Cap 5 - Plano B

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Moira é ex do meu irmão, mas ela não sabia que eu sabia. Não me lembrava dela no interior, porque não era de frequentar nossa casa. Foi parar na capital para se tornar professora de matemática e ficou noiva de um pastor. Ela era uma ruiva de pouca vaidade. A única cor em seu rosto era o alaranjado dos pelos. Moira não era de conversa e não demonstrou ser simpática. Deixou claro que meu irmão insistiu muito para que ela concordasse em me arranjar um canto pra dormir, algo que seu noivo foi contra.

No apartamento, moravam Moira e o seu irmão Nilmar. Ele, devia ter a minha idade, algo em torno dos vinte, mas parecia ter bem menos pelo jeitão de moleque. Muito magro e o cabelo ruivo sempre bagunçado, Nil tinha cara de preguiçoso. Naquela manhã, ele estava jogado no sofá quando entrei no apartamento modesto.

- Nil vai dividir o quarto com você, Caio. - adiantou Moira.

- E aí? - ele me cumprimentou, com voz arrastada e o olhar perdido.

- Nil, levanta desse sofá. Leva as coisas do Caio lá pra dentro.

"Lá pra dentro" eu conseguia chegar com alguns pares de passos. Era um apartamento pequeno de móveis que não combinavam. O cheiro de limpeza da cozinha contrastava com o cheiro estranho no quarto do Nil. O cubículo bagunçado me deixou completamente claustrofóbico, já que eu estava acostumado com muito espaço e ventilação do lugar de onde eu vinha.

Entrei depois do Nil que jogou uma das minhas bolsas de qualquer jeito no chão, deitando na cama em seguida.

- Não deixa a Moira saber que você pega homem. Ela é surtada. - ele foi direto.

- Hein?

- Relaxa. Eu não sou contra nem a favor... Mas a Moira tem essa intimidade com Jesus, sabe como é.

- Eu não te falei que sou gay.

- Não é então?

- Sou...

- Agora disse. Então deixa eu reforçar: assuntos gays, nesse apê... Não!

- Tá ué... Como você sabia?

- Inventaram internet faz algum tempo. Geral da nossa cidade falando de você com aquele moleque que morreu. Disseram que foi AIDS. Tão falando que você também tem... Falaram que...

- Nil, Nil... Pára, cara. Eu não tô interessado nas fofocas daquela gente.
- Nem eu. Torce pra Moira não saber e tá tudo certo.

- E ela sabe que você fumou maconha?

- Eita, moleque... Espertão hein! Gosto disso.

Não havia nada de esperteza em constatar o óbvio. Nil estava chapado e o cheiro esquisito no quarto acusava que havia um bom estoque de maconha por ali.

- Você se incomoda? Porque, se incomoda, problema seu...

- Relaxa. Acho que até seria uma boa agora. - falei, tentando parecer descolado.

- Aí sim hein. Então bora dar um rolê, Caio.

Troquei de roupa bem rápido para ficar mais confortável. O corpo estava cansado da viagem, mas eu estava animado demais para dormir. Nil e eu caminhamos pela avenida Paulista e fiquei impressionado com tanta gente. Era uma manhã de sol ameno, super agradável para caminhar. Nil começou a preparar um baseado tranquilamente e riu da minha cara de preocupado com aquilo.

- Relaxa, Caio. Fica só de olho se aparece polícia e me avisa.

Nil começou a fumar despreocupado e me ofereceu. Eu segurei receoso e ele brigou comigo dizendo que eu não estava sendo discreto. Nunca fumei maconha, embora tivesse a curiosidade. No primeiro trago, a fumaça passou queimando pela garganta e, contrariando a ordem do Nil, eu não consegui segurar o trago. Comecei a tossir e levei um tempo para recuperar.

- Não precisa fazer isso, Caio.

- Não, tranquilo. E quero.

Recuperado, traguei novamente. Estava adorando matar minha curiosidade. Quando percebi meus sentidos ficando alterados, estávamos perto do parque Trianon. Sentia minhas pernas bambeando e fui acometido por uma extrema paz. Podia imaginar meu rosto com um sorriso bobo. Nil me puxou e disse qualquer coisa enquanto entrávamos no parque. Sentamos num banco e, naquele instante, eu não conseguia concluir nenhum raciocínio. Fiquei em silêncio observando as árvores.

- O que veio fazer em São Paulo, Caio?

- Trampo... Preciso de um. Depois, eu quero estudar... Educação física.

- Maneiro.

- E você faz o quê, Nil?

- Estou tocando meu próprio negócio. Drogas.

Eu ri inocente do que Nil falou. Quis acreditar que era uma piada.

- Sério, Nil, o que você faz?

- Eu acabei de te falar. Tenho qualquer droga que precisar. Ainda tô devagar, mas eu quero mais, saca? Quero negociar coisa grande e ser respeitado.

- E a Moira?

- Se ela tentar me impedir... Eu acabo com ela sem dó, irmão.

Eu devia ter me atentado naquele dia quanto ao potencial do Nil para se tornar um filho da puta. Ele era ganancioso e parecia disposto a qualquer coisa pra alcançar os objetivos. Olhando agora para o passado, percebo o quanto fui idiota de ter permitido que ele fizesse parte da minha vida. Muitas coisas teriam sido diferentes. Nil, até então, tinha cara de quem não oferecia perigo e me deixei levar pelo jeitão despreocupado. Se eu pudesse voltar no tempo, eu adoraria não tê-lo conhecido.

- Já vi tanto cara chegar na capital cheio de sonhos, Caio. Você, com essa carinha bonitinha, deve achar que será fácil. Nada é fácil aqui. E quando se perceber longe de realizar o que veio conquistar, o que vai fazer?

- Não sei...

- Pra todo sonho, existe uma merda de obstáculo. Tenha um plano B em mente.

- Ok... - eu disse, completamente chapado. - E o ramo das drogas é seu plano B?

- Não, irmão. Espero que eu nunca precise usar o plano B. Existem escolhas sem voltas.

Nós éramos jovens e isso poderia justificar qualquer ideia idiota que passasse pela nossa cabeça. Se você resgatar suas idéias antigas, talvez ache graça delas. Te conto que Nil nunca pôde rir das dele. Não houve nada engraçado na trajetória dele. Principalmente na parte em que essa trajetória se cruza com a minha.

De qualquer forma, independente de qual fosse, Nil tinha um plano B. Eu precisava pensar em um também.

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Gostaram do capítulo? O que acharam do Nil? Se preparem, porque está começando. Não se esqueçam de votar e deixar um comentário pra mim. Pode ser?

;)






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