14 - Equilíbrio

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"Dmeyfou! Acorde!"

Cláudio despertou e deparou-se com Sttor e o Sr. Ninguém ao lado de sua cama, ambos o observando.

"Falei dormindo?" - perguntou o loiro.

Concordaram os dois.

"Coisas sem sentido?" - tornou a perguntar.

Sttor se adiantou.

"Conte o que está acontecendo com você. Já ouvi falar de homens que receberam espíritos e ficaram transtornados, sucumbindo à loucura. Talvez seja o seu caso..."

"Não acredito!" - cortou Cláudio - "Sentem-se, pois vou contar tudo. Preciso desabafar!"

Formaram uma roda em volta de um toco de madeira, onde um bom pedaço de pão aguardava para ser devorado.

"Quero primeiro que vocês me descrevam detalhadamente a batalha final que travamos no torneio..." - Quando o gigante o olhou confuso, o loiro rapidamente se explicou - "Isto é parte importante do que vou contar."

"Bom, havíamos combinado que se Sttor fosse lutar sozinho, você me ajudaria..." - começou a dizer lentamente o Sr. Ninguém - "Portanto, logo no início do combate, lhe dei o arpão, que era o sinal que combináramos antes. E assim que comecei a lutar contra Sttor, você pulou sobre nós caindo atrás dele e atacando."

"Lembro que me assustei com sua velocidade!" - disse o gigante de cabeça baixa - "E tive que me virar rapidamente para me defender. E a luta foi toda assim, você voando de um lado para o outro, eu me defendendo de você e do Sr. Ninguém. Numa das tentativas para acertá-lo, dei um belo golpe no chão quebrando o cabo do machado, ficando somente com um pedaço de madeira para me defender. Tinha certeza que vocês combinaram me cansar..."

O Sr. Ninguém fez um gesto para que Sttor o deixasse falar.

"Era isto que eu tinha em mente e funcionou melhor do que eu esperava. Quando percebi que Sttor estava completamente vulnerável, pedi a sua rendição. Sttor desabou, mas antes você deu um último ataque que ele defendeu com o pedaço de madeira que lhe restou, onde o arpão se quebrou também. Depois que ele se rendeu você saiu dali, nem dando tempo para que eu lhe agradecesse."

Depois de alguns minutos de silêncio, Cláudio se levantou e andando de um lado para o outro, começou sua narrativa.

"Bem sabia que seria importante este detalhamento da batalha. Mas antes de explicar o porquê, vou contar algumas coisas sobre o meu passado, fatos que jamais entendi direito."

E o loiro falou sobre quando era pequeno e vivia de um lado para o outro com a mãe, até que um dia ela partiu e ele ficou só. De como continuou a se aventurar pelo mundo com um saco de moedas nas costas, sempre se esquivando de problemas. Falou de quando ficou cansado se ser um nômade e resolveu ir até o castelo de Hati. De Deiron e de como fracassou em seu treinamento, do encontro com o Sr. Ninguém e do receio da batalha, então parou e os encarou.

"Agora entendem o que está errado no que me contaram?"

Ambos se entreolharam, mas permaneceram em silêncio, que o loiro novamente quebrou.

"Nunca estive numa batalha sequer na minha vida, não fazia nem ideia do que faria no final do torneio. Pensei em atacar, meus pensamentos ficaram confusos e o mundo se tornou totalmente escuro. E continua..."

"Isto é impossível, loiro! Já vi diversos homens experientes lutarem com menos destreza do que você apresentou no torneio. A não ser que você realmente estivesse possuído, não vejo outra explicação."

"Mas possuído pelo que ou por quem Sttor? Você já viu algum caso assim antes?"

"Para ser sincero, não. E você o que acha, Sr. Ninguém?"

"Tenho certeza que Cláudio ainda tem alguns detalhes que aconteceram após a batalha para acrescentar."

"Está certo, tenho mesmo, mas também tenho medo de começar a ficar louco. Mas mesmo assim vou descrever o que aconteceu depois..."

"Tudo começou naquela última batalha, num momento eu estava lá com o Sr. Ninguém, no momento seguinte, após ouvir uma voz me chamando por um nome, despertei no nosso alojamento, inteiramente confuso e exausto, como se tivesse saído a pouco de uma guerra."

"Depois passei por alguns dias confuso onde era tudo embaçado, como se estivesse olhando de longe e a voz, uma linda e sussurrante voz de mulher, continuava me pedindo calma. Foi somente nos últimos dias que essa ela passou realmente a conversar comigo, de forma enigmática. Parece que havíamos rompido a barreira que impedia nossa comunicação."

"Falou-me que nós três precisamos ficar juntos, pois assim formamos um equilíbrio essencial para a jornada que virá, rumo ao norte de Seran, sempre ao norte, mesmo que no norte nada exista para ser visto. É para lá que precisamos seguir. Ela precisa de nossa ajuda e somente ela sabe o caminho e vai nos guiar através da minha mente."

"Não sei do que se trata esse equilíbrio, não faço a menor ideia de quem é ela e nem se está me usando para alguma finalidade maligna, só sei que seja sozinho, ou com os meus amigos, meu destino agora é o norte..."

"Norte rima com morte!" - cortou Sttor com seu sorriso feio exposto.

"Isso não me traz nenhuma preocupação. Deveria, mas não traz..." - falou o loiro sério e continuou.

"O que vocês acham? Por favor, sejam sinceros!"

"Eu agora compreendo menos ainda..." - disse Sttor.

O Sr. Ninguém se levantou num salto e retirou sua espada que estava no suporte, abandonado ao lado da bancada de madeira. Cortou o ar duas vezes com ela, depois se sentou novamente devagar, com os olhos vidrados na espada. Quando percebeu ter alcançado toda a atenção dos dois, falou mais do que o loiro poderia imaginar que ele pudesse um dia falar, dado a sua atitude normalmente lacônica.

"Cada um tem a sua história, umas já estão escritas, outras dependem de ações pessoais ou de outros para acontecerem, é assim que enxergo o mundo que conheço. A minha história eu não sei definir, estou longe de ser um ancião sábio, mas já deixei a juventude por debaixo de muitas cicatrizes, acompanhadas de muitas outras histórias, algumas que pessoalmente vivenciei e outras que apenas ouvi."

"Também acredito que cometi uma ação que alterou o meu destino e que nunca foi narrada para ninguém na sua totalidade. Creio que chegou a hora de contá-la, creio que vocês são as pessoas certas para ouvi-la, as únicas, porque de certa forma depois de ouvir toda a história do loiro, com seus ricos detalhes, tanto os fatos que ocorreram antes do torneio como os de depois, tudo isso me levou a crer que nós três temos sim um equilíbrio. Ainda desconheço o porquê deste equilíbrio, mas ele de certa forma me inspirou uma lógica."

"Nós três estávamos sem rumo, se seguirmos juntos, já temos um destino. Sttor já se mostrou ser o mais forte e determinado, Cláudio o mais fraco, mas com certeza o que tem mais instinto ao mesmo tempo em que é bom e sincero. E eu, bom ou mau, não sei. Egoísta ou altruísta, não sei. Corajoso ou inconsequente, também não sei. Digam-me vocês o que eu sou e se temos o tal equilíbrio mencionado, digam depois de ouvir uma de minhas histórias, de quando eu ainda nem sabia que teria histórias para contar, de quando eu ainda era jovem."

A Saga de Kedl - No Caminho Escuro (Em Andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora