Cap. 3 - O mestiço

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Meus olhos teimavam em não abrir. O sol da manhã adentrava o quarto, refletindo a tonalidade rosa das cortinas sobre o tapete felpudo branco. Claridade sempre foi um problema para manter meu sono. Esfreguei os olhos, temendo ver o que me esperava. Após a demora para abri-los, eu vi. Estava tudo lá. Exatamente como na noite passada.

O mesmo quarto, o guarda-roupa da minha mãe e a foto dos meus pais. Era real. Respirei profundamente. Aquilo era demais e eu sabia que aquele primeiro dia seria mais uma prova de que tudo havia mudado. Pulei da cama, decidida a enfrentar o que quer que estivesse me esperando. Adiar só me deixaria mais apreensiva.

Ao procurar onde tomaria banho, avistei uma porta discreta dentro do quarto, quase encostada às compridas cortinas. O banheiro era pequeno quando comparado ao da minha antiga casa, mas era suficiente.

Não sabia o que vestir naquele lugar. Considerei ver o conteúdo do guarda-roupa, mas a fotografia dos meus pais havia sido o bastante para me angustiar. Não estava certa sobre o que sentiria ao ter minha mãe ainda mais próxima a mim, vestindo suas roupas.

Desse modo, optei por uma calça jeans simples, uma blusa básica e tênis. Abri a porta lentamente, espreitando para saber o que me esperava, mas não havia ninguém por perto. Desci as escadas, distraída, perguntando-me onde todos estariam, quando alguém agarrou meu braço.

- Vitor! – exclamei, assustada. Ele não sorriu. Ao contrário, suas feições eram sérias e aborrecidas.

- Você perdeu a sua primeira aula! – exasperou-se irritado, franzindo as sobrancelhas. Eu não tinha resposta. Pensei em algo para dizer, embora soubesse que eu devia estar doente para que minha ausência fosse justificável para ele.

- Bom dia! – ouvi outra voz se aproximando. Essa voz me acalmou. Lisa. – Vitor, não precisa ficar chateado. – ela pediu, acariciando seu braço de forma íntima e convincente. – Eu cuido disso – continuou. Ele não disse nada. Virou-se e seguiu pelo longo corredor, saindo em passos rápidos, deixando-me sem reação.

- Não se preocupe com ele. – disse Lisa, puxando-me pelo braço. – Ele leva as coisas muito a sério por aqui e...bem, ele acha você importante. Então você pode se sentir lisonjeada... – comentou enquanto caminhava.

Eu queria perguntar por que ele me achava importante, mas meu estômago começou a se revirar de fome. O barulho foi tão alto que Lisa riu.

- É exatamente onde a estou levando – disse.

Viramos à esquerda no grande corredor que descia a escada e logo notei uma porta enorme, mais larga do que a dos quartos, também de ferro.

- Espero que não se importe em tomar o café da manhã sozinha – disse. – Minha próxima aula está para começar. Eu devia ter explicado melhor a rotina do lugar ontem... - ela se culpou.

- Acho que estávamos cansadas – comentei. Ela estava sendo tão gentil comigo que seria injusto fazê-la se sentir culpada. Apesar disso, eu me sentia perdida naquele lugar.

- Aqui está a sua programação – entregou-me um papel com algumas planilhas. – Vou pedir para uma das alunas ajudá-la. Sinto muito mesmo – disse com remorso. Sorri, mostrando que estava tudo bem.

Observei-a sair e então reparei no gigantesco salão em que estava. No lado direito, havia uma comprida mesa de madeira cercada por cadeiras. No lado esquerdo, havia outra mesa menor, paralelamente à primeira, com apenas cinco cadeiras do lado oposto. Essa segunda mesa era mais elevada que a primeira e de tom levemente arroxeado.

Golfinhos e Tubarões - O outro mundo (Tais Cortez)Onde histórias criam vida. Descubra agora