Um pressentimento se formou enquanto eu adentrava o lugar: alguém morrera ali!
E por isso o lugar fora fechado. Talvez para servir como um tipo de túmulo ou talvez para encobrir um crime.
Eu não estava ali para investigar nada, mas sabia que para alcançar o objetivo proposto por Deiron teria que vasculhar a caverna, então era natural que eu descobrisse mais do que queria.
Conforme fui avançando para dentro dela, descobri que o lugar era bem grande, com diversas passagens para esquerda e direita. A primeira coisa que me veio à mente é que seria praticamente impossível encontrar qualquer coisa ali, devido a pouca claridade que minha tocha me proporcionava, mas eu tinha uma missão e não desistiria tão facilmente. Resolvi ir primeiro para o lado esquerdo e fui seguindo de uma passagem à outra, sempre nesta direção. Quando cheguei num beco sem fim, retornei e peguei a próxima passagem à direita e assim fui fazendo até entrar num caminho que parecia não ter mais fim.
Ao achar que estava no final dela, me deparei com um rio subterrâneo. Não tive dúvidas! Deixei o equipamento junto à parede e mergulhei. Assim como a caverna, esse rio também parecia não ter fim, e era praticamente impossível ver qualquer coisa, e por mais de uma hora eu vasculhei o fundo desse rio, sempre tomando o cuidado para não me aprofundar demais e ficar sem ar. Meu sacrifício foi recompensado quando ao tatear no escuro, encontrei o que a princípio imaginei ser um grande embrulho. Para retirá-lo da água, por pouco não me afoguei, e foi só quando consegui sair do rio que percebi se tratar de um corpo já entrando num estado de decomposição.
Aparentemente essa pessoa havia sido morta e lançada dentro do rio, embrulhada num tipo de tecido junto a algumas pedras, para que não retornasse a superfície. Dentro do embrulho localizei também a minha cobiçada estatueta, que tinha a forma de uma mulher nua da cintura para cima, muito bem trabalhada em algum material que não consegui definir ali. Refleti por um tempo sobre qual seria meu próximo passo: levar somente a estatueta para o capitão, ou juntar também os restos mortais do provável ladrão. Enquanto imaginava o que fazer percebi que esta passagem não terminava no rio, seguindo para a direita, um pouco mais para o fundo. Continuei seguindo naquela direção e alguma coisa no chão me chamou a atenção, bem no final da caverna. Tinha a forma de um ser humano!
Aproximei-me e descobri ali um homem muito grande e forte com um ferimento já seco há muito tempo no lado esquerdo do peito nu. Ele já se encontrava meio azulado e, com certeza, morrera há vários dias, pois o odor no ar estava forte. Minha dúvida então foi sanada, tinha descoberto o porquê da Caverna da Morte estar fechada.
Fiz uma reverência, me aproximei mais e ao observá-lo melhor algo me veio em mente: este homem tinha algum relacionamento com o corpo que eu encontrara no fundo do rio. Não sabia se ele também era algum tipo de ladrão, se eram comparsas, e como eu não estava ali para julgar, fiz o que achei mais sensato naquele momento. Retirei os dois corpos da caverna e os enterrei próximo à entrada, cada qual numa cova, ambas muito difíceis de abrir somente com as armas que eu tinha comigo. Fixei uma cruz para representar cada um dos corpos, dediquei-lhes uma breve oração e tornei a fechar a caverna. Permanecei acampado por mais um dia e depois rumei vitorioso para o castelo de Hati.
Fui imediatamente procurar Deiron e lhe contei todo o sucedido enriquecido com os detalhes, sem nada ocultar. Ele me disse que eu havia agido da forma mais correta possível e a estatueta roubada de Hati retornou finalmente para o seu lugar.
Eu estava eufórico pelo bom desempenho na missão e queria um novo desafio, mas ele me pediu calma e que eu descansasse. Concordei, mas para me acalmar lhe pedi que me deixasse visitar minha família, o que ele concedeu. Parti de Hati naquele mesmo dia, antes do pôr do sol, no corcel que acabou sendo o meu prêmio. Meu objetivo quando parti realmente era Satíria...
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"Até aqui você conhecia toda a história, não estou certo, Cláudio?"
"Sim! Vai terminar a narração?"
"Vou, mas antes e até para que possamos parar para descansar, gostaria que Sttor contasse-nos a sua história também."
O gigante o olhou surpreso.
"Não sei se estou preparado para falar sobre isto ainda..."
O Sr. Ninguém fez um gesto de compreensão.
"Então quando estiver preparado, gostaria de ouvi-lo por dois motivos: tenho curiosidade de saber o que aconteceu na Caverna da Morte, pois o que sei até hoje são meras deduções. E também creio ser importante que nos relate o que aconteceu para que possamos iniciar uma nova jornada deixando o passado para trás. Agora acho que o melhor a fazermos é descansar e amanhã retornaremos à minha história."
No outro dia bem cedo a roda de três homens se formou novamente e antes que o Sr. Ninguém recomeçasse sua narrativa, Sttor tomou a palavra.
"Pensei bem antes de dormir e creio que não tenho nada nas minhas lembranças mais antigas que possa me envergonhar mais do que a forma com que agi nos últimos anos, saqueando homens inocentes. Minha história é muito simples, sem muitos enfeites. Saí para explorar novos lugares, eu e, eu e..."
"Seu pai!" - completou o Sr. Ninguém.
"Tinha certeza que tinha percebido, nossa semelhança é grande. Eu soube disso durante o torneio, você me avisou, fui eu que não quis escutar, pois ainda me achava invencível. O desejo que você demonstrou em reaver a sua espada, a qual representava a sua dignidade, foi algo que mexeu muito comigo, foi um dos grandes motivos para que resolvesse mudar os rumos da minha vida."
"Quanto ao meu pai, nós saímos para uma exploração e na entrada do desfiladeiro ao norte de Hati fomos atacados por nômades. Meu pai foi ferido e fugimos, chegando até a caverna. Resolvemos nos esconder lá dentro e enquanto nos aprofundávamos nela, acabamos por nos deparar na escuridão com um homem armado e que não pensou duas vezes em nos atacar. Eu estava furioso, meu pai não estava bem e surgia mais esse problema. Arranquei a espada dele como se fosse um brinquedo e o asfixiei sem piedade. Depois o embrulhei nos panos com os seus pertences e o arremessei naquele rio em que o encontrou."
"Meu pai... ele... ele não resistiu e morreu, ficando naquela posição em que você o encontrou. Agradeço pelo gesto nobre que fez em sua memória, dando-lhe uma sepultura digna, você é mesmo um grande guerreiro..."
Ao terminar a frase o gigante se ajoelhou na frente do Sr. Ninguém, que o ajudou a levantar.
"Eu queria poder sentir este mesmo amor e respeito que demonstra pelo seu pai. O meu vive em outro mundo, ele foi criado assim, mas eu gostaria muito que ele tivesse também se aventurado comigo pelo mundo, mas tenho que respeitar os seus valores, afinal muitos deles são os meus também."
"Agora lhe vejo, Sttor, melhor do que antes e percebo que dentro do gigante existe também um coração enorme. Muito contigo aprendi nestes últimos dias, não o vi ficar enfurecido pela derrota no torneio, ou ser arrogante com Cláudio pela sua diferença de força, ao contrário, buscou nele um amigo. Creio mesmo que todos nós aprendemos muito nestes últimos dias."
"Ainda tenho uma parte importante para narrar, um trecho de minha história que ainda me traz uma saudade imensa, de quando eu decidi que era hora de visitar minha família em Satíria, uma visita que até hoje, quase vinte anos depois, ainda não realizei."
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A Saga de Kedl - No Caminho Escuro (Em Andamento)
FantasyNum mundo medieval é comum existir soldados, guerreiros, reis, princesas, castelos, arenas de combate, povos inimigos e logicamente, uma eterna guerra entre eles. Mas o que aconteceria com esse mundo se o precioso equilíbrio fosse quebrado? E se o m...