19 Capítulo

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Não tenho tempo de formular uma resposta antes de ele se voltar a Camila . - Mostre-lhe o que ela está perdendo, está bem? Camila responde com um batimento de atraso. - Senhor? - Isso é uma ordem, soldada. - Os olhos de Warner estão voltados para mim, seus lábios contorcendo-se em contido divertimento.
- Você não pode me tocar - cuspo com os dentes cerrados. -Errada - diz ele em ritmo monótono. Ele joga para Camila um par de luvas pretas. - Você vai precisar dessas - diz ele em um sussurro conspiratório. - Você é um monstro. - Minha voz é demasiado precisa; meu corpo cheio de repentina fúria. - Por que você simplesmente não me mata? - Isso, minha querida, seria um desperdício. - Ele avança e eu percebo que suas mãos estão cuidadosamente revestidas de luvas de couro branco. Ele inclina meu queixo para cima com um dedo. - Além disso, seria uma pena perder um rosto tão bonito. Tento desvencilhar meu rosto dele, mas a mesma bota com biqueira de aço dá um pontapé na minha coluna e Warner pega meu rosto em suas garras. Contenho um grito. - Não lute, amor. Você apenas tornará as coisas mais difíceis para si mesma. - Espero que você apodreça no inferno. Warner flexiona sua mandíbula. Ele levanta a mão para impedir que alguém atire em mim, chute-me no baço, rache meu crânio, não faço ideia. - Você luta para o time errado. - Ele se levanta ereto. - Mas podemos mudar isso. Camila - chama ele - não tire os olhos dela. Ela agora é sua responsabilidade. - Sim, senhor.

Camila veste as luvas, mas não toca em mim. - Alivie com ela, Roland. Assumo daqui. A bota desaparece. Faço um esforço para levantar-me e olho fixamente para o nada. Não penso no horror que me aguarda. Alguém chuta a parte posterior de meus joelhos e eu quase tropeço no chão. - Anda - uma voz rosna de trás. Levanto os olhos e percebo que Camila já está indo embora. Eu a devia estar seguindo. Uma vez que estamos de volta à familiar cegueira dos corredores do hospício, ela, enfim, para de andar. - Lauren. Uma palavra suave e minha articulações são feitas de ar. Não lhe respondo. - Pegue minha mão diz ela. - Nunca - enfrento-a, entre tomadas entrecortadas de oxigênio. - Jamais. Um suspiro carregado. Sinto-o deslocar-se na escuridão e logo seu corpo está muito perto, irresistivelmente perto do meu. Sua mão está na parte inferior das minhas costas e ela está me guiando pelos corredores em direção a um destino desconhecido. Cada centímetro de minha pele está enrubescendo. Tenho de me segurar ereta para evitar que caia para trás em seus braços. A distância que estamos andando é muito maior do que eu esperava. Quando Camila finalmente fala, suspeito que estejamos perto do fim. - Vamos para o lado de fora - diz ela no meu ouvido. Tenho de cerrar os punhos para controlar os frêmitos no coração. A sensação de sua voz me distrai tanto que quase não compreendo o significado do que ela está dizendo. - Só achei que você devesse saber. Uma audível tomada de ar é minha única resposta. Há quase um ano não piso do lado de fora. Estou dolorosamente excitada, mas há tanto tempo não sinto a luz natural sobre a pele que não sei se sou capaz de suportá-la. Não tenho escolha. O ar é o primeiro a me alcançar. Nossa atmosfera tem pouco do que se orgulhar, no entanto, depois de tantos meses em um recanto de concreto, mesmo o oxigênio desperdiçado da nossa Terra agonizante tem gosto de céu. Não posso inalar rápido o bastante. Encho meus pulmões com a sensação; avanço para o meio da leve brisa e agarro um punhado de vento conforme ele tece seu caminho por entre meus dedos. Felicidade diferente de tudo que já conheci. O ar é fresco. Um refrescante banho de nada tangível que faz arder meus olhos e rebenta em minha pele. O Sol está alto hoje, cegando ao refletir nas pequenas manchas de neve que mantêm a terra congelada. Meus olhos se comprimem ao peso da luz e eu não consigo ver senão através de duas fendas, mas os raios quentes banham minha pele como um casaco ajustado à minha forma física, como o abraço de algo maior que um ser humano. Poderia permanecer parada neste momento para sempre.
Por um infinito segundo, sinto-me livre.
O toque de Camila me devolve à realidade. Quase pulo de medo e ela pega minha cintura. Tenho de implorar aos meus ossos para que parem de tremer. - Você está bem? - Seus olhos causam-me surpresa. São os mesmos de que me recordo, castanhos da cor da terra. Suas mãos estão delicadas tão delicadas em volta de mim. - Não quero que você toque em mim - minto. - Você não tem escolha. - Ela não olha para mim. - Sempre tenho uma escolha. Ela passa uma mão pelo cabelo e engole o nada em sua garganta. - Siga-me. Estamos em um espaço em branco, um campo vazio cheio de folhas mortas e árvores agonizantes tomando pequenos tragos da neve derretida no solo. A paisagem foi destruída pela guerra e pelo esquecimento e, ainda assim, é a coisa mais bonita que vejo em muito tempo. Os soldados e soldadas interrompem a marcha para observar Camila abrir a porta de um carro para mim. Não é um carro. É um tanque. Olho para a carcaça de metal maciço e tento escalar a lateral enquanto Camila está atrás de mim. Ela me eleva pela cintura e eu começo a ofegar enquanto ela me acomoda no assento. Em pouco tempo estamos dirigindo em silêncio e não faço ideia de para onde estamos indo.

Estilhaça-me (camren)Onde histórias criam vida. Descubra agora