Capítulo 42

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- Cada suspiro que eu dou é monitorado. Há guardas situados em intervalos de um metro e meio por todos os corredores. Nem mesmo
tenho acesso ao meu próprio quarto - protesto. - As câmeras não vão fazer diferença. Um estranho tipo de divertimento dança em seus lábios.
- Você não é exatamente estável, você sabe. Você está sujeita a matar alguém.
- Não. -Aperto meus dedos. - Não... não mataria.., eu não matei Carlos....
- Não estou falando de Carlos. - Seu sorriso é um tonel de ácido gotejando em minha pele. Ele não para de olhar para mim. Sorrir para mim. Torturar-me com seus olhos. Esta sou eu, gritando silenciosamente com a mão cerrada.
- Aquilo foi um acidente. - As palavras despencam-se da boca tão e, tão rapidamente, que nem mesmo sei se na verdade falei ou se verdade ainda estou aqui ou se na verdade tenho 14 anos tudo de novo e mais uma vez e estou gritando e morrendo e mergulhando em um lago de lembranças que nunca jamais jamais jamais jamais...
Não consigo esquecer. Eu a vi no supermercado. Suas pernas estavam cruzadas nos tornozelos, seu filho estava em uma coleira que ela pensava que ele pensava ser uma mochila. Ela pensava que ele era burro demais/jovem demais/imaturo demais para entender que a corda amarrando-o ao pulso dela fosse um instrumento destinado a aprisioná-lo em seu círculo desinteressado de autoaprovação. Ela é jovem demais para ter um filho, para ter essas responsabilidades, para ser enterrada por uma criança que tem necessidades que não se acomodam às suas. Sua vida é tão incrivelmente insuportável tão imensamente multifacetada tão glamorosa para a encoleirada herança de seus quadris, que é mesmo natural que não compreenda. Crianças não são estúpidas, era o que eu queria dizer a ela. Queria dizer a ela que o sétimo grito dele não significava que ele estava tentando ser insolente, que a décima quarta repreensão dela na forma de pirralho/você é um pirralho/você está me envergonhando seu pirralho/não faça contar para o papai que você estava sendo um pirralho‖ era desnecessária. Eu não pretendia assistir, mas não pude me abster. Seu rosto de três anos de idade enrugava-se de dor, suas mãozinhas tentavam desfazer as correntes que ela amarrara a seu peito e ela o puxava tão forte que ele caía e chorava e ela lhe dizia que ele merecia isso. Queria perguntar a ela por que fazia aquilo. Queria perguntar a ela tantas coisas, mas não o fiz porque não falamos mais com as pessoas, porque dizer alguma coisa a um estranho é mais estranho que não dizer nada a um estranho. Ele caiu no chão e se contorceu até que larguei tudo das mãos e perdi cada expressão de meu rosto. Lamento muito - é o que nunca disse para seu filho.
Pensei que minhas mãos estivessem ajudando.
Pensei que minhas mãos estivessem ajudando.
Pensei em tantas coisas.
Eu nunca
nunca
nunca
nunca
nunca pensei.
- Você matou um garotinho.
Estou pregada na cadeira aveludada por um milhão de memórias e sou assombrada por um horror que minhas mãos nuas criaram e recordo-me a todo momento de que sou desprezada por uma boa razão. Minhas mãos podem matar pessoas. Minhas mãos podem destruir tudo.
Não deveria ter permissão para viver.
-Eu quero - arquejo, lutando para engolir o punho alojado na garganta-, eu quero que você se livre das câmeras. Livre-se delas ou morrerei lutando com você por esse direito.
- Finalmente! - Warner levanta-se e entrelaça as mãos como a congratular a si mesmo. - Ficava me perguntando quando você acordaria. Andei esperando o fogo que sei que deve estar queimando-a todo santo dia. Você está enterrada em ódio, não é? Raiva? Frustração? Coçando para fazer alguma coisa? Para ser alguém?
-Não.
- Claro que você está. Você é exatamente como eu.
- Odeio você mais do que jamais entenderá.
- Faremos uma excelente equipe.
- Não somos nada. Você é nada para mim...
- Sei o que você quer. - Ele se inclina, baixa o tom de voz. - Sei o que seu coraçãozinho sempre almejou. Posso lhe dar a aceitação que você procura. Posso ser seu amigo.
Congelo. Hesito. Não consigo falar.
- Sei tudo sobre você, amor. - Ele sorri malicioso. - Há muito tempo quero você. Sempre esperei que estivesse pronta. Não vou deixá-la ir assim tão fácil.
- Não quero ser um monstro - digo, talvez mais por minha causa do que por ele.
- Não lute contra o que você nasceu para ser. - Ele pega meus ombros. - Pare de deixar todo mundo dizer o que é errado e certo.
Reivindique! Você se encolhe quando poderia conquistar. Você tem muito mais poder do que tem ideia e, muito francamente, estou - ele sacode a cabeça - fascinado.
- Não sou sua aberração - disparo. - Não vou representar para você. Ele aperta os braços ao redor dos meus e eu não consigo me esquivar. Ele se inclina perigosamente próximo a meu rosto e eu não sei por que, mas não consigo respirar.
- Não tenho medo de você, minha querida - diz ele calmamente.
- Estou completamente encantado.
- Ou você se livra das câmeras, ou encontrarei e quebrarei cada uma
delas. - Sou uma mentirosa. Estou mentindo entredentes, mas estou com raiva e desesperada e amedrontada. Warner quer me transformar em um animal que se aproveita dos fracos. Dos inocentes. Se ele quer que eu lute do seu lado, ele terá de lutar comigo primeiro. Um sorriso lento estende-se por seu rosto. Ele toca minha bochecha com seus dedos enluvados e, pegando meu queixo, inclina minha cabeça para cima, quando então recuo.
- Você é absolutamente deliciosa quando está com raiva.
- Uma pena que meu gosto é tóxico para você. - Estou tremendo de nojo da cabeça aos pés.
- Esse detalhe torna este jogo ainda mais fascinante.
- Você é doente, você é muito doente... Ele ri e solta meu queixo apenas para catalogar as partes de meu corpo. Seus olhos desenham um caminho preguiçoso por sua extensão e eu sinto a súbita vontade de arrebentar seu braço.
- Se eu me livrar de suas câmeras, o que você fará para mim? -
Seus olhos são mal intencionados.
-Nada.
Ele sacode a cabeça.
- Isso não funciona assim. Eu posso concordar com sua proposta se você concordar com uma condição.
Travo o maxilar.
- O que você quer?
O sorriso é maior que antes.
- É uma questão perigosa.
-Qual é a sua condição? - Esclareço, impaciente.
-Toque em mim.

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⏰ Última atualização: Jun 17, 2016 ⏰

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