7 - O portal escuro

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Os homens de Ruajin acordaram cedo, com os primeiros lampejos da claridade da manhã. A entrada feita por eles nos últimos dias jazia escancarada com sua porta improvisada tombada ao lado, como se um possível fluxo de ar existisse no interior da construção, o que lhes pareceu indicar a possibilidade de outra passagem, provavelmente localizada no subsolo.

Sem perda de tempo arrumaram seus pertences e entraram imediatamente no cubo convidativo, sem olhar uma vez sequer na direção de Ruajin, que ainda dormia a sono solto. O que haviam combinado dias antes era que se fosse possível abandonassem de uma vez o inútil líder que possuíam e que até agora somente conseguira deixá-los perdidos por diversas vezes. E existia também o fator da divisão, qualquer lucro agora poderia ser dividido por três.

Como seu ex-líder veio a sentir horas depois, o cheiro podre tomou conta do grupo, fazendo com que o menor deles colocasse parte da carne da véspera para fora. Como a coragem não era o forte deles passaram direto pelas formas espalhadas no chão, deparando-se então com a primeira porta cerrada. Depois de abri-la cuidadosamente a recolocaram em seu lugar e foram parar em frente de um portal que emitia uma luz azul fraca, parecendo à primeira vista que olhavam a face de um lago com diversos pontinhos brancos e diminutos, que não paravam de piscar por um segundo sequer.

"Eu não vou tocar nisso!" – Disse um deles se afastando um pouco.

"Pode voltar se quiser, eu acho que essa... Bom, esse caminho leva aos segredos da aldeia e aos seus tesouros." – Disse outro se abaixando e retirando de sua bagagem uma de suas ferramentas, com cabo de madeira. – "Mentiria, é claro, se dissesse que não estou com medo, mas creio que uma tentativa de atravessar para o outro lado não possa nos fazer mal..."

O terceiro homem, aquele que tivera o estômago revirado pelo odor podre que agora ficara para trás nada disse e já parecia estar recuperado. Somente se aproximou mais do portal e ficou no aguardo da experiência que seu companheiro realizaria. Este seu companheiro levantou-se com a ferramenta na mão e segurando pela parte de ferro, mergulhou delicadamente o cabo na luz azul, protegendo os olhos com a mão livre como se esperasse que algum tipo de explosão fosse acontecer a qualquer momento. Nada aconteceu, somente sentiu que a luz parecia querer absorver o cabo com uma leve pressão, mas esse fato não comentou com os companheiros para não assustá-los mais ainda.

Retirou o cabo da luz e o mesmo estava intacto. Entregou a ferramenta então para que os outros a analisassem e os três chegassem numa conclusão.

"Não podemos ficar perdendo tempo aqui!" – disse ele – "Ou seguimos agora ou retornamos e esperamos que Ruajin nos guie."

Após alguns segundos decidiram por seguir em frente. Em fila indiana foram atravessando um a um, sem, no entanto, observar que suas armas e tudo o mais de algum tipo de metal que possuíam ia ficando para trás, como se o portal filtrasse tais materiais. No fim não teria feito diferença de qualquer forma.

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Ruajin reconheceu os pertences de seus homens amontoados na entrada da estranha porta, chegando à conclusão na mesma hora que aqueles objetos, que eles sempre consideraram valiosos demais, não poderiam ter sido deixados para trás por vontade própria. Sacou de sua longa espada e com a ponta tocou a superfície azulada do portal, tentando fazê-la atravessar, assim como antes fora feito com o cabo de madeira por um dos seus homens. A diferença foi que a espada encontrou resistência, como se ele tentasse penetrá-la em uma rocha.

Afastou-se um pouco e ainda pensava no que fazer quando percebeu uma ligeira movimentação no portal. Ergueu novamente a espada e colou-se em posição de defesa, mas o que viu o chocou de tal forma que sua espada chegou a escapar de sua mão e ele nem mesmo percebeu. No portal reconheceu a cabeça e o tronco superior de um de seus homens aparecendo, ao mesmo tempo em que esticava um dos braços à frente, aparentemente tentando se agarrar em algo, já que sua mão formava uma garra que se abria e fechava no ar. Antes que Raujin esboçasse alguma reação para ajudá-lo, um novo braço surgiu através do portal agarrando-o pelo pescoço e arrastando-o de volta lentamente. Este braço era totalmente negro e muito musculoso, sendo que as pontas dos dedos da mão eram mais finos que o normal e sem unhas, e esses dedos pareciam penetrar na carne do homem que ele arrastava. Se ele gritava algo Ruajin não pode ouvir, mas conseguiu ler nos seus lábios uma palavra que ele repetiu diversas vezes antes de sumir novamente: Monstros!

Depois dessa ação que não durou mais que um minuto o portal passou do tom azulado para a cor do sangue e pareceu realmente por alguns instantes se mover, como se estivesse vivo e respirando ofegante. Em pouco tempo a aparência de uma superfície molhada foi substituída por outra que agora lembrava a parede irregular de uma caverna.

Ele não esperou para ver se mais alguma novidade aconteceria. Tropeçando nas pernas que estavam moles, saiu em disparada do lugar, caindo muitas vezes e se levantando imediatamente, sem olhar mais uma única vez para trás. Mesmo quando já estava fora da aldeia continuou correndo, fazendo o possível para não pensar em nada, apesar de sentir a todo o momento que outra mão negra se fecharia a qualquer instante em sua garganta, uma mão enorme com veias latejantes e armada com dedos afiados.
"Monstros!" – sussurrou ele, apavorado – "Monstros?"

A Saga de Kedl - No Caminho Escuro (Em Andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora