Capítulo 6 - Elinor

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A casa de repouso ficava há duas horas de carro de onde eu morava. O caminho se foi silencioso enquanto passávamos por estradas de cimento e terra batida. Os dois enfermeiros que me ladeavam estavam impassíveis, como se não sentissem emoções, mas mantiveram seus braços cruzados, o que entendi como o mínimo de compaixão que deviam a mim por estar com uma camisa de força. Isso me acalmou um pouco. Talvez sanatórios não fossem tão ruins quanto eu ouvira falar.

Lyzander lia enquanto a estrada passava por baixo dos pneus e eu pensava em meus livros em casa. Esperava que Mara continuasse limpando para que não atraísse traças em meus tesouros e pensei em meu novo livro que eu nem chegara a concluir. Então pensei em Pete, logo depois pensei em Bram e em como eles não fizeram nada para impedir que eu fosse levada. Mas por que? Não conseguia entender. Bram estava bem ali!

Respirei fundo, mas minha posição restrita tornou a ação um tanto dolorosa então tive de me resignar a curtas inspirações enquanto tentava entender minha situação.

-Estamos quase chegando. –Lyzander disse em certo ponto, mas não me importei em responder, concentrada em alguns padrões no banco do motorista que pareciam formar rostos ou animais e me dediquei a encontrar todos os desenhos no estofado até que chegássemos.

O prédio era cercado de um muro alto com arame farpado no topo. Tudo era pintado de branco exceto por bancos de cor marrom sob árvores onde algumas pessoas sentavam. Os pacientes usavam camisolas, alguns com a camisa de força por cima, todos descalços. Enfermeiros transitavam de olho nos pacientes, a maioria apenas apreciava a tarde, outros de fato faziam seu trabalho.

Um caminho de cascalho branco seguia por meio quilômetro de gramado do muro até a entrada do hospital. Quando o enfermeiro parou o carro, eu desci ao lado do enfermeiro da direita e esperei ser levada para dentro. Os enfermeiros me ladeavam, apoiando-me ereta, enquanto o doutor guiava o caminho.

-Temos uma hora de terapia conjunta todas as manhãs as oito, logo depois do café da manhã, uma enfermeira a acompanhará quando for sua reunião, você terá terapia particular por uma hora toda noite depois do jantar e a tarde, faremos os procedimentos cabíveis para o seu caso. –Ele ia explicando enquanto eu observava criaturas catatônicas em cadeiras ou nos corredores estéreis. –Você terá um quarto próprio e ficará sem a camisa de força, a não ser que dê trabalho, entendido? –Ele perguntou olhando para mim. Acenei com a cabeça brevemente enquanto observava uma aranha correndo pelo teto de gesso.

Fui empurrada para dentro de um dos quartos e depois de ser liberta da camisa de força, os enfermeiros partiram enquanto eu esfregava meus braços forçando o sangue a voltar a circular. Além de uma cama de solteiro, o quarto contava com uma cômoda pequena de quatro gavetas, uma janela com grades de ferro do lado de fora e um banheiro simples. Sobre a cama estava uma camisola enrolada e um par de chinelos macios brancos. Consegui com primazia conter o choro até que o doutor Lyzander fechasse a porta, quando o clique da tranca ecoou pelo cômodo, um soluço dolorido também o fez.

Chorei por algum tempo, sentada no chão com as costas apoiadas na cômoda. A dor da traição me consumiu pelo que pareceram horas antes que uma enfermeira aparecesse e rudemente me forçasse a tomar banho e trocar de roupa para a camisola do hospital. Ela penteou meus cabelos e o prendeu molhado em uma trança simples e puxara alguns fios na frente para cobrir a cicatriz que cobria o lado esquerdo do meu rosto.

