Capítulo XVII

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Sabe quando um medo horrível e sem muito nexo escorre por sua espinha e te faz bambear as pernas? E seu coração bate tão forte que dá a impressão de que vai arrebentar seu peito e saltar bons metros de distância? Então, compartilhem comigo este momento.
Os olhares de meus pais, mesmo por aquela tela de computador, aprisionavam. Os dois eram dotados de beleza ímpar, e sabiam se expressar e esconder emoções com a destreza de um ator de Hollywood. Seus rostos impassíveis me prenderam tal que, a discussão de Henry e Vaca Desnutrida lá fora não passavam de zumbidos indecifráveis, como uma TV de tubo antiga, com falha na transmissão.
Ensaiei passos cuidadosos, como se os dois estivessem sentados no sofá velho da Anna e deixei uma distância de um metro nos separar. Abaixei-me um pouco para que meu rosto ficasse visível.

- Pode falar Clark. - a voz grave de Matthew pareceu me acertar um chute no estômago.

Respirei fundo, preparando um monólogo repetitivo, apelativo, cuja sentença não fosse me transferir daqui para uma masmorra nos confins da Finlândia.

- E - eu... Oi. - sorri um pouco, sem receber um em resposta. Os dois pareciam bonecos de cera de Madame Tussauds. Esculpidos para me atormentar.

Anna se sentiu desconfortável mas não saiu de perto. Ela tinha essa aura protetora e eu estava agradecendo aos céus por isso. Pigarreei uma vez e tentei novamente.

- Pai eu... Eu não queria causar mais problemas, eu...

Senti uma mão no meu ombro. Olhei de soslaio para enxergar Henry estampando um olhar cheio de força. Ele estava tentando me dizer algo, algo que compreendi. Ele se afastou e se pôs ao lado da mãe, tomando sua mão e a levando da sala junto com ele. Ele me lembrou de suas palavras de hoje mais cedo. Aquelas palavras que me tocaram tanto, mesmo que não queira admitir isso nunca. Humanidade. Humildade. Sendo eu mesma.
Me enchi de coragem e convicção. Henry tinha razão, eu não deveria temer, não mais. Essa sou eu, e se eles não me aceitam, existe algo mais importante. Eu me aceito!

- Eu cheguei nesse lugar com ódio de vocês e de mim mesma. - comecei.

Captei uma mudança postural nos dois, que se atentaram a nova Clark ali presente. De voz firme e cabeça erguida.

- Passei o diabo se comparado a minha vida anterior. Acordava e o sol ainda não tinha nascido. Os bichos me irritavam, o cheiro de pasto, de mato... Era aterrorizante. Lavei roupa na mão, lavei louça, capinei, aprendi a cozinhar. Conheci um monte de caipiras, não tinha mais uma loja decente pra frequentar, muito menos dinheiro pra isso. Tive que me sujeitar a trabalhar em um mercado pra ganhar salário mínimo.

Nesse momento meus olhos focalizaram a movimentação mínima do meu lado direito. Henry tinha os olhos no chão e uma expressão entristecida.

- Mas isso, era o que pensava a Clark que chegou aqui. - meus pais estavam atentos a cada palavra que saía de meus lábios.

Henry ergueu a cabeça com um meio sorriso e lhe dei um olhar rápido de gratidão em troca.

- Ela era fútil, ligava para aparências e se apegava em banalidades, festas idiotas e pessoas cuja amizade eram tão verdadeiras quanto os peitos da tia Martha. - minha mãe deu um risinho, meu pai tossiu para manter a pose.

Respirei fundo para continuar. Usei todo meu fôlego e motivação para tecer explicações.

- A verdade é que a Clark aprendeu a valorizar as pequenas coisas do dia a dia. Hoje ela sabe o valor de cada trabalho, de cada pessoa. Ela aprendeu a gostar dos animais, do campo, nem tanto dos afazeres domésticos, mas finjam que não ouviram isso, nem contem a Anna porque odiaria decepcioná-la, assim como não quero mais decepcionar vocês. Eu sei que deve ter sido um horror me ver em um caixa de mercado, mas pra mim é gratificante. Eu estou fazendo algo para merecer o meu dinheiro. Eu estou a par agora do que é você ralar pra conquistar alguma coisa e tudo que tenho a dizer é... Obrigada. Você me disse um dia que eu ainda iria lhe agradecer pai, pois, este dia chegou. Obrigada. Eu não tenho mais palavras, façam o que quiserem a partir de agora, só saibam que em momento algum quis lhes envergonhar, pelo contrário, queria que sentissem orgulho de mim.

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