Cap 9 - Sem pressa de ir

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Nil e eu estávamos no metrô voltando do hospital. A mão esquerda dele estava enfaixada cobrindo o ferimento de uma bala. Ele chorava em silêncio e não trocamos nenhuma palavra. Seu olhar refletia revolta e medo.

Uma senhora sentada num banco de frente para nós olhava atenta e pesarosa para Nil, que se mostrou incomodado com os olhares.

- Tá olhando o quê, velha? - Nil levantou a voz contra ela.

- Calma, Nil. - tentei fazê-lo parar, mas isso só aconteceu quando a senhora desviou o rosto.

O desespero de Nil tinha um porquê. Naquele momento, sua irmã Moira passava por uma cirurgia delicada que tentava retirar a bala alojada em sua cabeça.

E a minha cabeça alojava imagens de uma tragédia. Os barulhos, o pânico, ambulâncias e repórteres... Havia sido um horror que se tornaria meu pesadelo para sempre. Saímos do hospital com o alerta dos médicos de esperarmos pelo pior a respeito de Moira. Alberto ficou lá sendo confortado por algumas pessoas da igreja. Tivemos a confirmação de duas mortes no atentado, um senhor e um menino. O atirador desapareceu deixando perguntas sobre o motivo que o levou a fazer aquilo.

Meu irmão Dino ligou preocupado depois de uma mulher da nossa cidade ter dito que fui visto em imagens do noticiário. Eu o tranquilizei. Por fora, eu estava bem.

Eu via tantas notícias sobre a violência das cidades grandes que as tragédias não me comoviam mais. O fato de ter presenciado algo de perto e estar dentro do pesadelo mudou completamente a minha concepção. Eu piscava os olhos e o garotinho caído voltava a surgir diante de mim.

Ainda no metrô, traumatizado e cansado, informei para Nil a possibilidade de eu voltar para o interior, mas ele me fez repensar.

- Fica, mano. Vai ser foda ficar sozinho até a Moira sair do hospital. Se sair...

- Tá dando tudo errado aqui, Nil.

- Mas você tá tentando virar alguma coisa. Ficar lá na roça vendo o tempo passar não significa dar certo.

- Já nem sei...

- Se minha irmã morrer, eu vou achar aquele cara e vou matar o desgraçado. Eu mato, Caio!

- Não fala besteira.

- Besteira? Eu conheço cada quebrada dessa cidade. Eu descubro, tiozão. Aquilo na igreja foi encomendado. Até cheguei a pensar que foi coisa do Colomba.

- Por que ele faria aquilo?

- Não te disse que ele tava bolado comigo porque levei droga ruim pra ele? Por isso que te mandei no meu lugar na última vez... Pra ele não saber que eu tava envolvido.

Ao dizer aquilo, Nil fez meu corpo gelar. Eu havia descumprido a ordem e citado o nome dele com o Colomba. Se o atentado fosse coisa do dono da boate, então a culpa era minha. Perdi o ar e Nil percebeu meu desespero. Havíamos chegado na estação Brigadeiro e ele me puxou para fora do vagão antes que as portas fechassem.

- Tá tudo bem, Caio?

- Eu... Eu só preciso... - não conseguia responder.

Encostei numa parede e fui tentando me acalmar. Aos poucos, minha respiração voltou ao normal.

- O que te deu? - Nil me perguntou.

- Essa tragédia... Eu tô ainda muito abalado.

- Então se recompõe logo e vamos pra casa, cara.

...

Moira passou pela cirurgia, mas a situação dela ainda era grave na UTI. Nos dias seguintes, estive inquieto tentando tirar da cabeça a culpa que insistia em me martirizar. Acompanhei toda notícia sobre as investigações e já se falava em crime de intolerância religiosa. Cheguei a ler uma pessoa numa entrevista dar o nome ao atentado de Cristofobia. Segundo ela, alguém contrário à sua religião quis "calar a voz da igreja".
Tudo aquilo havia me deixado sem cabeça para procurar emprego, mas meu dinheiro estava acabando e previsava dar um jeito logo.

Com amor é mais caro (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora