As noites eram curtas no deserto que ligava Hati à Satíria e consequentemente os dias eram intermináveis, presenteados pelo calor forte de um sol constante. Os raios da luz do dia que nunca paravam de se movimentar alcançaram os pés descobertos de Cláudio e foram subindo por seu corpo até chegar a seu rosto, acordando-o.
A primeira coisa que viu ao despertar foi o responsável pelo seu mais recente tropeço esparramado totalmente inerte junto à fogueira apagada. Acreditou que essa pessoa que ali se encontrava com ele já tinha dado adeus a esse mundo, mas resolveu investigar antes de prosseguir sua jornada sem rumo certo.
Presenciara antes a morte em outros homens e ela não era boa de ser vista, uma vez que a maioria das vezes somente um detalhe se repetia: o sofrimento estampado no rosto daqueles que partiam. Ainda não tivera o prazer antes, se é que se pode chamar assim, de testemunhar uma pessoa que faleceu por causas naturais, que partiu realmente por ter chegado sua hora. Talvez por ser nômade de berço e jamais ter se instalado por tanto tempo em alguma aldeia para perceber a rotina de vizinhos ou por desconhecer também a presença de parentes. Em seus sonhos imaginava que a morte atingira sua mãe e por isso ela jamais retornara e nesses sonhos jamais sentiu a presença de uma morte em paz, ao contrário, a dor que observava em seu rosto era a mais intensa que ele conhecia.
O homem que se encontrava deitado de bruços era maior que ele, que não poderia ser considerado tão pequeno assim. E além de maior na altura, era duas vezes maior na largura, mas como o mesmo se encontrava coberto por trapos em frangalhos não pode precisar a real diferença de peso. Precisou usar de uma grande energia para conseguir girar o homem e quando finalmente conseguiu tomou um grande susto, pois ele se encontrava com os olhos bem abertos e incrivelmente calmos. Seus olhos eram castanhos claros e percebeu que ao serem iluminados pelo sol tornavam-se esverdeados. O estranho sorriu e mostrou dentes muito brancos.
"Obrigado." – disse ele estendendo um braço na direção do loiro, que entendeu que o mesmo precisava de ajuda para se levantar. Com um esforço gigantesco, conseguiu colocá-lo sentado, sentando-se também para se recuperar e ao se sentir melhor ficou satisfeito por ter alguém com quem falar.
"Quem é você?" – O loiro indagou examinado o estranho.
"Ninguém..."
Cláudio se surpreendeu com a resposta, afinal só queria saber o nome daquele desconhecido que ele ajudou e que bem poderia ser um saqueador qualquer se utilizando da sua bondade, para depois matá-lo e levar seus pertences. Decidiu agir com cautela.
"Eu quis dizer, como você se chama?" – insistiu novamente o loiro.
"Ninguém..."
"Tudo bem, Sr. Ninguém? Muito prazer sou Cláudio e estou indo para "lugar nenhum" e gostaria de companhia. Vai também nesta direção?"
"... Me dá água faz algum tempo!"
Cláudio olhou o estranho sem nada entender e ergueu os ombros indicando isso.
"Ah! Ninguém me dá água faz algum tempo. Obrigado!"
"Nossa, estamos conseguindo finalmente nos entender. Espere, precisa beber mais um pouco."
O loiro buscou sua bagagem que ficara caída nas proximidades do grande pedaço de madeira que servira de abrigo durante a noite. Pensou também que seria importante ter eu seu poder algum tipo de arma, caso necessitasse se defender, mas não tinha e, mesmo se a tivesse, não tinha certeza se conseguiria utilizá-la para ferir alguém.
De sua bagagem retirou outro frasco de água e após retirar sua tampa, passou-o para o estranho que não perdeu tempo com cerimônias e seu olhar, após saciar-se, era do mais profundo agradecimento.
"Estamos no que foi um grande acampamento de um grupo que viajava em algum tipo de carroça, que aparentemente foi atacado por todos os lados, mas não vejo nenhuma gota de sangue, tirando essa que tingiu sua barba de vermelho e que provavelmente vem da carne que eu assava ontem."
O Sr. Ninguém o olhou envergonhado e demonstrando um grande esforço conseguiu dizer uma frase.
"Foram atacados de surpresa e levados como escravos."
"Por cladianos?"
Ele pareceu meditar antes de responder e nessa hora Cláudio imaginou se não estaria do lado de um inimigo que fora deixado para morrer no deserto. Os trapos que o cobriam já haviam escorregado um pouco revelando um homem coberto por uma musculatura invejável, realmente com o dobro ou mais da largura de Cláudio, que ficou assustado. Por mais desgastado que o estranho pudesse parecer uma grande força irradiava por seus olhos e sentiu que seria difícil vencê-lo se isso fosse preciso, mas seu coração o acalmou dizendo que ali se encontrava um homem bom, fosse quem fosse.
"Não sei!" – Respondeu finalmente o Sr. Ninguém – "Só sei que foram na direção de lugar nenhum."
O loiro entendeu e sorriu, não só pela brincadeira feita pelo estranho. Era bom estar novamente com alguém que assim como ele parecia não se importar com o rumo a seguir. Sentiu-se verdadeiramente feliz.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Saga de Kedl - No Caminho Escuro (Em Andamento)
FantasíaNum mundo medieval é comum existir soldados, guerreiros, reis, princesas, castelos, arenas de combate, povos inimigos e logicamente, uma eterna guerra entre eles. Mas o que aconteceria com esse mundo se o precioso equilíbrio fosse quebrado? E se o m...