.

Abri uma delas.

A cidade lá fora estava nublada, as luzes das milhares casas tentavam brilhar em meio a névoa, o próprio sol que ia nascendo tentava competir, mas não era tão forte. A lua se foi e as estrelas também, o dia tímido vinha nascendo, nuvens se moviam rápido tomando conta do céu inteiro. Era como uma pintura que refletia meus últimos dias. Assim como na cidade, os meus dias ensolarados estavam escassos, era como se a natureza estivesse conectada comigo, como se ela soubesse o que iria acontecer, como iria acontecer.

Um vento frio me fez fechar a janela e voltar a realidade, a cama já não parecia confortável o bastante, meus versos estavam obscuros e sem sentimentos, o sono que eu prezava tanto, foi embora. Sentei na ponta da cama desolado.

Mas que droga.

Eu não pedi isso. Desde a minha infância, quando o sonho de ser um cantor reconhecido intensificou-se em mim, não era assim que eu me imaginava, aos – praticamente – 21 anos. No começo tudo era tão novo e incrível, eu estava encantado com tudo à minha volta. Eu tinha apenas 17 anos quando tudo começou, quando tudo que me impulsionou a isso aconteceu... tantas memórias, histórias. Balancei a cabeça incapaz de conseguir sentir. Eu não queria sentir.

Desabei o resto do corpo na cama e fechei os olhos bem apertados. Eu queria tanto que tudo parasse, que eu não sentisse esse vazio que estava maior a cada dia. A responsabilidade, a culpa. Eu não conseguia não sentir.

A luz do sol raiou aos poucos. Eu vi as nuvens se mexendo devagar, dando um pequeno espaço à luz, ao dia, ao calor do sol. A inconsciência me tomou aos poucos, mas não sem antes uma pequena parte de mim ter esperança de que o dia de amanhã... seria melhor do que hoje.

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