Cap 4 - Em terras cinzas

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Sempre acreditei na força dos pequenos gestos. Eu acreditava, sobretudo, na importância da gentileza. São valores quase utópicos. Afinal, as pessoas vêm e vão num ritmo tão enlouquecido que não vêem razão para serem gentis.

Crescido num ambiente rude e de raros momentos felizes, um dia encontrei alguém que sorriu para mim como ninguém mais. Naquele sorriso, eu aprendi que gentileza era uma arma poderosa... A escassez de amor faz daquele que ama um ser raro. Fiz essa nota mental quando saí do ônibus naquela manhã.

Eu nem me assustei com a frieza das pessoas quando pisei na rodoviária de São Paulo. Não eram diferentes da minha família, a não ser pelo fato de usarem ternos e terem mais pressa que meus pais de movimentos sempre lentos. Eu era empurrado de um lado para o outro e ninguém parava para se desculpar.

Tentei parar alguém para me ajudar a entender como pegar a linha certa do metrô, mas eu era um cara invisível. Senti falta de todas as inhas da minha cidade que eram sempre solícitas comigo.

Ouvi um assobio agudo e vi duas velhinhas sendo empurradas uma para cada lado. Entre as duas, surgiu o Bruce correndo na minha direção. Quando entendi que o assobio era para mim, senti vergonha da exposição provocada pelo brutamontes.

Com a luz do dia, pude reparar melhor em Bruce. Forte, rosto másculo com um furinho no queixo, um sorriso largo de pilantra, sobrancelhas grossas e quase unidas para reforçar o olhar marcante. Os olhos pequenos e muito pretos expressavam a malícia de um jovem de vinte e poucos anos. Estava sem a touca para deixar a cabeça raspada à mostra. No seu pescoço, estava pendurado um terço de prata. Havia prataria nos pulsos também. Bonito... O filho da mãe era bem bonito. Mas o ar de espertalhão me irritava.

- Aí, garoto, seus fones ficaram na poltrona. - disse Bruce me entregando.

- Poxa, obrigado! - falei, surpreso com o gesto.

- Sorte a sua que foram os fones. Se fosse a carteira, você não ia encontrar nunca mais. - ele disse, achando engraçado. - Eu sempre saio por último e vou conferindo se alguém deixou alguma coisa, tá ligado? Achei um relógio todo coisado de gente chique uma vez.

- Sei...

- Tá procurando metrô? Eu vou pegar também. A gente cola numa padoca pra comer alguma coisa. Tá na cara que você não sabe andar aqui, seu capira. Bora?

Eu ia inventar uma desculpa, mas Bruce pegou uma das minhas malas e saiu andando na frente. Com aquelas pernas grandes, cada passo dele era como dois do meu.

Eu permaneci monossilábico sentado no metrô ao lado do Bruce. A amiga do meu irmão morava na avenida Brigadeiro Luis Antônio e ela me esperava na avenida Paulista. Bruce disse que precisava descer duas estações depois da minha, mas que iria sair comigo para que a gente pudesse comer algo. Eu estava tenso, porque não sabia a intenção dele pra querer me ajudar. Deve ter pensado que eu tinha grana.

- Tô na capital há cinco anos, Caio. Aqui só é legal pra quem entra no jogo.

- Que jogo?

- De se virar sem perder a cabeça, tá ligado?

- E você se vira com programas?

- O que der grana, eu topo. Tentei umas paradas pra ser modelo no começo, mas sabe como é viado de agência. Querem dar pra gente, depois somem. Daí eu caí na real que não ia chegar a lugar nenhum e fui fazer o que faço de melhor: meter!

- Fala baixo, cara! - pedi, percebendo uma senhora olhando com cara feia pra gente.

- Foi mal, tia... Eu devia ter dito "fazer amorzinho" - ele voltou a gargalhar, me deixando com ódio.

- Bruce, não vai rolar nada, ok? Não quero fazer programa contigo.

- Relaxa. Já vi que é um zerado de dinheiro. Eu não preciso caçar cliente, moleque.

- Então não é por dinheiro? Você faria... de graça? - perguntei sem interesse nenhum, apenas pela curiosidade.

- Mano, se liga! Não quero nada contigo não. Eu não curto homem, ok? Quando eu pego é por trampo, sem beijar nem nada. Eu amo a desgraçada da Melzinha. Só tô te acompanhando porque sua cara de bobo do interior é imã de assaltante aqui. E a gente que vem do interior tem que se ajudar.

- Desculpa... Eu nem queria. Só tava tentando entender.

- Não queria... Mano, cê nem disfarça quando olha pro meu pau.

- Bruce, desculpe a sinceridade, mas eu não curto essa grosseria.

- Eu sou brincalhão, mano... Até nisso você me lembra um amigo.

- Como assim? - perguntei, vendo que Bruce ficou sério.

- Você é a cara do meu melhor amigo, mano. O cara era a minha família. Ele foi assassinado. Quando te vi no ônibus, lembrei dele chegando em sampa. É foda pra caralho perder alguém que é tipo família, meu... Eu só colei em você porque deu saudade daquele filho da puta.

- Eu... eu entendo. - falei, completamente compreensivo com o que Bruce estava dizendo.

- Foi mal a zoeira toda, blz? Bom, sua estação é a próxima. Eu vou te deixar em paz. Juízo, usa camisinha e não cheira qualquer merda barata, blz?

- Espera, Bruce. Eu... - ia pedir pra que ele ficasse, mas não deu ouvidos.

Bruce bagunçou meu cabelo e saiu de perto, sumindo entre algumas pessoas em pé no vagão.

Percebi o metrô perdendo velocidade e acompanhei o fluxo para sair. Um pouco atrapalhado com as bolsas e mochila, consegui passar a catraca e subir a escada rolante como fui orientado.

Moira, a amiga do meu irmão, me esperava logo na entrada da estação com vestido vinho, como havia descrito por mensagem. Chegando mais perto, notei que eu era esperado por uma jovem trajando roupa de velha. Com o cabelo preso e sem maquiagem, Moira me acenou com a mão direita. Na esquerda havia uma Bíblia.

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Meus amigos, obrigado por cada comentário lindo de apoio. Tô amando escrever essa história. Desculpem pelo jeitão do Bruce. Ele tenta ser uma boa pessoa. hehe
Estão gostando do Caio?Espero que torçam por ele tanto quanto eu estou torcendo!

=)

Com amor é mais caro (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora