5 Capítulo

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A porta se abre a um abismo.
Não há cor, não há luz, não há promessa de qualquer coisa se não
horror do outro lado. Sem palavras. Sem direção. Apenas uma porta
aberta que significa a mesma coisa todo o tempo.
A companheira de cela tem perguntas.
- Mas que diabos? - Ela olha para mim e depois para a ilusão da
fuga. - Estão nos deixando sair?
Eles nunca nos deixarão sair.
- É hora do banho.
- Banho? - Sua voz perde a inflexão, mas ainda é entremeada de
curiosidade.
- Não temos muito tempo - digo a ela. - Temos de nos apressar.
- Espere, o quê? - Ela alcança meu braço, mas eu me afasto. -
Mas não tem luz... nem podemos enxergar para onde vamos...
- Depressa. - Concentro os olhos no chão. - Pegue na barra da
minha camisa.
- Do que você está falando?...
Um alarme soa a distância. Um zunido ressoa mais próximo na
segunda vez. Logo toda a cela está vibrando com o aviso e a porta está se fechando. Agarro sua camisa e, perto de mim, arrasto-a para a escuridão.
- Não. Diga. Nada.
- Ma...
- Nada - digo em um zumbido surdo. Puxo sua camisa e ordeno-
lhe que me siga como se eu sentisse o caminho pelos labirintos da
instituição psiquiátrica. É um lar, um centro para jovens problemáticos,
para crianças abandonadas de famílias desmanteladas, um lar seguro para os perturbados psicologicamente. É uma prisão. Eles nos alimentam com nada e nossos olhos nunca veem um ao outro, exceto às raras brechas de
luz que se infiltram pelas fendas de vidro que eles fingem serem janelas.
Noites são rasgadas por gritos e soluços tortuosos, lamentos e choros
atormentados, os ruídos de carne e osso rompendo-se, se à força ou por
opção não dá para saber. Passei os três primeiros meses na companhia de meu próprio fedor. Ninguém nunca me disse onde ficavam os banheiros e chuveiros. Ninguém nunca me disse como funcionava o sistema.
Ninguém fala com você a menos que seja para comunicar más notícias.
Ninguém toca em você de modo nenhum. Garotos e garotas nunca se
encontram.
Nunca até hoje.
Não pode ser coincidência.
Meus olhos começam a se ajustar ao manto artificial da noite. Meus
dedos sentem o caminho através dos corredores acidentados, e a
companheira de cela não diz uma palavra. Estou quase orgulhosa dela.
Ela é quase dois centímetros maior do que eu; seu corpo, forte. O mundo
ainda não o arrasou. Tamanha a imunidade na ignorância.
-Dou-lhe um puxão mais forte na camisa para impedi-la de falar. Os


corredores ainda estavam escuros. Sinto a estranha necessidade de


protegê-la, esta pessoa que poderia me quebrar com dois dedos. Ela não


percebe o quanto esta ignorância a torna vulnerável. Ela não percebe que

poderiam matá-la por motivo nenhum.


Decidi não ter medo dela. Decidi que suas ações eram mais imaturas


que ameaçadoras. Ela parece tão familiar tão familiar tão familiar. Uma

vez conheci uma garota com os mesmos olhos castanhos e minhas lembranças

não me permitem que a odeie.


Talvez eu gostasse de um amiga.


Mais um metro e meio até a parede que vai do áspero ao liso e então


viramos à direita. Um pouco mais de meio metro de espaço vazio antes


de chegarmos a uma porta de madeira com uma maçaneta quebrada e um


punhado de lascas. Três batimentos cardíacos até termos certeza de que


estamos sozinhos. Um passo adiante para empurrar a porta. Um suave


rangido, e a fenda se alarga para revelar nada senão o que imagino que

pareça este espaço.


- Por aqui - sussurro.


Puxo-a rumo à fila de chuveiros e vasculho o chão em busca de


quaisquer pedaços de sabonete pousados no ralo. Encontro dois pedaços, um duas vezes maior que o outro.


- Abra sua mão - digo na escuridão. - É gosmento. Mas não o


deixe cair. Não tem mais sabonete e tivemos sorte hoje.


Ela diz nada por alguns segundos e começo a me preocupar.

Estilhaça-me (camren)Onde histórias criam vida. Descubra agora