Cap. 5 - Campo em chamas

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Havia neblina ao redor e eu não podia andar. Estava em meio à fumaça, sem conseguir ver claramente. O medo se refletia nas minhas mãos frias e no tremor do meu corpo. Ouvia gritos desesperados atrás da densa nuvem cinzenta que me enclausurava. Procurei rostos, mas não identifiquei nenhum, apenas corpos se movendo rapidamente.

Minha garganta ardia como se uma faca a dilacerasse, mas eu não sentia gosto de sangue. Respirava com esforço e minhas forças pareciam se esgotar em questão de segundos. Tentei dar um passo à frente e minhas pernas fraquejaram. Oh não, eu iria morrer!

A fumaça era tóxica, desesperadora. Eu precisava lutar, reagir, mas não encontrava forças para fazê-lo. Uma rajada forte de vento soprou próxima de onde estava, afastando parcialmente a nuvem cinzenta e permitindo ver o que estava acontecendo.

O fogo espalhava-se e, em um piscar de olhos, novas árvores eram atingidas. Todos ali iriam morrer. O fogo corria como se estivesse vivo, mais rápido do que os passos frenéticos dos corpos se movendo, cercando todos que ali estavam.

Despertei, assustada. Os lençóis estavam molhados de suor e minha pele parecia congelada. A sensação era como se houvesse cubos de gelo colados a ela, porém não havia nada. O frio parecia emanar de mim. Demorei alguns minutos, recordando o terrível pesadelo. A sensação ao acordar era sempre a mesma quando o sonho era uma premonição.

As cortinas estavam abertas e o sol ainda se escondia. As árvores que cercavam o castelo estavam distantes, afastadas pelos campos verdejantes que cercavam a construção de pedra. O clima parecia mais frio do que o da noite anterior, deixando a folhagem úmida com a cor de um verde escuro.

Corri para o banheiro e entrei debaixo do chuveiro. A água quente conseguiu aliviar a tensão na minha pele. A sensação de frio a deixara petrificada, mas o vapor quente a aquecia.

Vasculhei minha mala à procura de um agasalho. Escolhi um moletom branco e vesti calça jeans. Em seguida, sequei meu cabelo demoradamente. O relógio que havia trazido de casa e apoiado sobre a cômoda, ao lado da foto dos meus pais, indicava seis horas. Muito mais cedo do que havia acordado no dia anterior. Não ter que enfrentar a fúria de Vitor por atraso seria um alívio. Mesmo assim, permanecia inquieta por causa do sonho.

Apressei-me escadas abaixo para o café da manhã. Na companhia de outras pessoas seria mais difícil torturar-me com a possibilidade de que meu sonho fosse uma premonição. No entanto, minha alegria não durou muito, pois poucos alunos se encontravam na mesa e eu não conhecia nenhum deles.

Sentei-me voltada para a mesa menor e percebi o quanto meu estômago revirava. Peguei vários pãezinhos quentes e apetitosos. Havia almoçado pouco e jantado nada no dia anterior. Talvez aquele sonho tivesse sido uma conseqüência da minha alimentação. Talvez não.

- Bom dia, Vic! – disse Thiago, animado. Afagou meu rosto com uma das mãos.

- Bom dia – sorri, afastando-me do alcance dos seus dedos. Conversar com ele me distrairia.

- Levantou cedo – comentou, enchendo um copo com suco de laranja.

- Perdi o sono – falei, guardando para mim o motivo.

- Por que não jantou com a gente ontem? – perguntou com o semblante ressentido. Eu não sabia como deixar claro que ele era apenas um amigo. Ele se mostrava gentil e eu precisava disso.

- Estava cansada e acabei dormindo – falei. Ele achou graça.

- Você está bonita hoje – elogiou, sorridente.

Golfinhos e Tubarões - O outro mundo (Tais Cortez)Onde histórias criam vida. Descubra agora