Cap. 9 - Culpa e remissão

604 67 10
                                    


- Vocês decepcionaram os professores, seus pais e todos os que já passaram por esta escola. Perderam, irrevogavelmente, nossa confiança para ficarem sozinhos – falou o professor de combate, aborrecido.

O corpo alto e magro de Vitor caminhava de um lado para o outro sobre a arquibancada. O cabelo preto e curto, em corte típico de um sargento do exército, deixava à mostra as têmporas brancas como papel. Na testa alva, uma veia rosada se destacava, pulsando quando ele falava. Os braços estavam cruzados atrás das costas.

Minutos atrás, ao chegarem ao campo, os cinco professores se separaram. Lupo e Vitor ergueram o pesado tronco que esmagava Ben e Alice. Hugo e Dina usaram pequeninos extintores de incêndio cujo jato espumoso apagava rapidamente o fogo. Lisa, por sua vez, reuniu o restante dos alunos dispersos, guiando a todos para uma sala no alto de uma das torres que compunham o castelo.

O caminho tinha sido longo e, durante a subida pelas infindáveis escadas, pude ouvir alguns alunos tossindo com resquícios da fumaça a que foram expostos, enquanto outros especulavam sobre o que aconteceria. Quanto a mim, permaneci em silêncio ao lado de Verônica, a garota rechonchuda que tinha visto naquela manhã, e de sua amiga Ana, cujo cabelo loiro curto e cacheado estava coberto de fuligem.

Por fim, chegamos ao topo da torre, deparando-nos com um comprido corredor adornado por um belo tapete vermelho. Ao atravessá-lo, entramos por uma porta branca, a única do castelo que não era de ferro, em uma espaçosa sala. O lugar parecido com o ambiente acadêmico do mundo humano. Havia dezenas de cadeiras de couro preto e uma arquibancada de madeira à frente delas.

Procurei Penny e a encontrei do outro lado do salão. Ela estava arrasada, com as mãos escondendo o rosto. Ben, Alice, Lisa e Dina não estavam ali. Senti vontade de chorar enquanto me perguntava se estariam bem.

Os gêmeos, sentados a poucas cadeiras de distância, mantinham o olhar baixo e os ombros encolhidos. Embora eles e Alice tivessem organizado o Desafio, sentia-me tão ou mais culpada que eles.

- Eu não quero saber quem começou – disse Vítor. – Todos aqui são culpados, porque estavam lá – continuou secamente, os olhos estreitos nos censuravam. – Vocês podiam ter morrido ou causado a morte de outros alunos – ressaltou, lembrando quão imprudentes havíamos sido.

O silencio que se instaurou desde que ele começou a falar provava o quanto sabíamos que havíamos errados. O clima agradável da sala dava a impressão de que o ocorrido no campo, com o calor do fogo nos envolvendo, havia ocorrido em um passado remoto.

Se Alex não tivesse me tirado de onde o fogo me enclausurara, eu não estaria viva. Entretanto, mesmo tendo me salvado, ele se recusou friamente a ajudar meus amigos. Eu não conseguia entender ou aceitar isso.

A morte deles seria pior do que a minha, pois eu sempre lembraria que era a culpada por ignorar a premonição que tivera dias atrás. Eu havia me convencido de que não se tratava de uma e minha relutância quase custara vidas.

Uma lágrima morna escapou dos meus olhos marejados e meus dedos se apressaram em camuflá-la. Chorar era reconfortante. Minha vontade era de sair dali e me esconder em meu quarto. O peso em minha consciência de que eu sabia do incidente antes de todos me consumia.

- As aulas da semana que vem estão suspensas – a voz de Vitor se abrandava e a ira do começo do discurso foi substituída por indiferença. Nós o tínhamos decepcionado. – No lugar delas, vocês reconstruirão a floresta, o campo e tudo o que destruíram hoje. Os passeios à cidade também estão fora de cogitação.

Golfinhos e Tubarões - O outro mundo (Tais Cortez)Onde histórias criam vida. Descubra agora