-Se você se comportar direitinho, podemos até deixar que você use suas próprias roupas, se houver alguém que as traga para você. Você será boazinha? –A enfermeira perguntou e dei de ombros. Não me importava mais que vissem a monstruosidade que eu era. A quem eu impressionaria aqui? Bram estava lá fora e ele nunca parecera se importar. –Se seguir as regras, vai ver que não é tão ruim aqui. Agora vamos. –Ela disse me dando um empurrãozinho na direção da porta e a olhei, confusa. –Nem todos os enfermeiros são pacientes como eu, menina, está na hora do jantar, vamos.

Eu a segui, quieta pelos corredores memorizando o caminho. Direita, direita, esquerda direita. Eu puxava meus dedos um por um, o medo me consumia ao invés da dor agora e eu aproveitava a letargia que aquilo me proporcionava. Era como meu primeiro dia na escola de novo e eu estava a caminho da sala de aula pela primeira vez.

-Depois do jantar, virei buscá-la para a sua terapia particular. Agora, você entra na fila e pega uma bandeja e vão servir o jantar nela, entendeu? –Fiz que sim com a cabeça e ela me empurrou na direção da fila.

Não gostava de ser empurrada, mas havia decidido cooperar, assim eles perceberiam que eu não pertencia aquele lugar e poderia sair, talvez fosse para Chicago com Melissa, não queria voltar para casa nunca mais. Eu não era louca, não era como minha mãe. Não poderia ser como minha mãe.

Eu estava tão assustada e confusa que pouco me importei com o angu nojento que colocaram em minha bandeja dizendo ser mingau. Sentei ao lado de uma pessoa catatônica que não puxaria conversa comigo e comi quietamente meu jantar. Mingau grudento de aveia e suco cor de rosa, que parecia limonada, mas não tinha gosto de nada. Terminei mais rápido do que pensei e fiquei sentada ali observando ao redor enquanto esperava minha enfermeira.

Em meus livros, sanatórios eram locais sinistros, caindo aos pedaços e com todo o tipo de gente estranha andando e se debatendo. Aqui, as paredes estavam bem rebocadas e pintadas e todos os cômodos eram bem iluminados, mas ainda tinha todo tipo de gente estranha andando e se debatendo pelos corredores. Algumas pessoas vieram para minha mesa, sentaram-se, comeram seus jantares e se foram sem precisar esperar por uma enfermeira e me senti desconfortável por precisar de uma.

Foi quando percebi minha enfermeira chegando, mas trazendo outra paciente ao seu lado. Uma mulher de cabelo desgrenhado escuro e curto com algumas falhas próximo ao couro cabeludo. Ela tinha espasmos curtos e frequentes na cabeça e nas mãos e a enfermeira sinalizou para que eu esperasse enquanto ela acompanhava a mulher, a sentava e dava de comer devagar em minha mesa. As mãos da mulher tinham grandes cicatrizes, parecidas com as minhas próprias e quando ela ergueu o olhar para observar ao redor, seus olhos arregalados pararam nos meus. Seus olhos eram um espelho para os meus igualmente assustados e horrorizados e no mesmo tom de bronze dos meus.

Inquieta, ela se debateu e lutou contra a enfermeira, e acabou sendo arrastada numa camisa de força para longe da sala de jantar sem terminar seu mingau.

-Conhece ela, menina? –A enfermeira perguntou, finalmente olhando em minha direção. –Responda quando falam com você!

Eu ainda estava em choque pelo que vira. A mulher chorava enquanto era arrastada por dois enfermeiros para sabe-se lá onde e eu observava o umbral da porta pelo qual eles passaram. Acenei positivamente para a enfermeira que pareceu pensar um pouco.

-Elinor Balmer. –Ela disse. –Já foi uma mulher muito bonita. Agora é só aquilo lá que você viu. –Ela dissera com proporções iguais de nojo e pena na voz aguda. Engoli em seco.

-Ela é minha mãe. 


~Na mídia, a imagem de Elinor, ou pelo menos como eu imaginei ela.~

Queimada ( #2 Duologia Arruinada)Onde histórias criam vida. Descubra agora