Cap 6 - Jogo arriscado

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Uma semana depois da minha chegada em São Paulo, eu percebia que não havia nada no interior que me despertasse saudade. Pedro era minha única lembrança boa, mas ele não me esperava de volta. Então, eu só poderia olhar para frente.

Aproveitei que o Nil não aparecia no apartamento há dois dias e resolvi dar uma limpeza no quarto dele. Todas as peças de roupa fedidas que encontrei, joguei na lavadoura de roupas. No roupeiro haviam várias tralhas e eu as empacotei, com exceção de uma velha gaita que coloquei no bolso. Eu sabia tocar, mas há anos não praticava.

O quarto do Nil estava limpo e o apartamento vazio; duas coisas raras. Sentei no chão da pequena sacada da sala e, do oitavo andar, observei a noite chegar. Mesmo com o caos do trânsito lá embaixo, eu me sentia em paz. Tirei a gaita do bolso e comecei a lembrar de algumas notas. Enquanto arriscava solar uma música, fechei os olhos e pude rever momentos com o Pedro como se assistisse a um filme.

"Estou cuidando de você, menino grande". Pensei tê-lo ouvido falando comigo. Naquele momento, eu chorei. Encostado com a cabeça na grade da sacada, deixei as lágrimas correrem pelo rosto. Era a primeira vez que eu chorava depois da morte do Pedro. Foi como se a ficha tivesse caído.

Eu estava sozinho vivendo o sonho dos dois. Cheguei a pensar ser um castigo de Deus aquela morte prematura, mas não poderia ser. Gostar um do outro não foi nossa escolha, então seria injusto que aquele ser tão bom, como a igreja dizia ser, pudesse separar nós dois por um mero castigo. Afinal, o nosso sentimento era tão puro que, diante de tanto ódio do mundo, podia ser considerado um milagre que existisse.

Acabei adormecendo na sacada e fui acordado por Alberto, noivo da Mora. Eu o reconheci da foto na estante, mas ele era bem diferente pessoalmente. Enquanto na foto havia um rapaz gorducho com cabelo loiro exageradamente escorrido para o lado, diante de mim, eu via um rapaz de corpo definido num terno cinza justo, barba rala e o cabelo ligeiramente bagunçado. Ao entorno dos olhos azuis de Alberto, algumas rugas e olheiras refletiam os 35 anos dele. No geral, era lindo e muito diferente dos pastores que eu via nos canais religiosos.

- Você deve ser o Caio.

- E você o pastor Alberto.

- Me chama de Alberto. A Moira tá dando uma mão na tesouraria da igreja, mas tá preocupada com o irmão. Vim ver se o Nil apareceu.

- Não...

- Ele não tá atendendo o celular. Se não aparecer nas próximas horas, é melhor chamar a polícia. - disse Alberto pegando o celular e discando um número. - Moira, nada do Nil. Fica tranquila... Não é a primeira vez. Ele vai aparecer. Confia em Deus! E como tá aí? Tanta coisa assim? Não tem problema demorar, amor, eu te espero aqui.

Alberto desligou o celular e sentou no sofá da sala com aspecto cansado. Eu não conseguia desgrudar os olhos das pernas dele que a calça justa permitia mostrar todo o contorno. Por um momento, ele me pegou analisando-o e eu desviei os olhos com vergonha.

- Eu vou tomar um banho. Fica à vontade. - falei passando por ele.

Durante o banho, meu celular que estava na pia do banheiro tocou. Enxuguei uma das mãos e atendi o número desconhecido. Era o Nil.

- Caio, tô com um esquema bom e vou precisar da tua ajuda.

- Tá todo mundo preocupado contigo.

- Que se lasquem! Tô cuidando dos meus negócios. Tenho um serviço mole pra você. Quer levantar um dinheiro?

- Não quero confusão, Nil.

- Não é nada demais. Pode me encontrar à meia noite na esquina da Augusta com a Paulista? Lá eu te explico. É grana fácil.

Com amor é mais caro (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora