Capítulo 5 - Esquadrão Suicida

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Mais uma tarde de sol, estou no ponto torcendo para que meu ônibus venha com ar condicionado. A senhorinha atrás de mim na fila reclama dizendo que é tudo culpa dos Estados Unidos, eles são os poluidores do mundo segundo ela, que está terminando de comer seu saquinho de amendoim. Viro-me para ela e aceno com a cabeça, a vejo amassar seu saquinho e jogar no chão ainda chateada.

Vejo minha musa entrar na pequena fila, no instante em que o ônibus (sem ar condicionado) chega e ignoro a hipocrisia da anciã. De óculos escuros novamente, minha musa está com uma camisa branca de mangas compridas. Como ela está aguentando nesse calor?

Todos sobem e o ônibus parte. Começo a colocar minha mente criativa para funcionar. Mas há algo de errado. Minha musa parece triste, ela está sentada sozinha no lugar de sempre. Penso em me sentar ao seu lado, mas desisto...

Não sei explicar, sinto-me culpado em usar a tristeza dela para me inspirar em alguma coisa. Eu também não estou bem, as palavras de Alice ainda não saíram da minha cabeça. Mexo um pouco no celular para me distrair, indo até o santo buzzfeed encontrar um pouco de alegria.

De repente o ônibus freia de maneira brusca, com um grande solavanco. Celulares caem, pessoas xingam e minha musa se abaixa para pegar seu óculos. Então eu vejo seus olhos e inconscientemente minha boca abre. Há uma mancha roxa ao redor de seu olho direito. Ela puxa as mangas da camisa e se abana. Há manchas em seus braços também.

O que aconteceu com ela? Não parecem marcas de um acidente, ou queda, são hematomas... Será que ela apanhou? Mas de quem? Que ser terrível faria isso? Uma centelha de raiva cresce dentro de mim. Mil suposições circundam meus pensamentos. Uma rápida premissa de filme surge em minha mente, sobre uma loira delicada que participa de um clube de luta noturno secretamente.

Afasto rapidamente este pensamento, recriminando a mim mesmo. Minha musa está passando por problemas e eu aqui... Inventando coisas. Passo as mãos pelo rosto. Dou-me conta que o ônibus já está em movimento. Na verdade já faz um tempo e ela já está recomposta com seus óculos e as mangas esticadas novamente. Sinto uma vontade enorme de perguntar o que houve e como posso ajudá-la, mas ela acharia que sou louco. Não faria sentido. Seu ponto chega e ela desce. Não posso fazer nada.

Meus pensamentos sobre essa situação dominam o decorrer da minha tarde, me fazendo vegetar na aula do curso. Volto para casa com a mente cansada, tomo um banho demorado e vou para cozinha procurar algo para comer. Deparo-me com Bento conversando com meu avô e anotando o que ele fala num papel. O trabalho de filosofia. Havia me esquecido. Minha avó está passando o café e o cheiro maravilhoso se espalha a nossa volta. Eu amo café.

- Oi Cezar, já ia te chamar – minha avó fala colocando rosquinhas numa bandeja – esse garoto perdido – aponta para Bento - chegou aqui dizendo que precisava de ajuda para fazer um trabalho, daí eu deixei ele entrar, olha essa cara de fome... – minha avó é do time que se diverte implicando com Bento.

- Nossa vó! Coragem sua deixar gente estranha assim dentro de casa...

- Mama mia! E eu não sei? Mas deixa ele comer uma rosquinha que eu despacho já já.

Bento revira os olhos, mas com um sorriso.

- Eu sei que a senhora me ama dona Giovana – ele diz pegando uma rosquinha e enfiando na boca.

- Está vendo Enrico, a gente não pode dar uma abertura que já começam as intimidades – minha avó diz servindo café para meu avô que gargalha.

- Mas é só isso ragazzo? Mais alguma pergunta? – ele diz tomando um gole de café.

- Só isso seu Enrico, muito obrigado!

Todos comemos rosquinhas e bebemos café conversando sobre amenidades. Minha mãe chega com sacolas de supermercado e nos cumprimenta.

- Bento, seu sumido como está? – ela pergunta dando um beijo na cabeça dele.

- Tudo bem tia Lídia – ele abre um grande sorriso para ela – e a senhora, arrasando no mundo dos negócios como sempre?

Minha mãe faz um gesto com a mão expressando modéstia e sorri. Ela gosta muito de Bento. Quando os pais dele se separaram, sua mãe passou uns tempos meio deprimida e muitas vezes Bento ficava lá em casa, não queria ficar com a avó como Alice e minha mãe cuidava dele. Com seu jeito certinho e responsável, ele parece ser o filho que toda mãe sempre quis. Às vezes sinto ciúmes. Mas passa rápido.

Minha mãe senta-se ao meu lado e come uma rosquinha.

- Ei – ela diz com a boca ainda cheia – tenho uma coisa para você.

Ela coloca a mão no bolso do terninho cinza e retira um chaveiro, sem chave, balançando ele na minha frente. É uma câmera de cinema antiga em miniatura. Acho que se eu estivesse sozinho choraria. Cara que lindo! Mas mantive minha pose. Peguei da mão dela e agradeci dando um beijo em sua bochecha. Ela sorriu um pouco surpresa. É, faz tempo que não abraço ou beijo minha mãe.

Ela sabe da minha paixão por cinema, mas acredita ser um robe. Queria que ela pudesse me entender... Mas esse chaveiro vai ficar com um significado especial para mim.

Depois de Bento conversar com minha mãe sobre o trabalho de filosofia, vamos para meu quarto ligar o computador. Ele quer ver minha reação ao assistir o trailer de Esquadrão Suicida. Estávamos criando muita expectativa sobre isso, Bento já viu e disse que gostou, vamos ver o que me aguarda.

Fico extasiado. Que trailer foi esse? E a música ao fundo? O novo coringa... E o mais importante: Arlequina... Ual.

- Exatamente... – Bento diz diante da minha expressão.

- Preciso arrumar um emprego – digo pensando nos gastos que terei com o cinema nos próximos meses.

Bento ri. Depois de falarmos um pouco sobre nossas teorias do que vai acontecer no filme, conto a Bento sobre a situação do ônibus e os hematomas em minha musa. Bento fica chocado, ele é totalmente contra violência, a não ser que seja para defender alguém. Compartilho com ele minha sensação de impotência e ele me incentiva a me aproximar da minha musa de alguma maneira, nem que seja como o cara do ponto de ônibus que pergunta as horas.

Quando ele estava indo embora o lembro de falar com a mãe dele sobre o trabalho de filosofia, gostaria de fazer as perguntas para ela, já que não podemos repetir as pessoas, nem usar colegas de turma e Bento já perguntou para meu avô e minha mãe. Vou perguntar para minha avó, para a mãe dele, se ela puder, e depois arrumo uma pessoa de outra geração.

[...]

Acho que ver o trailer e reler alguns quadrinhos bagunçou meus neurônios, porque tive um sonho muito doido. Um homem sacudia uma mulher num beco mal iluminado e ela chorava. Ao perceber por uma sombra que alguém se aproxima ele vira-se. Não consigo ver o rosto do homem, nem da mulher, mas sei que eu sou o dono da sombra. Eu o puxo e dou um soco de direita nele. Ele cambaleia para trás, mas volta com tudo para mim e ambos caímos sobre sacos de lixo. No chão, rolamos e levo socos na barriga até que consigo dominá-lo e ficar sobre ele.

- Por favor! Tenha misericórdia! – o homem fala e eu rio.

- Eu não vou te matar. Só vou te deixar muito, muito machucado – eu digo.

Dou mais socos até ele desmaiar – só em sonho mesmo – levanto e a mulher me abraça rápido ainda soluçando, não consigo vê-la. Sem me soltar ela aproxima o rosto do meu e me beija lenta e profundamente, coloco as mãos na cintura dela de forma automática. Quando me solta vejo que é... Alice, com o cabelo em maria-chiquinha como o de Arlequina e um sorriso sedutor.

Acordo num susto ao som de dingle simple bel e me sento na cama.

Minha respiração está desregulada como se tivesse tido um pesadelo com Freddy Krueger.

Pego o celular. Seis e meia da manhã.

Me jogo no travesseiro novamente e me levanto rápido logo depois, ao perceber que meus olhos queriam fechar e sonhar outra vez.

...

(No) Directed By Cezar SartoriOnde histórias criam vida. Descubra agora