3. rules

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  Play.

  — Olá, meninos e meninas. Quem fala aqui é Camila Cabello. Ao vivo e em estéreo.

Não acredito.

  — Sem promessa de retorno. Sem bis. E, desta vez, sem atender aos pedidos da platéia.

Não posso acreditar. Camila Cabello se matou.

  — Espero que vocês estejam prontos, porque vou contar aqui a história da minha vida. Mais especificamente, por que ela chegou ao fim. E, se estiver escutando estas fitas você é um dos motivos.

Que? Como assim?

  — Não vou dizer qual fita tem a ver com sua participação na história. Mas, não precisa ter medo. Se você recebeu essa caixinha bonitinha, seu nome vai aparecer. Eu prometo Afinal, uma garota morta não mentiria. Espera aí! Isso está parecendo uma piada. Por que uma garota morta não mentiria? Resposta: porque ela não pode mais falar!

Será que é um bilhete de suicídio às avessas?

  — Vai, pode rir. Tudo bem. Eu achei engraçado

Antes da Camila morrer, ela gravou este monte de fitas. Mas por quê?

  — As regras são bem simples. São só duas. Número um: você escuta. Numero dois: você repassa. Espero que nenhuma delas seja fácil para você.

— O que você está ouvindo? - escuto uma voz bem ao meu lado.

— Mãe! - Levanto rápido e aperto várias teclas ao mesmo tempo. — Mãe, você me assustou! Não é nada. É só um trabalho de escola.

   Minha resposta automática para tudo. Vai sair e voltar tarde? Trabalho de escola. Preciso de mais dinheiro? Trabalho de escola. Agora, as fitas de uma menina. A menina que engoliu um monte de comprimidos há duas semanas.

— Trabalho de escola.

— Posso ouvir?

— Não é meu.- Arrasto a ponta do pé no chão. — Estou ajudando uma amiga. É de história. E é chato.

— Se é assim, então você é mesmo uma boa amiga. - Ela se apóia no meu ombro ergue um trapo empoeirado, uma das minhas velhas fraldas de pano, e tira uma fita métrica guardada embaixo. Beija minha testa.

— Vou te deixar em paz.

   Espero a porta se fechada, coloco o dedo sobre o play. Meus dedos, minhas mãos, meus braços, meu pescoço, tudo em mim parece oco. Sem forças para apertar um simples tecla. Pego a fralda e jogo sobre a caixa de sapatos para tirá-la da minha visão. Queria nunca ter visto aquela caixa, nem as setes fitas dentro dela. Apertar o play a primeira vez foi fácil. Moleza. Não tinha ideia do que ouviria. Mas, agora, é uma das coisas mais assustadoras que já fiz.

  — Número um: você escuta. Número dois: repassa. Espero que nenhumas delas seja fácil para você. Quando terminar de ouvir os treze lados - porque há treze lados para toda história - rebobine as fitas coloque-as de volta na caixa e repassa-as para quem vier depois da sua história. E você, que é o felizardo número treze, pode levar as fitas direto para o inferno. Dependendo da sua religião, talvez eu encontre você por lá. Caso você se sinta tentado a romper as regras. Saiba que fiz uma cópia das fitas. Essas cópias serão liberadas de uma maneira bem escandalosa se o pacote não passar por todos vocês. Não tomei essa decisão no calor do momento. Não me menosprezem, mais uma vez. Não de modo algum ela poderia pensar nisso. Vocês estão sendo observados.

   Meu estomago se contrai todo, pronto para me fazer vomitar se eu deixar. Perto de mim tem um balde plástico, de cabeça para baixo, em cima de um banquinho.

   Com dois passos posso alcançar a sua alça e virá-lo para cima, se precisar. Eu mal conhecia Camila Cabello. Quer dizer, queria conhecê-la. Queria conhecê-la melhor, mas não tive muita oportunidade.

   No verão, trabalhamos juntas no cinema. Não faz muito tempo, ficamos numa festa. Mas não tivemos oportunidade de nos aproximar. E nunca a menosprezei. Nunca. Essas fitas não deveriam estar aqui. Não comigo. Só pode ser engano. Ou uma brincadeira de mau gosto.

   Puxo a lata de lixo, arrastando-a. apesar de já ter olhado uma vez, observo o embrulho de novo. Deve ter um endereço de remetente em algum lugar. Talvez não tenha enxergado. As fitas do suicídio da Camila estão passando de mão em mão. Alguém fez uma copia e me mandou só para me zoar. Amanhã, na escola, alguém vai rir ou dar um sorrisinho malicioso e desviar o olhar. Aí eu vou saber. E então? O que vou fazer? Eu não sei.

  — Quase que me esqueço, se você estiver na minha lista, deve ter recebido um mapa.

   Deixo o embrulho cair de novo no lixo. Eu estou na lista. Algumas semanas atrás, alguns dias antes da Camila tomar os comprimidos, enfiaram um envelope pela fresta do meu armário na escola.

   No lado de fora do envelope estava escrito em caneta vermelha: "Guarde isso. Você vai precisar." Dentro tinha um mapa da cidade dobrado. Mais ou menos uma dezena de estrelas vermelhas marcavam diferentes áreas.

   Nos primeiros anos da escola, usamos esses mesmos mapas da Câmara de Comércio para aprender o norte, sul, leste, oeste. Pequenos números azuis, espalhados pelo mapa, remetiam ao nome dos estabelecimentos listados nas margens. Guardei o mapa na mochila. Pensei em mostrar para o pessoal da escola, para ver se mais alguém tinha recebido. Para ver se alguém sabia o que significava aquilo. Mas, com o tempo, acabou escorregando para baixo dos livros e cadernos e me esqueci totalmente dele. Até agora.

  — Nas fitas vou falar de vários lugares da nossa querida cidade para você visitar. Não posso forçar ninguém a ir até lá, mas, se você estiver a fim de entender o que realmente aconteceu, então siga as estrelas. Ou se, se preferir, jogue fora o mapa. E eu nunca vou ficar sabendo.

   Enquanto Camila fala através dos alto-falantes empoeirados, sinto o peso da mochila pressionar minhas pernas. Lá dentro, amassado em algum lugar no fundo está o mapa.

  — Ou talvez, eu fique sabendo, Na verdade, não tenho muita certeza de como essa coisa de morte funciona. Talvez eu esteja atrás de você bem agora.

   Eu me inclino para a frente, apoiando os cotovelos na bancada. Enterro o rosto entre as mãos, escorrego os dedos para trás e me surpreendo com o cabelo molhado de suor.

  — Desculpa! Isso não foi legal. Vamos agora ao primeiro dessa lista. Está pronto Sr. Mahone?

suicide girl ; camila&lauren (revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora