42. help me

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A Sra. Bradley também tinha um saquinho de papel. Ficava pendurado com os nossos na estante giratória. Nós podíamos usá-los – e ela nos incentivou a fazer isso – para deixar bilhetes sobre o jeito de ela dar aula. Com critica ou não. Ela também queria que sugeríssemos assuntos para futuros debates. Fiz exatamente isso. Escrevi um bilhete para a Sra.Bradley dizendo o seguinte: 

 ― Suicídio. Tenho pensado nisso. Não muito, mas tenho pensado nisso. Esse foi o bilhete. Palavra por palavra. E eu sei que foi assim, palavra por palavra, porque reescrevi dezenas de vezes antes de entregá-lo. Eu escrevia, jogava fora, escrevia, amassava o papel, jogava fora. Mas porque estaria escrevendo aquilo? Me fazia essa pergunta todas as vezes que gravava as palavras em uma nova folha.

Por que eu estava escrevendo aquele bilhete? Era mentira. Eu não estava pensando naquilo. Não pra valer. Não em detalhes. O pensamento entrava na minha cabeça e eu mandava ele embora. Mandei ele embora um monte de vezes. Era um assunto nunca discutido em classe. Mas eu tinha certeza que mais pessoas, além de mim, haviam pensado nisso, certo? Então por que não debate o tema em grupo? Ou, bem no fundo, talvez houvesse algo além disso. Talvez eu quisesse que alguém deduzisse quem havia escrito o bilhete secretamente viesse me socorrer. Talvez. Eu não sei. Mas tomei cuidado para não me entregar.

   O corte de cabelo. Desviar o olhar nos corredores. Você tomou cuidado, mas mesmo assim havia sinais. Sinais pequenos. Estavam lá. E, ai, como se nada tivesse acontecido você voltou ao normal.

Exceto pelo fato de ter me entregue o bilhete diante de você, Harry. Você sabia que era eu quem havia escrito o bilhete que estava no saquinho da Sra. Bradley. Você tinha que saber. Ela leu no dia seguinte ao flagra que dei em você. No dia seguinte à minha crise no corredor.  

  Alguns dias antes de compra os comprimidos, Camila voltou a ser como antes. Dizia ―Oi, para todo mundo nos corredores. Olhava dentro dos olhos de cada um. Parecia algo radical, porque fazia meses que ela não agia daquela maneira. Como a verdadeira Camila.

Mas você não fez nada, Harry. Nem depois que a Sra. Bradley trouxe o assunto a tona, você não fez nada para tentar se comunicar comigo. Parecia algo radical porque, de fato, era. Então, o que será que eu queria? Queria, principalmente, escutar o que todos tinham a dizer. Seus pensamentos. Seus sentimentos. E, cara, eles disseram muita coisa. 

Uma pessoa falou que seria difícil ajudar o fulano sem saber por que ele queria se matar. E eu me segurei pra não dizer: ― Ou ela. Pode ser uma garota. Ai, os outros começaram a dar suas opiniões.

 ― Se essa pessoa se sente sozinha, ela pode almoçar com a gente.

 ― Se estiver com notas ruins, podemos ajudá -la a estudar.

  ― Se tiver com problemas em casa, talvez pudéssemos... sei lá... incentivá-la a procurar um psicólogo ou algo assim.

Mas tudo o que eles disseram – tudo! – veio com certo tom de irritação. Até que uma das garotas, cujo nome não interessa, disse o que todo mundo tava pensando.

 ― Parece que essa pessoa que escreveu esse bilhete só quer atenção. Se fosse sério ela teria dito quem é.

   Meu Deus, não tinha como Camila se abrir com a gente. Eu não consegui acreditar.

Antes disso a sra. Bradley tinha recebido, no saquinho, bilhetes sugerindo discussões em grupo em grupo sobre aborto, violência familiar, traição – enganar o namorado, a namorada, ou o professor, nas provas e trabalho. Ninguém insistiu em querer saber quem tinha escrito esses temas. Mas, por alguma razão, se recusaram a debater sobre suicídio sem ter detalhes específicos. Durante mais ou menos dez minutos a sra. Bradley disparou uma serie de estatísticas – estatísticas locais – que causaram surpresa em todo mundo. 

Porque somos jovens, segundo ela, e a não ser que o suicídio ocorresse em um local publico, com testemunha. Provavelmente não seria noticiado. Os pais não querem que os outros saibam que seu filho, o filho que eles criaram, acabou com a própria vida. Portanto, as pessoas muitas vezes são levadas a acreditar que a morte foi um acidente. O problema é que não ficamos sabendo o que realmente sentem as pessoas com as quais convivemos. Depois desse dia, não houve mais nenhuma discussão aprofundada em nossa classe.

Será que estavam apenas intrometidos ou realmente pensavam que quer saber os detalhes específicos era a melhor maneira de ajudar? Não sei ao certo. Um pouco de cada coisa, talvez.

   Na aula do Sr. Porter eu a observava bastante. Se uma discussão sobre suicídio tivesse vindo à tona, talvez nossos olhares se cruzassem e eu enxergasse isso nela.

Na verdade, não sei o que eles poderiam ter feito para me fazer pender para um lado ou para o outro. Talvez eu tivesse apenas sendo egocêntrica. Talvez quisesse apenas chamar atenção. Talvez quisesse apenas ouvir os outros discutirem sobre mim e sobre meus problemas. 

   Pelo que Camila me contou na festa, ela gostaria que eu enxergasse isso. Ela ia olhar diretamente para mim imaginando que eu entendesse.

Ou talvez quisesse que alguém apontasse o dedo para mim e dissesse:  

 ― Camila! Você está pensando em se matar? Por favor! Não faça isso, Camila! Por favor!

Mas, lá no fundo, a única pessoa dizendo isso era eu. Lá no fundo, essas eram as minhas palavras. No final da aula, a Sra. Bradley distribui um folheto: Sinais de alerta em um individuo suicida.

Adivinhem o que estava entre os cincos sinais principais? Mudança de aparência repentina. Puxei as pontas do meu cabelo recém-tosados. Ops. Quem esperaria que eu fosse tão previsível assim?

  Esfregando o queixo no ombro, eu enxergo Brad, que ainda está em sua mesa. O seu hambúrguer já era, assim como a maioria de suas batatas fritas. Ele permanece sentado ali sem ter a menor idéia do que eu estou passando. Abro o walkman, tiro a fita de numero quatro e a viro do outro lado. 

suicide girl ; camila&lauren (revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora