Capítulo 1 - O Garoto

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Oi. Me chamo Cezar Sartori. Só Cezar mesmo, não Júlio Cezar, por favor.

Isso não é um diário ou coisa do tipo, mas achei digno registrar o que me trouxe até aqui, nesse meu estado lamentável. E percebo que será preciso certa ordem. Então pra começar, eu tenho 17 anos. Vivo a minha vida pacata e tranquilamente. Pacata mesmo. Da escola, pra casa, de casa para o curso técnico de web design, do curso para casa novamente. Entre um e outro às vezes saio com meus amigos Bento e Igor e a irmã chata do Bento, Alice. Eles são tipo, meus parças pra tudo, com quem eu realmente posso contar.

Vivo com minha mãe e meus avós maternos. Meu pai morreu quando eu tinha nove anos numa parada cardíaca, mas não sou traumatizado nem nada, fui muito amado. E meu pai me deixou ótimas lembranças e ensinamentos.

No quesito relacionamentos, só tive duas namoradas. A primeira foi um grande desastre. Queria tanto ter uma e não ser taxado como o cara que não sai com ninguém, que com meus tenros 14 anos namorei Patrícia. Tenho uma palavra para descrevê-la: lunática. Estranhei uma menina tão bonita me aceitar tão depressa, não que eu seja feio, até recebo olhares por aí, apesar de não ter o perfil de um galã de novela ou de anti-herói de serie americana. Mas em time que está ganhando não se mexe...

Ledo engano...

Ela odiava meus quadrinhos, minhas séries favoritas e o bolo de cenoura da minha avó... Quem em seu juízo perfeito pode não gostar daquele manjar dos deuses. Bom, mas aturei ela por quase um ano, porque sim, me importava de mais com o que os outros pensavam... E namorá-la era quase um status.

Então um dia, quando ela falou mal do Tarantino e desonrou Tim Burton bem na minha frente, dizendo que seus filmes eram "perturbados" não deu mais pra mim. Terminamos. Mas até que não foi tão ruim, ela não botou fogo na minha casa... Rasgou um pôster de Matrix, mas eu tinha um extra então não me incomodei.

Passei uns seis meses curtindo minha solteirice em meio aos meus vícios, até que conheci Eduarda. Eu era novo no curso de web design e fui seu parceiro em alguns trabalhos. Ela não levava jeito pra coisa então posso dizer que a ajudei bastante. Seus trabalhos individuais eram tristes. Mas era uma garota divertida e que era fã de Supernatural, logo, assunto não faltava.

Quando fiz 16 anos, Eduarda me chamou para comemorar num parque aquático que seu pai era dono e foi um dos dias mais divertidos da minha vida. Ela também chamou meus amigos e isso só me fez gostar mais dela. Pensei: por que não? E comecei a dar singelas demonstrações de que gostava dela como mais que um amigo. Ela parecia retribuir da mesma forma.

Ledo engano 2.

Começamos a namorar e pareceu que eu havia me tornado uma espécie de empregado. Meus amigos diziam que eu era muito sentimental e devia mostrar quem manda no relacionamento. Mas o que eles sabiam sobre isso a mais que eu? Mais que eu com certeza. Antes que eu terminasse com Eduarda ela terminou comigo, depois de oito meses de namoro. Sim, eu era um pouco acomodado. Ela disse que eu não usava minha criatividade para coisas úteis e tinha um futuro nebuloso. Nebuloso? Eu ri. Mas a coisa toda foi amigável e se eu a ver por aí, vou cumprimenta-la com educação. Ela saiu do curso de web design e foi fazer alemão. É mais a cara dela.

Percebi com o tempo que confiava e acreditava de mais nas pessoas. Então depois dessas experiências um pouco traumatizantes me fechei no meu mundinho, certo de que não viveria um amor hollywoodiano, mas viveria um dia de cada vez.

Como devem ter percebido, sou viciado em cinema. Sempre quis ser cineasta, do tipo que está por dentro de tudo, roteiro, direção, produção. Isso começou aos oito anos ao assistir "O Garoto" com meu pai pela primeira vez. Senti tantas emoções com um filme que era mudo, nem vozes tinha que me impactou. Queria fazer isso com as pessoas também. Além disso, tenho uma mente muito criativa, mal usada segundo Eduarda. O fato é que existem vários roteiros de filmes que eu vou criando na minha mente, a partir de cenas rotineiras que eu observo.

Meus vizinhos discutindo, o assaltante no trem, o pombo cagando na cabeça do guarda, etc. Tudo pode ser um grande estopim para uma ótima premissa. Quem sabe um dia, não veja meu nome como vi naquele filme com meu pai "Directed by Charlie Chaplin".

Você pode ler e pensar "nossa, que chatice Cezar, você é um grande pé no saco, com uma vida mais pé no saco ainda..." você pode ter razão. Há pouco tempo estava numa vibe desértica. Sem inspiração e ânimo para dar forma ao meu projeto de curta metragem. Porque eu já penso em me inscrever no próximo ano numa escola de cinema (que minha mãe não saiba) e ter curtas inscritos em festivais pode me dar pontos para entrar.

Mas isso tudo foi balançado quando conheci minha musa inspiradora, que eu imagino como estrela principal de todas as minhas obras - Conhecer talvez seja uma palavra forte - A vi pela primeira vez no ônibus. Ela começou a pegar o mesmo ônibus que eu e descer depois de uns 20 minutos no ponto da academia. Enquanto eu ainda aguardo mais uns 10 minutos para descer no ponto do curso.

A observo e histórias surgem a partir do modo como ela está. A premissa que surgiu de primeira ao vê-la tão compenetrada olhando a janela, foi um filme de ação. Algo que envolvesse perseguição e que tivesse um ônibus no meio e claro, uma bela loira, minha musa.

Outro dia, ela pareceu estressada e balançava o pé com ansiedade. Pensei num possível drama familiar como pano de fundo da ação.

Chego em casa no fim da tarde e escrevo minhas ideias. Comentei com meus amigos e eles acharam graça, mas me desejaram sorte para que a loira não desaparecesse e com ela minha inspiração. Deus me livre, isso não pode acontecer. As semanas foram se seguindo e agora meu curta já tem uma primeira parte de seu roteiro.

Hoje, domingo, foi aniversário de Igor, encontrei ele e Bento com Alice a tira colo, a qual não via a algum tempo. A última vez que a vi estava entrando na adolescência numa fase rockeira rebelde terrível, temos uns quase dois anos de diferença na idade. Sua mãe a mandou para passar uns tempos na casa do pai, já que eram separados. Uns tempos, tipo três anos. Acabou mudando de escola também...

Nossa relação sempre foi na base da implicância. Conheço Bento desde os seis anos e ele era obrigado a levar Alice onde quer que fôssemos. Isso me irritava. Ela era um bebê chorão. Com os anos nossa implicância aumentou um pouco e nos afastamos. Mas, ao mesmo tempo, se os moleques da rua a perturbassem em sua fase nerd de aparelhos e óculos, eu estava lá para defendê-la com Bento e quando eu estava triste com saudades do meu pai, ela deixava cupcakes na minha porta. Por causa de Bento e Alice, não sei exatamente o que é ser filho único. E isso foi bom.

Na festa de Igor, Alice parecia uma mistura de suas facetas nerd e rockeira, com seus óculos de grau, camisa do Metálica e saia jeans rasgada, mostrando sua pernas torneadas (sempre foram assim?). Seu cabelo castanho está diferente, longo, ondulado, mas repicado. Quero deixar claro que só reparei nesses detalhes, pois sou uma pessoa observadora.

Ela ouviu meu papo sobre meu curta e a musa inspiradora bufando e revirando os olhos. Ela não entende. Sensibilidade zero. Bento sempre quis que fôssemos como os mosqueteiros, super amigos, mas não dá, até tentei um bom diálogo hoje. Com Igor ela foi uma flor de pessoa e só sorrisos, deve ter uma queda por ele, não é normal ser tão gentil assim. Mas isso não é da minha conta.

Agora já é meia-noite. Daqui a algumas horas verei minha musa novamente e pretendo começar a segunda parte de meu roteiro.

...


(No) Directed By Cezar SartoriOnde histórias criam vida. Descubra agora