54. you deserve it.

596 76 30
                                    

   Brad tira a chave da ignição. Algo para segurar enquanto ele fala.

 — Fiquei tentando achar uma maneira de contar isso, o tempo todo que ficamos rodando. O tempo todo que ficamos sentados aqui. Até quando você estava botando tudo pra fora.

 — Você reparou que eu não vomitei no seu carro?

 — Reparei, sim. - ele sorri, olhando para as chaves. — Obrigado. Agradeço de coração.

   Fecho a porta do carro. Meu estômago voltou ao normal.

 — Ela veio até minha casa. A Camila. E essa foi minha chance — diz Brad.

 — De quê? 

 — Laur, os sinais estavam todos ali.

 — Eu tive minha chance também. - tiro os fones de ouvido e os coloco no joelho.— Na festa. Ela pirou quando nos beijamos, e eu não sabia por quê. Essa foi minha chance. 

   Dentro do carro, está escuro. E quieto. Com as janelas completamente fechadas, o mundo exterior parece mergulhado num sono profundo.

 — Nós todos temos culpa. Pelo menos um pouco.

 — Então, ela foi à sua casa.

 — De bicicleta. A mesma com que ela sempre ia à escola.

 — A azul. Deixa eu adivinhar: Você estava mexendo no seu carro. - ele ri.

 — Quem poderia imaginar, né? Mas ela nunca tinha ido à minha casa antes, por isso fiquei um pouco surpreso. Sabe, nós éramos amigos na escola, então não achei que fosse nada demais. O esquisito, porém, era o motivo por que ela foi atélá.

 — Qual? - ele olha pela janela e inspira profundamente.— Ela foi até lá para me dar a bicicleta.- as palavras permanecem ali, intocadas, durante um tempo desconfortavelmente longo. — Ela gostaria que eu ficasse coma bicicleta. Ela não queria mais. Quando perguntei por quê, ela só deu de ombros. Não tinha um motivo. Mas era um sinal. E eu deixei passar.

   Do folheto distribuído na escola, um dos itens era: ― dar seus pertences aos outros.

 — Ela achava que eu era a única pessoa que poderia precisar da bicicleta. Como eu ia para a escola dirigindo o carro mais antigo de todos, segundo ela, se algum dia meu carro quebrasse, talvez eu precisasse de um transporte alternativo.

 — Mas essa belezura nunca quebra! — eu tento brincar.

 — Essa coisa sempre quebra. Eu sempre preciso consertá-la. Aí, falei pra ela que não podia ficar com a bicicleta. A não ser que eu lhe desse algo em troca.

 — O que você deu? 

 — Nunca me esquecerei disso — ele se vira para olhar paramim. — Os olhos dela, Jauregui, em nenhum momento se desviaram. Ela ficou olhando dentro dos meus olhos e começou a chorar. 

   Ficou me encarando, com as lágrimas escorrendo no rosto. Ele enxuga suas lágrimas e passa a mão no lábio superior.

 — Eu deveria ter feito alguma coisa. Os sinais estavam todos ali, em toda parte, para qualquer um que estivesse a fim de reparar. 

 — O que foi que ela pediu?  

 — Ela perguntou como eu gravava minhas fitas, aquelas que ponho pra tocar no carro. - ele recosta a cabeça e respira fundo. — Eu falei do velho gravador do meu pai. - faz uma pausa. — Então ela perguntou se eu tinha algum aparelho para gravar vozes. 

 — Meu Deus.

 — Tipo um gravador portátil ou algo parecido. Algo que você não precisasse ligar na tomada, que desse para andar com ele por aí. E não perguntei para quê. Falei pra ela esperar, que eu ia buscar. 

 — E você deu pra ela? - ele se vira para mim, com o rosto endurecido.

 — Eu não sabia o que ela ia fazer com aquilo, Lauren.

 — Espera aí, não estou acusando você, Brad. Mas ela não disse nada sobre o motivo daquilo? 

 — Se eu perguntasse, você acha que ela teria contado? 

    Não. No momento em que foi à casa de Brad, ela já estavadecidida. Se quisesse que alguém a impedisse, que a socorresse de si mesma, esse alguém era eu. Na festa. E ela sabia disso. Faço um sinal negativo.

 — Ela não teria contado.

 — Alguns dias depois, quando cheguei do colégio, tinha um pacote encostado na entrada de casa. Eu levei ele para meuquarto e comecei a escutar as fitas. Aquilo não fazia o menor sentido — ele desabafa.

 — Ela não deixou um bilhete ou algo parecido?

 — Não. Só as fitas. Mas não fazia o menor sentido, porque Camila e eu tínhamos uma aula em comum, e ela tinha ido à escola naquele dia.

 — Como assim?

 — Então, quando cheguei em casa e comecei a escutar as fitas, fui até o fim de todas bem depressa. Avancei para ver se eu estava nelas. Mas não estava. E foi aí que fiquei sabendo que ela tinha me entregado o segundo conjunto de fitas. Por isso, procurei o telefone da casa dela na lista e liguei, mas ninguém atendeu. Liguei para a loja dos pais dela. Quis saber se Camila estava lá e eles me perguntaram se estava tudo bem, porque eu com certeza parecia um maluco. 

 — O que você disse?

 — Falei pra eles que havia alguma coisa errada e que precisavam encontrá-la. Mas não consegui dizer o motivo. - ele expira num sopro fino e agudo. — E ela não foi para a escola no dia seguinte. 

   Tenho vontade de dizer a ele que sinto muito, que não consigo imaginar como deve ter sido isso. Mas, aí, penso no dia de amanhã, na escola, e percebo que logo ficarei sabendo como é. Vendo as outras pessoas que estão nas fitas pela primeira vez depois de ouvi-las.

 — Fui para casa mais cedo, aquele dia, fingindo que estava passando mal. E tenho de admitir que levei alguns dias para me recuperar. Quando voltei ao normal Austin Mahone estava com uma cara péssima. Depois, foi Zayn. E eu pensei: Certo, a maioria dessas pessoas merece isso, portanto, vou fazer o que ela pediu e me certificar de que todos vocês ouviram o que ela tem a dizer 

 — Como você esta acompanhando tudo isso? Como você sabia que eu estava com as fitas? - pergunto.

 — No seu caso, foi fácil. Você roubou meu walkman, Lauren.

   Nós dois rimos. E isso traz uma sensação boa. Uma libertação. Como rir num funeral. Algo talvez inapropriado, mas definitivamente necessário.

 — No resto dos casos, foi um pouco mais complicado. Eu corria até o meu carro, assim que tocava o último sinal, e dirigia o mais perto possível do gramado da frente da escola. Quando eu via a pessoa seguinte, uns dois dias depois de saber que o último da lista já tinha escutado as fitas, eu achamava e acenava para ela vir onde eu estava.

suicide girl ; camila&lauren (revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora